sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Relógios moleculares

As cianobactérias, anteriormente conhecidas como algas azuis, são microrganismos procariontes (sem membrana nuclear) que vivem na Terra há pelo menos 3800 milhões de anos*, pensando-se que tenham sido os ancestrais de todas as formas de vida na Terra. Os eucariontes (com membrana nuclear) terão surgido entre 2000 a 1400 milhões de anos atrás e os organismos multicelulares terão feito a primeira aparição há cerca de 700 milhões de anos. Actualmente é aceite que alguns organelos - por exemplo, os cloroplastos e mitocôndrias - das células eucarióticas tiveram origem em procariontes que se adaptaram à vida intracelular por endossimbiose.

Os estromatólitos de Bitter Springs, na Austrália central, exibem fósseis muito bem conservados que mostraram pela primeira vez que há mais de 850 milhões de anos existiam cianobactérias morfologicamente modernas que partilhavam o habitat com outros seres capazes de fotossíntese, as algas verdes, eucariontes igualmente descobertos na mesma formação.

A evolução da vida na Terra como a conhecemos foi muito provavelmente possível devido à acção destas bactérias que libertaram o oxigénio que alterou a composição da atmosfera primitiva e possibilitou a formação da camada de ozono (O3) que protegeu da radiação ultravioleta organismos mais sensíveis.

Algumas cianobactérias, designadas extremófilas, conseguem viver em condições extremas como sejam fontes termais, com temperaturas de aproximadamente 74ºC, águas geladas ou meios de salinidade muito elevada.

Nas últimas décadas, os avanços da oceanografia permitiram a descoberta de inesperadas comunidades a profundezas superiores a 3000 metros, onde a luz do sol não penetra e a fotossíntese não é possível. Estes biossistemas são possíveis devido à existência de arqueobactérias associadas a fontes quentes vulcânicas que são capazes de quimiossíntese. Pensa-se que as primeiras biossínteses, efectuadas por um replicador primevo, tenham acontecido neste tipo de ambientes, muito comuns na Terra primitiva. É também possível, como o demonstram muitas experiências laboratoriais, que metais ou minerais, como a pirite ou a magnetite, tenham sido os catalisadores químicos das sínteses biológicas antes da evolução de enzimas.

A química das cianobactérias, as nossas «fábricas» de oxigénio já que são responsáveis por cerca de 70% da fotossíntese realizada no planeta, tem sido investigada e explorada (nomeadamente para a produção de um combustível limpo do futuro, o hidrogénio) em inúmeros laboratórios, um pouco por todo o mundo.

Um aspecto desta química que tem despertado muito interesse tem a ver com o mais simples relógio molecular descoberto até hoje, constituído por apenas três proteínas, KaiA, KaiB, e KaiC. Estas três proteínas permitem às cianobactérias acertarem com uma precisão impressionante o seu ritmo circadiano. Os ciclos circadianos são os osciladores bioquímicos com período de 24 horas que tornam as viagens intercontinentais complicadas para as muitas pessoas que demoram semanas a ajustar os seus ritmos de sono ao novo fuso horário.

Na Science da semana passada, cientistas de Harvard e do Howard Hughes Medical Institute descreveram em detalhe como este trio de proteinas colocado num tubo de ensaio com o combustível biológico ATP mantém um ritmo circadiano preciso por períodos longos de tempo. Mesmo na ausência de estímulos externos, isto é, sem luz, este relógio molecular exibe uma grande precisão ao longo de várias semanas.

As proteínas Kai não foram encontradas nos humanos mas a elucidação deste mecanismo pode lançar luz sobre os relógios biológicos de outras espécies. Antes de as cianobactérias nos terem surpreendido com esta reacção oscilante, de período bem determinado e independente da existência de ADN e outros componentes celulares, pensava-se que era necessário todo um organismo para manter o ritmo circadiano. Estes microorganismos mostraram-nos que é possível um relógio molecular mais preciso que o do meu computador apenas com três (macro)moléculas!


*Mojzsis, S.J., Arrhenius, G., McKeegan, K.D., Harrison, T.M., Nutman, A.P. Friend, C.R.L. (1996) Evidence for life on Earth before 3,800 million years ago, Nature 384, (6604): 55-59.

11 comentários:

Anónimo disse...

Será que os leitores deste “post” conseguirão lê-lo criticamente?

Conseguirão ver como a adopção de premissas naturalistas e evolucionista a prior condiciona toda a análise subsequente?

Não havendo tempo e espaço para discutir todas as questões na especialidade, ficam algumas notas. No futuro voltaremos a este ponto.

No seu livro “Evolution; A Theory in Crisis”, Michael Denton compara a crença nos “relógios medievais” com a crença na astrologia.

Por seu lado, Ermst Mayr, punha em causa a fidedignidade dos relógios moleculares.

Os relógios moleculares assentam na presunção de que se extrapolarmos as taxas de mutação observadas no presente e compararmos as diferenças entre dois genomas podemos calcular matematicamente há quanto tempo os genomas divergiram.

É claro que a coisa só funciona se começarmos por pressupor que essa divergência realmente aconteceu, ou seja, que as espécies descenderam de um ancestral comum.

Mas trata-se de uma pressuposição, já que essa divergência não foi observada por ninguém.

Claro que existem relações “evolutivas” dentro das mesmas espécies. Por exemplo, existem múltiplas sub-espécies do género canino.

Mas este fenómeno opera a partir de informação genética pré-existente (não criando informação nova nos genomas). O mesmo não tem realmente nada a ver com a evolução de partículas para pessoas.

Os relógios moleculares, à semelhança do que sucede com outros métodos de datação, baseiam-se em premissas indemonstráveis e problemáticas.

Daí que as contradições entre os vários métodos de datação abundem na literatura científica.

Para os evolucionistas, as homologias moleculares são consideradas como um possível relógio que confirma a evolução de forma independente.

Porém, a sua utilização como um relógio só funciona se se pressupuser que houve efectivamente evolução.

No entanto, os próprios evolucionistas têm chamado a atenção para o facto de que se considerássemos apenas os dados das homologias moleculares teríamos que considerar que o conceito evolucionista de descendência a partir de um ancrestral comum já há muito que teria sido refutado.

Se assim é, a utilização destas homologias como base dos “relógios moleculares evolutivos” é, no mínimo, surpreendente.

Embora pareça uma maneira simples, lógica e directa de lidar com datações, os relógios moleculares estão cheios de problemas como sejam:

1) a invisibilidade do andamento dos ponteiros do relógio (mutações não observadas; taxas de mutação não medidas);

2) o absurdo da presunção de taxas aproximadas de mutação para as diferentes proteínas;

3) a imperfeição das árvores evolutivas construídas com base nas homologias moleculares;

4) a ausência de evidência fóssil de evolução gradual, admitida pelos evolucionistas saltacionistas.

Daí que toda a tentativa de determinar quando é que as espécies divergiram umas das outras com base em relógios moleculares seja destituída de sentido, problema que se agrave se se considerar que espécies muito diferentes umas das outras parecem ter divergido essencialmente no mesmo tempo (a partir de ancestrais comuns desconhecidos.)

O problema deste artigo é que as conclusões estão inteiramente dependentes das premissas de que se parte.

Como se disse, os relógios moleculares só funcionam (e mesmo assim muito mal) para quem adopte premissas evolucionistas, uniformitaristas e naturalistas e pressuponha a antiguidade da Terra.

Eles só podem ser usados para “provar” a evolução (e mesmo assim com muitas falhas) se se partir do princípio que houve evolução.

Quem não partir dessas premissas interpreta os dados de forma substancialmente diferente.

Para os criacionistas, as homologias moleculares traduzem apenas o grau de semelhança e diferença entre espécies criadas por um mesmo Criador.

Já que o DNA codifica estruturas e moléculas bioquímicas, podemos esperar que, em princípio, criaturas semelhantes tenham um DNA mais semelhante e que criaturas diferentes tenham um DNA com mais diferenças.

Em última análise, o modo como uma pessoa interpreta dos dados observáveis depende muito das premissas adoptadas à partida.

Joana disse...

O "anónimo" Jónatas Machado está com dificuldade em engolir os 3 800 milhões de anos das cianobactérias :)))

Comparado com os 6000 anos que ele ulula ser a idade da Terra há aqui muitos zeros que lhe põem a cabecinha à roda. É pena posts tão didácticos como este não porem essa cabecinha a pensar!

Mas pela "qualidade" do comentário não percebeu nada do que é um relógio biológico :) como não percebe nada de ciência...

Anónimo disse...

"Já que o DNA codifica estruturas e moléculas bioquímicas, podemos esperar que, em princípio, criaturas semelhantes tenham um DNA mais semelhante e que criaturas diferentes tenham um DNA com mais diferenças"

Deve ser por isso que este anónomo tem o DNA tão parecido com o do macaco. Eheheh.
Agora a sério, porque virá aqui estragar a leitura dos posts?

Anónimo disse...

e é isto um prof universitário!!

k vergonha para a UC!!

Anónimo disse...

Não basta chamar ignorante a alguém para mostrar que se tem razão. Convém explicar em que consiste essa ignorância. Seja lá quem for esse anónimo, ele apresenta questões pertinentes. Quanto a mim, o melhor do artigo da Palmira é a quantidade de suposições que lá constam, o que demonstra tratar-se de um trabalho sério.
Há por aqui alguém ainda demasiado convencido da importância do acaso na evolução das espécies. E no entanto, o acaso tem vindo a perder cada vez mais importância face à evidência da necessidade de adaptação às circunstâncias do meio.
Uma das dúvidas a respeito da evolução (não de que ela exista, mas quanto ao modo como se processa) tem que ver com as eras geológicas e as gerações. A evolução depende da cronologia ou da sucessão de gerações? Entre o australopiteco e o Homo sapiens há quantas gerações? Duzentas mil? E quantas de cianobactérias houve no mesmo período? Duzentos mil milhões? Então por que se mantiveram razoavelmente estáveis estas? (Sei que sou ignorante, e por isso pergunto. Mas quem não souber a resposta é favor não me fazer lembrar a mim mesmo que o sou.)
A propósito das condições do meio copio aqui o essencial do que disse em outro lugar sobre uma espécie de libelinhas dos Açores. E pergunto antecipadamente: acaso ou necessidade?
Há uma espécie de libelinha açoriana que é única no mundo, o que é notável, tendo em conta que há cerca de cinco mil espécies destes fascinantes animaizinhos. O que aconteceu com tal espécie, devido ao isolamento do habitat, e provavelmente à raridade ou ausência de machos, foi que se tornou partogénica. Ou seja, só conta fêmeas, que produzem ovos normalmente, dos quais nascem os filhos (aliás filhas apenas), sem necessidade de fecundação.

Fernando Martins disse...

Caro Daniel de Sá:

Se quer perceber melhor estes assuntos, sugiro-lhe a leitura dos diversos livros do paleontólogo Stephen J. Gould - para mim um dos melhores divulgadores do século XX na área da Evolução.

alf disse...

Obrigado Palmira por este interessante post. Claro que ele pressupõe um determinado modelo mas é sempre assim, a nossa cabeça não é capaz de raciocinar sem ser com base num modelo. Pretender ser independente de um modelo resulta simplesmente em usar o modelo mais primitivo de todos, aquele que o nosso cérebro constroi autónomamente nos primeiros anos de vida.

Como a vida surgiu e desenvolveu é algo de que ignoramos quase tudo e ninguém tem as respostas; aliás, a extrema complexidade da vida é algo que ainda estamos a começar a vislumbrar.

Mas vamos caminhando à custa de perguntar, como faz Daniel de Sá, e investigar. As ideias de Gould eram muito interessantes na época e a sua leitura sem dúvida recomendável, mas hoje já sabemos como deverão ser complexos os mecanismos que podem gerar evolução, já começamos a distinguir entre evolução e adaptação, já começamos a perceber coisas elementares, por exemplo, que a evolução mais importante será ao nível da própria célula e não dos organismos. Só agora começamos a descobrir que as células dos mamíferos, por exemplo, têm diferenças importantes em relação às dos répteis.

Quem se interessa por estas questões dê um salto ao meu blogue:
http://outramargem-alf.blogspot.com/
No meio de várias coisas que por lá andam, novas ideias podem encontrar a respeito disto... ideias, mas não certezas.

Anónimo disse...

Meu Caro Fernando Martins
Agradeço a recomendação, mas a escolha dos autores já pressupõe uma predisposição, não será?
O curioso é que aqui não falta quem me dê conselhos, mas parece que por vezes se esquecem de algo fundamental, e a que o alf faz referência: perguntar, pesquisar, ver os seres concretos, o Buteo buteo na sua variedade dita Rotschildi, os morcegos únicos no Mundo, a tal espécie de libelinhas, o priôlo, a arvéola, o tritão, etc., todos condicionados pela habitat das ilhas e que se diferenciaram um pouco dos seus ancestrais.
Depois é verificar que o evolucionismo não conseguiu ainda unir muitas peças do quebra-cabeças, que conhece a evolução dos equídeos sem elos perdidos, talvez o único caso, mas ainda assim sem que o género se tenha transformado em algo de absolutamente diferente. Meu caro, sou demasiado curioso para me contentar com pouco, eu queria saber era como as algas azuis se transformaram em outro tipo de vida, como é que elas mesmas surgiram, como é que às tantas aparece vida consciente, e por aí adiante. Não sou apenas um pedaço de asno ignorante, sou um asno completamente ignorante. E, se é evidente que as formas de vida foram evoluindo para outras cada vez mais complexas, pouco se sabe do modo como isto tudo aconteceu. Por isso pergunto e perguntarei sempre. E, se aceito a ideia de um princípio inteligente que tenha conduzidoo todo o processo, esbarro em outra dificuldade tão incompreensível como todas estas, ou mais ainda: a origem desse princípio inteligente.
E nunca mais parariam as exclamações de dúvida.

Fernando Martins disse...

Caro Daniel de Sá:

"O curioso é que aqui não falta quem me dê conselhos, mas parece que por vezes se esquecem de algo fundamental, e a que o alf faz referência: perguntar, pesquisar, ver os seres concretos, o Buteo buteo na sua variedade dita Rotschildi, os morcegos únicos no Mundo, a tal espécie de libelinhas, o priôlo, a arvéola, o tritão, etc., todos condicionados pela habitat das ilhas e que se diferenciaram um pouco dos seus ancestrais."

Pois os livros do Stephen J. Gould são fantásticos precisamente por pegarem em casos similares ao que cita e com a explicação associada à evolução. São pequenos textos, publicados previamente em jornal e com bibliografia, para o especialista ou o mais interessado, com casos concretos, exemplificando e mostrando como a evolução fez algumas espécies. Depois, em outros textos, faz a análise de exemplos da história da ciência e abarca por vezes outras ciências...

Para mim foi, simplesmente, o melhor divulgador de ciência na área das Ciências da Terra e da Vida...

Anónimo disse...

Meu Caro Fernando Martins
Como sabe certamente, o Stephen Gould da primeira fase não escondeu a sua perplexidade perante as explosões de formas de vida diferenciadas, de uma maneira absolutamente aleatória em relação às épocas geológicas. Quer dizer que ele notou saltos qualitativos muito garndes, sem explicação possível para já. Essa honestidade intelectual valeu-lhe que alguns criacionistas (sobretudo evangélicos americanos)o acusassem de estar contra os seus pares. A partir daí ele tentou combater o criacionismo. E eu receio sempre quando alguém faz uma campanha por uma causa.

Fernando Martins disse...

"Como sabe certamente, o Stephen Gould da primeira fase não escondeu a sua perplexidade perante as explosões de formas de vida diferenciadas, de uma maneira absolutamente aleatória em relação às épocas geológicas."

Gould, com Eldredge, perante o que se sabia do registo fóssil, criou uma versão do neo-darwinisto dita do equilíbrio pontuado (em que, após longo período em que uma espécie se mantem sem mudanças, se dá um rápido - geologicamente falando... - pulo evolutivo). Os cientistas que trabalham nas Ciências da Terra e da Vida, perante tantas provas da evolução e tantas dificuldades em perceber todas as suas implicações, são genericamente pessoas sem dificuldade em aceitar novidades e compreender o quanto falta para abarcar a totalidade (que nunca se conseguirá...) da compreensão da Evolução.

E, por vezes, o fenómeno raro que é a fossilização preserva evidências que fazem, como aconteceu a Gould, alterar a sua visão do fenómeno da evolução.

Mas leia, por exemplo, "O Polegar do Panda", "A Feira dos Dinossáurios" ou "a Vida é Bela" de S. J. Gould e depois perceberá o que eu digo...

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