quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Lóbis Sindicais e Exame de Entrada na Carreira Docente


“O princípio da igualdade, que está na Constituição, significa que o que é igual deve ser tratado igualmente e o que é desigual deve ser tratado desigualmente" (Rui de Alarcão, ex-reitor da Universidade de Coimbra).

"A única salvação do que é diferente é ser diferente até ao fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade” (Agostinho da Silva, 1906-1996).

Com a credencial de ter defendido, vezes sem conta, em posts por mim aqui publicados, a necessidade de um exame de acesso à carreira docente (o primeiro deles em idos de 2008) não podia deixar de me congratular com a notícia do passado dia 29 de Novembro, publicada no Correio da Manhã, a dar conta de que este exame arranca em 2012. Aliás, embora não regulamentada, esta prova de acesso à docência está legislada desde 2008.

Sem surpresa de maior (como diz o povo, “pelo andar da carruagem se vê quem vai lá dentro”!), logo acorreu belicosa a criticar esta medida, por parte doe Nuno Crato, actual Ministro da Educação, a guarda pretoriana sindicalista encarregada de proteger fortes lóbis ao serviço de interesses bastardos dos seus associados, conseguidos em sequelas de décadas de desvario revolucionário, nas quais foi criado um Estatuto de Carreira Docente que não têm paralelo noutros países. Em nome de um pretenso processo democrático, que anulou toda e qualquer diferença e postergou todo e qualquer valor, procedeu-se à igualização de indivíduos totalmente diferentes na sua formação académica maltratando as elites que, no dizer de António José Saraiva, “assustam muitos democratas por julgarem que as sociedades são superfícies rasas”. Assim (reportando-me à notícia do Correio da Manhã supracitada), João Dias da Silva, da FNE, logo apoiado por Mário Nogueira, da FENPROF, se fizeram seus opositores ferozes com o argumento, havido de peso e tido como incontroverso, do dispêndio de cem mil euros (em moeda antiga, vinte mil contos) que este exame iria acarretar ao erário público como se, como decretou Eça, para ensinar não houvesse uma formalidadezinha a cumprir – saber. E este facto é tanto mais insólito por não ter havido, por parte dos corifeus dessas mesmas federações sindicais, a mínima preocupação (bem pelo contrário!) com a enorme hemorragia de dinheiros públicos trazida com o já referido Estatuto da Carreira Docente acordado, corria o ano de 1986, entre o Ministério da Educação, representado pelo ministro Roberto Carneiro, e trinta sindicatos e organizações afins, numa mesa de negociações em clima tumultuoso nada condizente com uma tomada de decisões de cabeça fria por, parafraseando Fernando Pessoa, se ter violentado todo o sentimento de igualdade que, sob o aspecto de justiça ideal, é a maior das injustiças e a pior das tiranias.

E assim foi, por exemplo, aos professores do ensino primário atribuída a reforma, quase diria na força de todas as suas capacidades físicas e mentais, aos 32 anos de serviço e 52 de idade, enquanto para outros, os professores dos então ensinos preparatório e secundário, se aplicou o Estatuto de Aposentação dos Funcionários e Agentes da Administração Pública: 36 anos de serviço.

Para situações destas, o nosso povo tem uma expressão bem a propósito quando critica a poupança no farelo para gastar na farinha. Ou seja, preocupam-se esse dirigentes sindicais com os cem mil euros a dispender com a prova de acesso à docência quando, por outro lado, defenderam, "à outrance", uma verba abissalmente maior em reformas de docentes do ensino primário, em alguns casos, com a duração de maior número de anos de aposentadoria do que de vida activa, fazendo com que a que a actual geração de jovens, nossos filhos e /ou nossos netos, corram o risco de verem as suas reformas reduzidas a pouco, a quase nada ou mesmo a nada. E, como se isto fosse ainda pouco, alguns desses professores e outros de trabalhos manuais que descontaram, para efeitos de reforma, incomparavelmente menos do que os professores licenciados dos então ensinos preparatório e secundário, pouco tempo antes da idade de reforma, através da obtenção de complemento de habilitações obtido, por vezes, em escolas privadas em escassa meia dúzia de meses, vieram a usufruir de reformas correspondentes à dos professores que mais investiram na respectiva formação e que mais descontaram para ela.

Triste argumento este de uma preocupação com cem mil euros que concorrem para que o acesso à carreira docente não esteja unicamente dependente da classificação do diploma, seja este obtido numa universidade de prestígio ou numa universidade de vão de escada, numa escola superior de educação estatal ou numa escola privada de província, quer se destine a ensinar unicamente Ciências da Natureza ou Matemática ou, passe o plebeísmo, seja pau para toda a obra, dando acesso simultâneo ao magistério de Ciências da Natureza e Matemática no ensino básico, sem causar problemas de consciência a quem permitiu que o ensino possa ser exercido por quem, como escreveu o incontornável Eça, seja “em ciência um diletante de coxia”.

Consequentemente, não descortino razão para que a verba de cem mil euros justifique o facto destas duas federações sindicais estarem contra o exame de entrada na carreira docente como se o futuro do país e uma formação sólida da sua juventude se pudessem continuar a compaginar com “três décadas de facilidade e demagogia” (António Barreto) que permitiram que cábulas optassem pelo caminho escandalosamente facilitado das Novas Oportunidades ou do Exame de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos lotando o ensino superior, muitas das vezes, de indivíduos que mal sabem ler e/ou escrever. Aliás, um ensino superior desacreditado por ministrar, sem qualquer pejo, uma espécie do ensino liceal de outrora ou secundário dos nossos dias, de muito reduzida exigência. Ou, por vezes, nem isso!

23 comentários:

Anónimo disse...

Parece que o autor acha justo que ao fim de 5 anos de universidade uma pessoa seja impedida de exercer a profissão para a qual se formou por causa de uma única prova.
Se o curso não forma correctamente professores, que seja encerrado.
Ou então, faça-se média entre a nota de curso e a nota da prova para efeitos de concurso. Se bem que não voltará a haver concursos de professores em Portugal.
E teremos sorte se, daqui a dez anos, ainda houver professores.

José Batista da Ascenção disse...

Caro Rui Baptista,

Vá lembrando, vá lembrando.
Para que não esqueça.

Anónimo disse...

O melhor seria acabar com os sindicatos, não é?

Anónimo disse...

Acabe-se já com os sindicatos, com as greves e, principalmente, com esses professorezecos formados em públicas ou privadas, em dias úteis ou aos domingos, por professores (espante-se!) que não fizeram exame de acesso à carreira docente e ensinam... e de cátedra.
Se nós só nos reformamos aos 65 ou 70, se as turmas vão aumentar até aos 35 ou 40 alunos, se os jovens estão a emigrar que nem pardais, que novos professores farão o exame, para concorrer em que país e para ensinar os filhos de quem? Parafraseando o mesmo povo, "Quem não tem que fazer, faz colheres.".

Rui Baptista disse...

Anónimo (21:24): Receio que se tenha criado um certo ruído entre o que escrevi e a interpretação que dele foi feita ou possa vir a ser feita.

O que eu pretendi dizer é que um simples valor a menos na nota de diploma que separe um licenciado universitário de um indivíduo com um curso médio com um complemento de habilitação feita ao Deus dará num estabelecimento logo criado com essa finalidade e com inflação de classificações não é um critério justo de selecção. Assim, por exemplo, socorrendo-me do seu exemplo, será justo que um licenciado universitário seja preterido, por exemplo, por um outro, unicamente, por ter um valor a menos de nota de curso para ministrar unicamente matemática ou ciências da natureza face a um outro saído de uma escola superior de educação para ministrar simultaneamente estas duas disciplinas no ensino básico? Esta a questão.

Quanto a fechar “ cursos que ( servindo-me de outro exemplo seu) não formam correctamente professores”, não será tarefa fácil. Recordo-lhe, por exemplo, os cursos de engenharia da Universidade Independente que só foram encerrados depois do escândalo e descrédito público que sobre eles desceram. Claro que eu nunca propus, e nem isso me passou pela cabeça sequer, que a prova de acesso à docência pudesse ser impeditiva, a não ser em casos de dedscarada ignorância, desse acesso. Será uma maneira de evitar que um simples valor a menos de nota de curso de um exigente estabelecimento de ensino universitário possa ser desconsiderada face a uma classificação obtida numa escola de frequência de fim de semana.

Aliás, esta solução é por si vista com simpatia quando propõe que “seja feita a média entre a nota de curso e a nota da prova para efeitos de concurso”. Para finalizar, não comungo do seu pessimismo, quando escreve preto no branco, “de não voltar a haver concursos de Professores em Portugal”. Todos os anos se reforma um batalhão imenso de professores que terão de ser substituídos. Ademais, o futuro prepara-se no presente.Um futuro que não sofra dos vícios do passado.

Anónimo disse...

Caros anónimos: entre nós clandestinos ainda há pessoas inteligentes como se vê. Os gajos que assinam é que são uma desgraça. Nem vergonha têm, se tivessem passavam-se para a nossa colectividade de anónimos ou usavam pseudónimo (se calhar usam, eu é que não sei se aquilo é nome, ou então têm muita lata).

Rui Baptista disse...

Caro José Batista da Ascenção: Abstraindo o seu exemplo e de outros poucos, não posso deixar de lamentar a apatia de professores que deixaram correr o marfim sem lhes passar pela cabeça, julgo eu, que mediocracia tomasse abusivamente o lugar da meritocracia descurando a formação de elites (aqueles que são melhores) por ir a reboque de soluções por mim criticadas (por nós, se me é permitido).

Ou seja, como escreveu, em feliz metáfora, um poeta da pátria de Racine, que possa haver, como há, “ratos em cima do telhado e pássaros na cave”.

Rui Baptista disse...

Anónimo (22:16): Claro que o melhor, como escreve, não será acabar com os sindicatos. O melhor, mas mesmo melhor, será limitar a acção dos sindicatos sem intromissões que, noutras profissões de interesse público, estão cometidas a ordens profissionais.

Rui Baptista disse...

Anónimo (00:23):Não há qualquer hipótese de eu passar a usar o anonimato para embuçado atirar pedras escondendo a mão que as lançou.

Anónimo disse...

Todos estes problemas acabam quando o Estado deixar o responsável pela educação, que por pressões de todos os lados, orienta a maior parte do seu esforço a garantir os "direitos" dos professores (como seja o direito ao trabalho), e todo o tipo de funcionários e colaboradores que vivem "encostados" ao ministério. Quando o estado pagar aos alunos para que estes frequentem a escola privada que quiserem (se quiserem) e se concentrar em regulamentar o ensino " a coisa melhora" .

Rui Neves

Anónimo disse...

Rui Baptista não é pseudónimo? Cadê número de contribuinte, foto e impressão digital? Pois eu sou anónimo abertamente e não com pseudónimo. Não tenho lata.

António Pedro Pereira disse...

Caro Rui Baptista:
Em relação ao essencial que apresenta no seu Post, a utilidade de um exame de acesso à profissão (a que acrescento 3 aspectos que o mesmo deveria contemplar: domínio do Português; domínio dos conhecimentos essenciais na área científica em que se vai ensinar; cultura geral), estou 100% de acordo.
Quanto ao regabofe em que se tornou a profissão docente (desde a selecção ao desenvolvimento da carreira) igualmente 100% de acordo. Mas esse regabofe vem de muito, muito antes dos últimos 30/40 anos.
Lamento profundamente que se tenha autotransformado em alvo fácil de ataques devido ao preconceito que expressa.
Explico melhor. O regabofe em que se transformou a profissão tem barbas brancas e muitas origens. O Rui elege o preconceito como fonte de todos os males, atirando contra 3 alvos: 1.º - Os professores do ensino «primário» (oficialmente não se designam assim há décadas, pela dupla interpretação semântica da designação, com ressonâncias depreciativas); 2.º - Parte dos professores de EVT (os antigos de Trabalhos Manuais, mas esquece-se dos dos 3 subgrupos do 12.º grupo do secundário); 3.º - O preconceito da superioridade dos professores de certas disciplinas «nobres», quando a importância dessas disciplinas (matérias) é que deve ser realçada e não a superioridade/importância dos seus intérpretes por via corporativa, via que antes criticara em relação a outros).
Quanto a este regabofe, quem não concordará com a aberração da reforma aos 52 anos com apenas 32 de serviço e com a equiparação à licenciatura (sem exigência) dos antigos professores de TM? Não à exigência de uma formação a este nível académico.
(continua)

António Pedro Pereira disse...

(continuação)
Mas convém não nos esquecermos do resto, e o resto de que o Rui se esquece é de tal modo gritante que destrói o VALOR MORAL da sua crítica: 1.º - E os professores de EF, antigos Instrutores de EF que passaram administrativamente a licenciados?; 2.º - E os actuais licenciados (de licenciatura legal e formalmente obtida) que iniciaram a carreira com o antigo 7.º ano (actual 11.º), com o 12.º ano, com 8 cadeiras de um curso universitário, com o bacharelato, os do regime especial da habilitações suficientes (que beneficiaram de um tempo enorme para completar os cursos com garantia de emprego), que se reformaram no topo da carreira mas que descontaram ao longo dela muito menos do que quem entrou com a formação completa (e olhe que estes últimos foram muito menos do que pensa)?
O seu preconceito contra a menoridade dos professores, digamos generalistas, ilustrado pela frase «quer se destine a ensinar unicamente Ciências da Natureza ou Matemática ou, passe o plebeísmo, seja pau para toda a obra, dando acesso simultâneo ao magistério de Ciências da Natureza e Matemática no ensino básico» é bastante curioso. Por um lado, prega-se contra a falta de preparação dos alunos, sendo o 1.º ciclo do ensino básico considerado essencial essa preparação (ou falta dela). Mas isto não se consegue com professores de 2.ª categoria, nem na formação, nem na remuneração, nem na consideração social.
(continua)

António Pedro Pereira disse...

(continuação)
Na tão falada Finlândia, qual modelo idílico de progresso educativo para certos responsáveis políticos, a selecção dos professores do ensino primário é das mais exigentes entre todos os níveis de ensino, pois considera-se que as deficiências nessa etapa terão consequências irreparáveis no futuro.
Cá continua o preconceito contra os de baixo, o fantasma dos regentes escolares está vivo (embora depois se considere que a formação desses tempos era óptima, não há figura pública fazedora de opinião que não tenha tido um professor primário marcante, que não tenha aprendido tudo o que o fez gente com tão excelsos professores).
Finalmente, há uma vulgata da perda das gerações futuras por causa dos excessos das actuais, o que não só não é verdade como é uma forma enviesada de compreensão da realidade. É evidente que toda a falta de rigor e todos os privilégios contribuem para as dificuldades actuais. Mas o acessório não se deve confundir com o essencial. O actual caminho de perda geral de benefícios das presentes gerações (e das futuras) prende-se com a evolução da economia desde 1973 até hoje, sempre em perda (excepto 2 curtos períodos por razões conjunturais externas). Essa perda resulta muito mais de factores externos do que internos (p. ex. o Euro forte e disfuncional para uma economia fraca e em perda e a Globalização). Esquecer isto tudo e centrar o alvo dos problemas no acessório é um erro.
Mas continuo de acordo com as questões essenciais do seu Post.

António Pedro Pereira disse...

Caro Rui Baptista:
O meu longo arrazoado fez-me perder outro aspecto igualmente importante para ilustrar a irracionalidade do sistema de aposentações, que se aplicava também aos professores, MAS A TODOS, não apenas aos que cita depreciativamente na sua argumentação.
Até há pouco as pessoas aposentavam-se com 110% do que ganhavam no activo (deixavam de descontar 10% para a CGA) e ainda tinham uma taxa de IRS de apenas 13% contra 21, 22 ou 24% do activo. Como compreender isto? Um convite à preguiça?
Um amigo meu, professor na Suíça, mas casado com uma portuguesa, explicou-me o sistema de aposentação. Tem 3 pilares: 1.º pilar ─ o da Segurança Social, de um valor mínimo suficiente para se viver com dignidade (a que todos têm direito independentemente dos descontos e da preguiça, pois é o preço que a sociedade paga para não gastar muito mais na polícia, nos tribunais e nas prisões ─ entre nós veja como a demagogia (neste caso da Direita, para contrabalançar a da Esquerda noutros) tem disparado contra o Rendimento Mínimo Garantido e a sua pretensa (e real em muitos casos) preguiça geral.
2.º pilar ─ o do emprego de cada um.
3.º pilar ─ o da poupança de cada um em PPR e outros instrumentos afins.
Mas isto é na Suíça, país atrasado e desorganizado, cheio de chicos-espertos.

Notas: O regime excepcional de aposentação aos 52/32 anos dos professores do 1.º Ciclo terminou em Dezembro passado;
A aposentação com 110% terminou há poucos anos e o IRS reduzido também, com a introdução das medidas de racionalização ainda no consulado socratino.

Rui Baptista disse...

Anónimo (10:21): Finalmente, de acordo. Ambos não temos "lata". Ou, em vez de lata, será antes uma questão de coragem da minha parte em assumir fontalmente aquilo que escrevo?

Rui Baptista disse...

Caro Rui Neves: A garantia do direito ao trabalho é um direito extensivo a todos os cidadãos. Acontece, porém, que o Estado se deixou de responsabilizar pela educação deixando-se ir a reboque de um ensino que se transformou num negócio, actualmente menos chorudo. Como escreveu Sérgio Rebelo, professor da Universidade Católica, com ironia (não é verdade, como diziam os latinos, que a rir se castigam os costumes?): “Onde antes havia uma pastelaria ou uma pequena mercearia, hoje tende a haver uma universidade ou uma escola superior, onde ontem se compravam pastéis de nata e garrafas de groselha, hoje conseguem-se licenciaturas e mestrados e encomendam-se doutoramentos” (Revista “Exame”, 04/11/96).

Por outro lado, intervindo o Estado e os sindicatos em questões que nem sempre são da sua competência ou da sua vocação, têm sido criadas peias e amarras para que a docência seja considerada como um palco de feirantes e os professores como marionetas do reino da mediocridade. Por exemplo, aquando da aprovação das propostas de lei para a criação da Ordem dos Arquitectos, da Ordem dos Biólogos e da Ordem dos Economistas, durante o consulado de Marçal Grilo à frente do Ministério da Educação, lia-se no “Independente”, Julho de 97: “A estratégia de Marçal Grilo passa por colocar as ordens profissionais na linha de fogo às loucuras do mundo académico”.
Mas como de boas intenções está o inferno cheio, volvida quase década e meia, a que título de excepção (depois destas ordens profissionais muitas outras foram criadas com menor exigência académica para os respectivos membros) continuam os professores escravizados a uma desordem profissional e na retaguarda “da linha de fogo às loucuras do mundo académico”?

Quanto às escolas privadas convencionadas com o Estado, são contas de outro rosário… que pode fazer perigar a qualidade indiscutível das nossas escolas oficiais, padrão de eficiência que mergulha raízes em Liceus ( a título de mero exemplo) como o Pedro Nunes de Lisboa onde leccionaram professores como Rómulo de Carvalho e estudaram alunos com grande destaque na actual vida académica, cultural e económica portuguesa.

Rui Baptista disse...

Meu Caro António Pedro Pereira: Perante os seus bem intencionados, bem documentados, bem elaborados comentários, procuro respaldo (se me é permitido) na letra de una canção de Rui Veloso que cito de memória: “É mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa”.

Mas isto em nada obsta que tente varrer a minha testada em pontos que tem como importantes e eu considero essenciais. Antes de mais, esclareço que só durante escassos meses usufrui da benesse (por si justamente criticada e por mim concordada) de os aposentados terem menores descontos do que os professores no activo.

Mas para situarmos melhor o possível leitor em toda esta complexa e problemática deverá ser esclarecido que antes da actual LBSE os professores eram situados nas respectivas carreiras docentes em três letras a que correspondiam os respectivos e diferenciados vencimentos: Letra A (licenciados), letra B (bacharéis) e letra C( diplomados com cursos médios). Com a lei atrás referida, os professores em fim de carreira, passaram a situar-se no 10.º escalão e os bacharéis no 9.º escalão. Começo por fazer uma pequena rectificação ao seu texto: os antigos professores do ensino primário (e se utilizo esta nomenclatura era por ela ser a da época) foram equiparados a bacharéis, assim como os antigos instrutores de Educação Física habilitados com um curso médio (não confundir com os professores de Educação Física de posse de um curso superior não universitário, desde da década de 40, a exemplo dos arquitectos ou dos oficiais saídos da Escola Naval e da Academia Militar). Os então professores de Trabalhos Manuais (de posse de um curso do antigo ensino técnico) tiveram que fazer provas para a obtenção de uma equiparação a bacharel e não a licenciado.

Posto esta ligeira (mas julgo que necessária) introdução, passo ao que eu entendo ser o cerne dos seus comentários no que a mim dizem directamente respeito (agradecendo os ensinamentos valiosos que aí podem, e devem ser colhidos, mormente sobre o que se passa na Finlândia). Passo a citar:

“O Rui elege o preconceito como fonte de todos os males, atirando contra 3 alvos: 1.º - Os professores do ensino «primário» (oficialmente não se designam assim há décadas, pela dupla interpretação semântica da designação, com ressonâncias depreciativas”. Os outros alvos (segundo julgo, perdido neste “mare magnum” de argumentos contra e a favor) já foram anteriormente por mim abordados.

(Continua)

Rui Baptista disse...

(Continuação)

Circunscrevo-me, portanto a uma questão de semântica por si levantada. Normalmente o que se tinha por depreciativo era a designação adjectivada de primário: “professor primário”. Ora eu referi-me a professores do ensino primário por ser essa a designação à época, benquista (ao que julgo) pelos próprios por ser o grau de ensino em que exerciam o respectivo múnus. Aliás, tenho documentos que provam a minha consideração por estes professores quando a eles me refiro (e passo a citar, “verbo pro verbo”) a introdução ao meu livro, “O Leito de Procusto” (p.15, Outubro de 2005): “sem qualquer espécie de “parti pris” ou desprimor da minha parte pelos esforçados cabouqueiros (expressão que se tornou já num lugar-comum!) do ensino das primeiras letras”.

Finalmente, quando, ao contrário do que escreve, quando se refere “ao meu preconceito contra a menoridade dos professores, digamos generalistas, não tenho qualquer preconceito contra os professores generalistas”. Unicamente, não acredito que um professor que se prepare na universidade para dar exclusivamente matemática ou ciências da natureza no ensino básico seja tido em paridade de habilitações com um outro, formado no ensino politécnico, que simultaneamente está habilitado para ministrar ambas as disciplinas. Ou pior do que isso, seja secundarizado, relativamente a este, unicamente por um valor a menos de carta de curso ( e todos sabemos que as notas de curso divergem, por vezes, escandalosamente). E aqui é que entra com toda a propriedade um exame de acesso à carreira docente, com a concordância de ambos, que é objectivada pelo António Pedro (e quanto a mim bem) pela exigência da avaliação incidindo “ em 3 aspectos:domínio do Português; domínio dos conhecimentos essenciais na área científica em que se vai ensinar; cultura geral)".

Mas eu temo, que a exemplo dos “ vilipendiados” exames nacionais" dos alunos surjam as carpideiras do costume a dizer da sua inutilidade ou nesmo justiça.Enfim! Do que foi dito, muito ficou por dizer quando se abre a “Caixa de Pandora” dum ensino que favorece os medíocres e castiga os mais válidos. Sejam eles docentes ou discentes!

António Pedro Pereira disse...

Caro Rui Baptista:
É claro que neste assunto há, certamente, mais a unir-nos do que a dividir-nos. Mais, a substância une-nos e apenas a forma ou pormenores nos podem dividir. (Como poderia eu, que guardo religiosamente há anos uma fotocópia de um relatório de uma professora de Português de uma dada escola, ainda por cima a coordenadora do Grupo Disciplinar, que é um exemplo de ignorância e de mau trato à Língua de Camões, não pugnar pela exigência? Como pode ensinar o Português quem o não domina? E olhe que não se formou numa ESE mas numa universidade pública prestigiada e histórica.)
As observações que lhe fiz prendem-se apenas com o facto de, legitimamente, se poder inferir do seu Post uma animosidade contra determinados grupos minoritários de professores, esquecendo situações tão ou mais gritantes (pela dimensão dos beneficiados) como as denunciadas dizendo respeito aos OUTROS, como factualmente lhe apontei: mas como não gosto de fazer juízos de intenção a ninguém, resolvi convocá-lo a esclarecer-se. É importante que se tenha cuidado com o que se escreve, pois podemos desfocar o debate para questões «ad hominem» quando o que interessa é discutir as questões de fundo, conceptuais, do sistema.
Uma observação mais, com o pedido de que não a entenda como incapacidade de dar o braço a torcer, nunca querendo ficar por baixo:
(continua)

António Pedro Pereira disse...

(continuação)
O rocambolesco processo sindical de tornar todos iguais levou, numa primeira etapa, nos inícios dos anos 80, à equiparação a bacharel dos professores de TM (através de um curso de aviário a que Universidade de Aveiro se prestou «chocar», que constava unicamente de uma sessão presencial nas escolas com um professor dessa universidade, da realização de vários testes de auto-aprendizagem com consulta e da elaboração de um trabalho escrito a ser defendido presencialmente na Universidade, tudo coisa de uns meses); estes professores, e os de EF, foram, e facto, equiparados a bacharéis (letra B) e os do então ensino primário ficaram na letra C; mas depressa o processo evoluiu com a novo NSRFP (Novo Sistema Retributivo da Função Pública), de 1989. As universidades públicas (e institutos privados do tipo Piaget, Instituto Superior de Ciências Educativas e quejandos) começaram a «vender» cursos de complemento de formação (equiparados à licenciatura) a estes 3 grupos de professores, assim como aos verdadeiros bacharéis das universidades (conheci vários que os fizeram) e, num ápice, todos ficaram licenciados nestas verdadeiras Novas Oportunidades «avant la lettre» da governação cavaquista.
Isto é factual e completa a informação que o Rui prestou no comentário.

P. S. Na sequência da informação que lhe dei sobre o meu amigo suíço, na Suíça os professores têm uma carga horária de 22 horas até ao final da carreira, podendo, no entanto, passar a trabalhar a meio tempo a partir de determinada idade com a correspondente perda de vencimento. E são contratados pela Escola e pelo Departamento de Educação cantonal, conjuntamente, tendo uma avaliação simplificada, mais próxima da avaliação do nosso ensino privado do que da do nosso ensino público, mesmo depois de simplificada.

Rui Baptista disse...

Caro António Pedro Pereira: Foi com imenso prazer (sem sombra de lisonja que me não está nos genes) que recebi e respondi aos seus comentários. Sem desejar fazer juízos de valor a meu respeito, até porque ninguém deve ser juiz em causa própria, atrevo-me a pensar que da minha parte tudo fiz para corresponder à maneira civilizada como respondi a algumas questões em que pontualmente estivemos em desacordo. Recordo a propósito, e registei, a sua chamada de atenção para o facto de eu, ainda que sem me dar por isso, poder estar a fazer ataques “ ad hominem “ que, porventura, pudessem ter toldado o meu raciocínio e, por isso, me pudessem pôr numa situação de injustiça que eu sempre enjeitei ou, melhor, procurei enjeitar.

Quanto ao processo de complemento de habilitações destinados aos então chamados professores de Trabalhos Manuais, realizados na Universidade de Aveiro, constava de matérias exigentes que foram cumpridas em trabalhos que foram realizados por professores do ensino secundário que os fizeram (não sei se pagos) e que depois choraram lágrimas de crocodilo quando os viram postos ao lado de bacharéis por universidades. Nunca (e já o tenho escrito várias vezes) me atrevi a ser maniqueísta ao ponto de considerar todos os licenciados universitários com destino à docência bons e os licenciados pelas escolas superiores todos maus.

Aliás, é princípio aceite de que as excepções confirmam a regra. Mesmo assumindo o risco de me estar a repetir, todavia, essas excepções não me podem levar a ter como regra que um único curso destinado a ministrar conhecimentos de matemática e ciências simultaneamente possa ser havido em paridade com uma licenciatura universitária em Matemática ou em uma outra em Biologia. Em reforço deste meu ponto de vista apresento o testemunho de quem sofreu na própria carne todo este processo que defendia, pela voz de Ana Benavente, secretária de Estado da Educação, que o ensino do 3.º ciclo básico (para além do 2.º ciclo) passasse a ser ministrado também por diplomados pelo ensino politécnico e pelo ensino universitário (na altura, esse grau de ensino era da exclusiva ensinança dos licenciados universitários). Passo a citá-lo:

“’Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os do Politécnico’. Setenta por cento marxista’, Cristina, originária de Bragança, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu ontem à noite ao palanque da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), dissertou sobre as túnicas de Cristo e, às tantas, a propósito das alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo, conseguiu arrancar a primeira chuva de aplausos da sessão” (Público, 01/11/96).

(Continua)

Rui Baptista disse...

(Continuação)

À época docente da Universidade de Coimbra, fui testemunha presencial desta Assembleia Magna que poderia vir a atingir alunos meus e de outras faculdades, como a de Letras. Na notícia do Público, supracitada, foi feita referência a essa minha presença da forma que transcrevo:

“Inédita, em assembleias magnas, foi a intervenção de um sindicalista , presidente da Assembleia Geral do Sindicato de Professores Licenciados (em nota pessoal minha: sindicato que estava frontalmente contra esta medida) , solidarizou-se com as causas dos universitários e alertou para o facto de, hoje em dia, ‘toda a gente’ querer ir para o 3.º ciclo e o 1.º ciclo estar a ficar ‘sem professores’”.

Muito haveria a dizer, de parte a parte, sobre este “rocambolesco” processo. Mas perpetua-se em mim a imagem de duas pessoas que quiseram (e no seu caso, soube) fazer luz sobre alguns aspectos nebulosos que convinham ser esclarecidos em prol da verdade dos factos que se passaram nestes anos que persistem em permanecer fechados numa espécie de” Caixa de Pandora” que me atrevi a abrir com o meu polémico post em desrespeito pelo conselho queirosiano, logo eu seu incondicional admirador: “Eu digo : é útil balar como os carneiros; ganha-se a estima dos nédios, as cortesias do chapéu do Roxo, palmadinhas doces no ombro, de manhã à noite uma pingadeirazinha de glória. Mas ir sacudir, incomodar o repouso da velha Tolice Humana, traz desconfortos”. Idiossincrasia, minha?

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...