terça-feira, 26 de abril de 2011

A partir da vitória foi uma festa

Continuação da passagem, aqui reproduzida, do livro de Memórias de Rómulo de Carvalho sobre os acontecimentos que se seguiram ao dia 25 de Abril.

“A partir da vitória foi uma festa. Expulsos os governantes, como boas maneiras, os militares e o povo, com cravos vermelhos na lapela ou nas mãos e até mesmo nos canos das espingardas (por isso se lhe chamou a “Revolução dos Cravos”) trataram, de imediato, de promover a liquidação da odiada PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), com longo cadastro de crimes, de violências, de abusos de toda a ordem, com sede em Lisboa, na Rua António Maria Cardoso. O ataque foi violento e sangrento com cinco mortos. No total a Revolução provocou seis mortos: esses cinco e mais um que morreu de indigestão no Parque Mayer a comemorar o derrube da Ditadura. Os pides foram encarcerados mas, graças à Providência, fugiram todos numa mesma noite, mais de cem, e nunca mais ninguém os apanhou. Se vos quiserdes divertir, meus queridos tetranetos, ide folhear o Diário de Notícias desses dias e aí encontrareis, nas páginas dos anúncios, vários rectângulos em que se lê que Fulano de Tal vem declarar por este meio que nunca pertenceu à Pide. Bons rapazes.

Uma vez expulsos os governantes, os militares, promotores do acontecimento, entreolharam-se sem saberem bem o que haviam de fazer a seguir. Eles sabiam conspirar, sabiam defender o seu prestígio, sabiam actuar, sabiam tudo o que presta para derrubar mas não para construir. Um dos “capitães de Abril”, talvez o mais afamado de todos, declarou meia dúzia de anos depois dos acontecimentos, em entrevista ao Diário de Notícias (…) que “Nós todos, os militares, não tínhamos, de facto, em 25 de Abril, nenhuma estrutura política”. “Na generalidade, não pensavam nada em termos políticos e nem tinham um conhecimento mínimo da sociedade portuguesa” (…). Chamava-se o homem Otelo Saraiva de Carvalho. Foi um herói mas, com as voltas que o mundo dá, meteu-se em acções aventureiras que o conduziram à prisão.

Concretizado o derrube da Ditadura e reconhecida a impreparação dos militares para darem rumo à vida nacional, era a vez de os políticos saltarem para o terreno. Tinham vivido até aí na clandestinidade e muito deles presos, em Caxias ou em Peniche, ou no Tarrafal, na Ilha de Santiago, em Cabo Verde. As portas das prisões e as barreiras das fronteiras foram abertas, e todos puderam subir às suas tribunas e expor os seus programas (…).

O que se passou a seguir foi uma balbúrdia que levou alguns anos a serenar. Muito foram os partidos que então se organizaram, e cada um, como é óbvio, como o seu programa, o que provocou lutas permanentes e abusos de toda a ordem. O Zé Povinho, a quem tanto faz que os governantes sejam estes como aqueles, desde que lhe satisfaçam os seus interesses, aproveitou-se da balbúrdia e entregou-se a toda a espécie de desmandos, de atitudes e de linguagem. Foi uma bela oportunidade para arranjarem casa de habitação de pedra e cal os que viviam em barracas de madeira. Eu vi aqui no meu bairro uns indivíduos partirem os vidros das janelas de um rés-do-chão que estava desabitação, treparem por elas e ocuparem a casa. Quem ia na rua, como eu, olhou e seguiu, sem qualquer comentário.”

Rómulo de Carvalho,
in
Memórias (2010), Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 300-301.

5 comentários:

António Conceição disse...

Muito, muito, muito primário e fraquinho, este texto de Rómulo de Carvalho. Felizmente para nós, o homem foi infinitamente melhor poeta do que memorialista ou analista político.

Anónimo disse...

Quem numa coisa revela
talento acima da média
não te de ser por tabela
exaustiva enciclopédia!

JCN

Anónimo disse...

Corrijo no 3º verso a gralha "te" por "tem". JCN

Anónimo disse...

Há muita gente pequena
que não podendo enxergar
a cabeça de uma antena
se põe da boca a espumar!

JCN

Anónimo disse...

Reconhecer a grandeza
de uma qualquer criatura
é sintoma de nobreza
e de insólita cultura!

JCN

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