sexta-feira, 8 de abril de 2011

500 ANOS DE AMATO LUSITANO


Minha crónica no "Sol" de hoje (na imagem estátua de Amato Lusitano em Castelo Branco):

O médico João Rodrigues de Castelo Branco, mais conhecido por Amato Lusitano, nasceu na capital da Beira Baixa em 1511, há 500 anos, tendo vivido 57 anos. O judeu português ensinou medicina na Universidade de Ferrara, em Itália, onde encontrou pouso na sua fuga à Inquisição. Na fase final da vida fixou-se no Império Otomano, tendo morrido de peste em Tessalónica. Descobriu as válvulas venosas, quando observava a veia ázigos. Foi contemporâneo do grande anatomista belga Andreas Vesálio, o autor da Fábrica do Corpo Humano (Basileia, 1543), nascido escassos três anos depois dele. Segundo alguns autores Amato poderá mesmo ser uma das figuras na galeria dos notáveis que aparece a abrir o famoso livro de Vesálio: será o personagem que se debruça perto da mão esquerda do esqueleto.

Vesálio conhecia o trabalho de Amato e citou-o, embora para o criticar. Por seu lado, Amato referiu também o belga em vários passos da sua obra, não o isentando de crítica. Não há nenhum mal nisso: a crítica é um dos pilares da ciência moderna, que então despontava. Para ilustrar essas divergências, eis uma citação das Centúrias de Curas Medicinais de Amato (livro póstumo, reunindo vários escritos, que acaba de ser reeditado pela Ordem dos Médicos) sobre a “raiz dos Chinas”, planta trazida do Oriente pelos portugueses:

“Sobre ela me agrada falar aqui, visto que até agora, que eu saiba, pouco ou nada foi dito e tanto mais que André Vesálio, há poucos dias, publicou um livrinho a que pôs o título “Da raiz dos Chinas", no qual (poderia dizê-lo sem hostilidade pessoal) nada se encontra, além do título, que diga respeito à raiz dos Chinas(...) É Vesálio um insigne anatómico, muito sabedor e bastante versado na língua latina...”

A crítica vai, pois, a par do respeito e da estima. Noutro lado, escreve Amato este bom pedaço de retórica científica:

"É isto que nós e os médicos profissionais muitas vezes percebemos. Eis porque Vesálio melhor teria feito neste assunto se tivesse encolhido a sua língua virulenta em vez de aplicá-la, imbuído de falsas razões de Averróis contra Galeno”.

Dessa época é também o médico português Garcia de Orta, que, ao contrário do seu colega matemático Pedro Nunes, não se mudou de Lisboa para Coimbra, em 1537, acompanhando a transferência da Universidade, uma vez que tinha embarcado para a Índia três anos antes. Pois o grande Garcia da Orta, nascido em 1500, também cita Vesálio a propósito da raiz dos Chinas, nos seus Colóquios dos Simples (Goa, 1563). Com Amato Lusitano e Garcia da Orta, os dois de ascendência judaica e os dois formados em Salamanca (aliás como Pedro Nunes, que estudou medicina antes de enveredar pela matemática), a medicina portuguesa conheceu um dos seus períodos de maior brilho!

2 comentários:

joão boaventura disse...

No “Método de conhecer e curar o morbo gallico” do Doutor Duarte Madeira Arrais, físico-mor do pulso d’ElRei D. João IV, edição de 1683, no Cap. XIX, pp 60 e sgts., também é referido o Pau, ou raiz da China, começando por elucidar:

“Foi descoberto o pau, ou para melhor dizer, raízes da China no ano de 1535, como conta Garcia de Orta, pelo trazerem os Chins à nossa Índia, e se curarem aí com ele assim de morbvo gálico, como de outras enfermidades, à imitação dos quais foi curado Martim Afonso de Sousa com outros Portugueses ao tempo que tomou posse da Fortaleza de Diu, e havendo bom sucesso nas curas, se divulgou por todos os mais lugares daquelas partes…”

O autor alude igualmente a opinião de Vessálio: “A boa raiz há de ser pesada, como diz Vessálio, insípida, sem cheiro, e fresca, o que se conhecerá, porque a velha é carunchosa, cheia de buraquinhos, e cortada, lança pó, e logo é mais leve…”

Também considera a existência da “raiz da China” nas Índias de Castela, que seria o Perú por força do Tratado de Tordesilhas, conforme esclarece Frei Vicente do Salvador, no seu manuscrito sobre a História do Brasil, datado de 1627.

No índice onomástico designado por “autores que vão allegados nas duas partes desta obra”, do “Método de conhecer e curar o morbo gallico”, o Doutor Duarte de Madeira Arrais, omite Vessálio, apesar de ínsito na obra, não refere Amato Lusitano, mas inclui Garcia da Horta, com grafia diferente da do incluso no Cap. XIX.

myriam cerqueira disse...

descobridor das válvulas venosas Fabricio de Acquapendente em 1574 ,está correto?

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