quinta-feira, 28 de abril de 2011

Portugal, Poetas, Liberdade e Cidadania 1


“Hoje em dia os novos infiéis são as pessoas que não acreditam que é possível mudar Portugal.” (Jovem da Escola Aristides de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato)

A Fundação Aristides de Sousa Mendes promoveu no Largo de Camões no dia 25 de Abril, um Encontro que visava uma reflexão sobre Portugal. Foram lidos poemas e/ou textos de Luís de Camões, Fernando Pessoa, Miguel Torga, Carlos Queiroz, Sophia de Mello Breyner, Eugénio Lisboa e Manuel Alegre. A selecção dos poemas e dos textos foi de José Cymbron. Publicamos essa breve antologia em duas partes (em cima Sophia de Mello Breyner).

D. Afonso Henriques (Fernando Pessoa)

(…) Hoje a vigília é nossa. (…)

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!

Os Mortos (Eugénio Lisboa)

Os mortos mais do que os vivos, estão vivos.
Surgem, fortes, intensos, aparecem,
depurados e cheios de motivos.
Visitam-nos e acham que merecem
Todo o rigor da nossa atenção.
A morte deu-lhes, pensam, nova vida:
vê-se neles uma concentração
de virtudes - de vida reflectida.
Os mortos ensinam-nos a viver:
dão um valor novo ao que nos rodeia,
dão ao quotidiano acontecer
um brilho vivo que nos incendeia.
Os mortos acendem, em nós, a chama
de uma nova vida. Julgo que pedem
que olhemos fundo a luz que se derrama.
Exigem. Clamam. Os mortos não cedem.

Lápide (Miguel Torga)

Luís Vaz de Camões.
Poeta infortunado e tutelar.
Fez o milagre de ressuscitar
A Pátria em que nasceu.
Quando, vidente, a viu
A caminho da negra sepultura,
Num poema de amor e de aventura
Deu-lhe a vida
Perdida.
E agora,
Nesta segunda hora
De vil tristeza,
Imortal,
É ele ainda a única certeza
De Portugal.

Camões e a tença (Sophia de Mello Breyner)

Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou seu ser inteiramente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente

Os Lusíadas (Luís de Camões, excertos)

Os mais experimentados levantai-os,
(…) pois que sabem
O como, o quando, e onde as coisas cabem. (X-149)

(…) ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo. (IX-92)

Sabe que há muitos anos que os antigos
Reis nossos firmemente propuseram
De vencer os trabalhos e perigos
Que sempre às grandes coisas se opuseram; (VIII-70)

(…) descobriram
Pouco e pouco, caminhos estrangeiros,
Que, uns sucedendo aos outros, prosseguiram.” (VIII-72)

(…) obrigação que lhe ficara
De seus antepassados… (IV-67)

( …) esforço e arte
Vencerão a Fortuna e o próprio Marte. (X-42)

Ousou algum a ver do mar profundo,
Por mais versos que dele se escrevessem,
Do que eu vi, a poder de esforço e de arte, (…) ?

Enfim, não houve forte Capitão
Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão-somente. (V-97)

Assim, com firme peito e com tamanho
Propósito vencemos a Fortuna, (VIII-73)

Não eram senão prémios que reparte,
Por feitos imortais e soberanos,
O mundo cos varões que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos; (IX-91)

Apolo e as Musas, que me acompanharam,
Me dobrarão a fúria concedida,
Enquanto eu tomo alento, descansado,
Por tornar ao trabalho mais folgado. (VII – 87)

Fernando Pessoa
(Miguel Torga)

(...) Foi o vidente filho universal
Dum futuro-presente Portugal,
Outra vez trovador e argonauta.

25 de Abril (Sophia de Mello Breyner)

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.

As portas que Abril abriu (Ary dos Santos, excerto)

Agora que já floriu
A esperança na nossa terra
As portas que Abril abriu
Nunca mais ninguém as cerra.

Trova do mês de Abril (Manuel Alegre)

Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
Com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia.
Na esperança de um só dia.

Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias.
Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias)
Mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)
Por um só dia vivida.

1 comentário:

Anónimo disse...

Deve estar a Poesia
acima dos interesses,
das fruições, das benesses,
que vêm das revoluções
para nossa... regalia!

JCN

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