sexta-feira, 1 de abril de 2011
Sobre Mário Silva (1901-1977)
Post de António Mota de Aguiar:
Mário Augusto da Silva nasceu em Coimbra no seio de uma família republicana.
Com 16 anos terminou o liceu com 19 valores e, cinco anos mais tarde, obteve a licenciatura em Física, também com 19 valores. No ano de 1924 já era 1.º assistente da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.
Ainda jovem universitário, publicou num jornal de Coimbra um ensaio, onde expunha, baseado em princípios científicos, a origem da vida. Este artigo, não atribuindo a criação à acção divina, levantou, na conservadora cidade de Coimbra dos anos 20, uma enorme polémica. Mário Silva foi acusado pelo Centro Académico de Democracia Cristã, à qual pertenciam António de Oliveira Salazar e Manuel Gonçalves Cerejeira, de ofender a consciência dos católicos ao não atribuir a paternidade da vida à graça divina. Segundo escreveram os biógrafos de Mário Silva, nunca lhe perdoaram ter atribuído à Natureza, o que, para eles, era de origem divina. E Mário Silva viria a subir as consequências anos mais tarde, do que escrevera ainda com 20 anos.
No ano lectivo de 1923-1924 conseguiu uma bolsa para estudar em Paris. Porém, como a Universidade de Coimbra se esqueceu de o inscrever na Universidade de Paris, ei-lo, depois de alguns contactos em Paris, como assistente de Madame Curie, instalado na sala de aulas, por falta de lugar no laboratório. Mário Silva trabalharia de 1925 a 1930 no Instituto do Rádio, da Faculdade de Ciências de Paris, como assistente de Madame Curie, o que constituiu para ele um enorme enriquecimento científico. Lembremos que Madame Curie recebera, juntamente com o seu marido, Pierre Curie, em 1903, metade do Prémio Nobel de Física (a outra metade do Prémio Nobel fora atribuída a Henri Becquerel). De novo, em 1911, Madame Curie seria premiada com o Nobel de Química, pelos seus trabalhos sobre o polónio e o rádio.
Mário Silva trabalhou com a comunidade científica mais avançada do seu tempo, num dos maiores centros mundiais de investigação em Física. Pelo Instituto do Rádio passaram os maiores vultos da ciência, como Frédéric Joliot, Irene Curie, S. Rosenblum, A. Proca, Paul Langevin e Jean Perrin. Por ocasião das cerimónias académicas comemorativas do centenário da morte do físico francês Augusto Fresnel (1788-1827), passaram pelo Instituto do Rádio de Paris, os artífices da ciência contemporânea, como Niels Bohr, Hendrik Lorentz, J. J. Thomson e Albert Einstein.
Eis, em síntese, a obra científica de Mário Silva de 1926 a 1976:
• Várias comunicações sobre física atómica e nuclear.
• Obtenção do Doctorat d’Etat, ès-sciences, com a tese Recherches Expérimentales sur l’Électroaffinité des Gaz, com a qualificação de très honorable.
Em 1930, quando estava no auge da sua carreira, a Universidade de Coimbra fê-lo regressar, para dar aulas. Mário Silva tinha então 30 anos, estava na força da vida, tinha acumulado um capital científico invejável, sendo por isso natural que quisesse aplicar o muito que aprendera. Por isso, desde a sua chegada a Portugal, pôs em marcha alguns projectos científicos:
• Obtém uma bolsa da Junta de Educação Nacional e apresenta um trabalho sobre a radioactividade em Portugal.
• Juntamente com o Professor de Medicina Álvaro de Matos, cria o Instituto do Rádio de Coimbra, o qual deveria ser inaugurado por Madame Curie.
• Publica na Revista da Faculdade de Ciências.
• Defende a tese para Professor Catedrático: Sobre dois Métodos de Determinação da Probabilidade – h – de Thomson.
• É nomeado director do Laboratório de Física da Universidade de Coimbra.
• Publica: Lições de Física para Uso dos Alunos do Curso de Preparatórios Médicos da Faculdade de Ciências, Newton Experimentador, Lições de Física, Le Champ Electromagnétique Variable e Mecânica Física, vol. I.
• Cria, com Teixeira Lopes e Armando Lacerda, a primeira emissora de rádio em Portugal.
• Publica vários artigos em francês.
• Inicia a recuperação do espólio que pertenceu ao primeiro Gabinete de Física Experimental, criado pela reforma pombalina. Apresenta à Academia de Ciências de Lisboa, Um novo museu em Coimbra: o Museu Pombalino de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.
• Entra na American Physical Society.
• É nomeado secretário da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.
• Profere a Oração de Sapiência Elogio da Ciência.
Em 1946 é vice-presidente do Movimento de Unidade Democrática e preso, tendo ficado cerca de dois meses em prisão. Em 1947 é aposentado compulsivamente da Universidade de Coimbra, embora continua o seu trabalho científico:
• Traduz o cap. XIV de Panorama da Ciência Contemporânea – Estrutura da Matéria de J. Thomson e J. Huxley e Introdução à Matemática de A. Whitehead, O Significado da Relatividade de A. Einstein, e Pensamento Científico Moderno de Jean Ullmo.
• Publica Teoria do Campo Magnético, Importância das Novas Técnicas Radiológicas para diminuir o Perigo das Radiações, Curso Suplementar de Física, Vols. I e II, e Problemas Resolvidos de Física Geral, Vol. I – Cálculo Vectorial.
• É responsável pelas publicações do Museu Nacional da Ciência e da Técnica (9 vols., 1971-1979).
• É nomeado em 1976 director do Museu Nacional da Ciência e da Técnica e reintegrado como Professor Catedrático da Universidade de Coimbra.
Bloqueado pelo Estado Novo, Mário Silva não conseguiu concretizar nenhum dos seus projectos, em particular o Instituto do Rádio de Coimbra, que teria sido de grande utilidade para Portugal. Desde a expulsão da Universidade até ao fim da vida, foi lutando pela sua existência como pôde, tendo de alimentar cinco filhos. Tendo morrido em 1977, ainda teve tempo para saborear a queda do regime que lhe destruiu a vida.
Depois de resumir a sua obra científica, reforço uma ideia que venho defendendo: foram numerosos os homens da craveira científica, como Mário Silva, nas décadas de 30 e 40 do século passado, pelo que havia nesse tempo suficientes pessoas qualificadas para empurrar a ciência portuguesa e abanar o marasmo em que se vivia; porém, ao ser-lhes interrompida pela força a sua carreira científico-cultural, por razões puramente políticas, perdemos em Portugal uma magnifica oportunidade de avançarmos na ciência.
António Mota de Aguiar
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3 comentários:
Foi a época em que, entre nós, triunfou desbragadamente a mediocridade, ainda hoje reinante em Portugql! JCN
Muitos, saindo do país, tiveram lá fora, nas universidades, um exílio dourado; Mário Silva esteve exilado... cá dentro! JCN
Os anos em que Mário Silva teve
de suportar a afronta do poder
os mais ignóbeis foram, que não deve
Coimbra em suas actas esquecer!
JCN
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