quarta-feira, 27 de abril de 2011
REACTOR NUCLEAR PORTUGUÊS FAZ 50 ANOS
Hoje celebram-se os 50 anos do Reactor Português de Investigação situado em Sacavém, perto de Lisboa.
Esse reactor tem sido uma verdadeira escola de ciência e engenharia nuclear, desde que foi inaugurado em 25 de Abril de 1961, tendo dado origem não só a numerosas publicações científico-técnicas como, ainda mais importante, a formação de uma pleiade de recursos humanos especializados. O primeiro reactor nuclear experimental funcionou em 1942 debaixo das bancadas de um estádio de Chicago, nos EUA, e logo no ano seguinte entrava em funcionamento em Oak Ridge o primeiro reactor industrial. Na sequência do programa Átomos para a Paz, sob o impulso do presidente norte-americano Dwight Eisenhower, houve entre nós, em finais dos anos 50 e início dos anos 60, uma grande aposta na ciência e tecnologia nuclear (não esquecer que as minas de urânio da Urgeiriça existem quase desde o início do século, além de, no final da Segunda Guerra Mundial, terem sido descobertos e explorados filões em Moçambique). Discutiu-se, durante muito tempo, a instalação de uma central nuclear em Portugal. Mas, com o 25 de Abril, o de 1974, essa possibilidade haveria de fenecer. O Ministério da Indústria e Tecnologia mandou fazer, nos anos 70, um Livro Branco sobre uma central nuclear em Portugal, que não teve quaisquer consequências.
Só nos tempos mais recentes o nuclear voltou à ribalta, tanto no mundo, onde a energia nuclear foi reavivada pelo facto de não contribuir para o efeito estufa devido à ausência de emissões de dióxido de carbono, como em Portugal, devido ao interesse manifestado por um grupo privado num grande investimento numa central nuclear. O governo português tem adiado qualquer discussão ou qualquer planeamento neste sentido. Pela minha parte, acho que não deve haver temas tabus e que é bom que a energia nuclear esteja sobre a mesa como uma das opções possíveis no nosso futuro energético tal como o é para outros países. Pode, por várias e boas razões, não ser a melhor e vir a ser descartada, mas não deve ser eliminada à partida por mero preconceito. As centrais nucleares estão bem próximas de nós na Europa, em Espanha e em França. Apesar das más notícias vindas ultimamente do Japão, o nuclear tornou-se uma das tecnologias mais bem reguladas e mais seguras do mundo, sendo previsível que após Fukushima as medidas de regulação e segurança venham a ser ainda mais apertadas com o correspondente reforço de confiança.
A história do reactor nuclear português está em larga medida por fazer, mas há para isso abundante documentação. O livro de Jaime da Costa Oliveira “O Reactor Nuclear Português” (edições Mirante, 2006) contém boa parte dela. O autor, que trabalhou no recator, começa por uma história da “era atómica” no mundo para continuar com a chegada dessa era a Portugal. O início oficial do nuclear em Portugal remonta a 1954 com a criação da Junta de Energia Nuclear. O Laboratório de Física e Engenharia Nuclear (antecessor do actual Instituto Tecnológico e Nuclear, um laboratório do estado) começou a ser construído em Sacavém, no ano de 1957, tendo desde o início sido planeado para incluir um reactor de tipo piscina, cujo combustível é urânio e cujo meio moderador é a água, com uma potência máxima de um megawatt. Vários capítulos do livro fazem uma descrição pormenorizada do reactor, discutindo em particular as questões de segurança, que estiveram sempre presentes desde a instalação e foram sempre asseguradas.
Um dos maiores interesses da obra reside na inclusão de depoimentos de alguns dos principais actores da actividade do reactor, nomeadamente o prefácio de Júlio Galvão, que esteve na génese do Serviço de Protecção contra Radiações do Laboratório de Sacavém. E vários testemunhos aparecem em apêndice, em resultado de entrevistas efectuadas pelo autor. Incluem-se aí, entre outros, depoimentos de António Comprido (engenheiro que entratanto passou a trabalhar no sector dos petróleos), Eduardo Martinho (engenheiro nuclear que escreveu no seu blogue sobre os 50 anos do reactor), Frederico Carvalho (que se doutorou em Física em Karlsruhe e foi durante muitos anos responsável pelo Departamento de Física do Laboratório de Sacavém), João Caraça (doutorado em Física Nuclear em Oxford e que hoje é director do Serviço de Ciência da Fundação Gulbenkian), José Moreira de Araújo (doutorado em Física Nuclear em Manchester que fez uma longa carreira na Universidade do Porto), José Veiga Simão (doutorado em Física Nuclear em Cambridge, professor da Universidade de Coimbra, e que foi Ministro da Educação, Ministro da Indústria e Energia e Ministro da Defesa Nacional), Rui Namorado Rosa (doutorado em Física em Oxford e professor na Universidade de Évora, especializado em questões de energia). Houve, como se vê, uma tentativa séria e em grande parte conseguida de formar pessoas de valor em física nuclear. O volume lista aliás os artigos que foram publicados no quadro das actividades do reactor português de investigação. Acrescente-se que vários centros nacionais de investigação em física fundamental radicam aliás nesse esforço.
Portugal, pese embora algumas indecisões no passado no domínio da política científica e energética, bem pode orgulhar-se de ter um reactor com um registo impecável de funcionamento e que muito tem contribuído para a ciência fundamental e aplicada.
PARA SABER MAIS:
- Jaime da Costa Oliveira, “O Reactor Nuclear Português. Fonte de Conhecimento”, edições Mirante, 2006.
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