Por ter defendido apaixonadamente a criação de uma Ordem dos Professores não posso deixar de ter como perda de tempo, de certo modo, as consultas que fiz a inúmeros documentos sobre as ordens profissionais num labor que me ocupou diversos anos, mais do que aqueles que Jacob serviu Labão, pai de Raquel. Essas consultas envolveram a busca incessante, em bibliotecas públicas, dos então chamados Diários do Governo e actuais Diários da República, seguida de leituras caseiras, feitas pela noite fora e madrugada adentro, de tudo quando me pudesse elucidar sobre o conceito de profissão liberal (arma de arremesso dos detractores de uma Ordem dos Professores), sobre as soluções encontradas pela Ordem dos Médicos, criada no remoto ano de 1938, para contornar a admissão de associados, a título excepcional e com certas limitações, de diplomados pela extinta Escola Médica de Goa (e da pouco conhecida Escola Médica do Funchal), sendo vedado aos seus diplomados o exercício da Medicina em fronteiras metropolitanas.
A elaboração de um opúsculo com uma Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores, cuja feitura coordenei, enviado para a Assembleia da República, várias idas perdidas aos corredores dos Passos Perdidos, a publicação de muitas dezenas de artigos de opinião em jornais nacionais (Público, Correio da Manhã, Jornal de Notícias) e regionais (Diário de Coimbra), e de muitos posts neste blogue, tantos que lhes perdi a conta, e de um livro intitulado Do Caos à Ordem dos Professores (2004) são a prova desse meu interesse pela criação de uma ordem profissional para os professores. Sem esquecer um artigo de Vital Moreira, a que dediquei especial atenção, Liberdade e responsabilidade (Público, 05/07/2005). Desse artigo, retirei este pedaço de prosa: [as ordens profissionais] “têm proliferado no nosso país apesar de terem a sua origem no sistema corporativista do Estado Novo”. E se, como disse Ortega y Gasset, “há tantas realidades quantos os pontos de vista”, cotejo esta opinião de um professor de Direito com outra minha que passei a letra de forma na imprensa e que transcrevo: “Defensor público desta forma de associativismo, entendi a necessidade de ir à procura das suas raízes em Portugal coetâneo para poder afirmar que a criação da Ordem dos Advogados é anterior à Constituição Portuguesa de 1933 que estabeleceu o regime corporativo no nosso país”. Mais esclareci que, no ano seguinte, ao ser atribuída representação na Câmara Corporativa a este órgão de classe profissional, os homens da lei “não aceitaram esta medida por a acharem deprimente”. Ou seja, as ordens profissionais anteriores a 25 de Abril não tiveram, todas elas, génese no Estado Novo” (Correio da Manhã, 17/11/1995). Ambas as transcrições, a de Vital Moreira e a minha, fizeram parte de um artigo de opinião dado à estampa por mim no Público (22/07/2005), intitulado, Vital Moreira e as ordens profissionais.
Mas o pior de tudo isto estava para acontecer: ouvir nas galerias da Assembleia da República os argumentos ,sem pés nem cabeça, de deputados que se manifestaram desfavoráveis ou renitentes (com excepção da bancada do CDS/PP) à criação de uma Ordem dos Professores aquando da discussão de uma petição do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL), subscrita por perto de 7865 assinaturas, em 2 de Dezembro de 2005, exercendo eu na altura funções de presidente da respectiva Assembleia Geral.
Facto tanto mais insólito por em 1998 ter sido criada a Ordem dos Enfermeiros vindo a ser criada em 2009 a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, embora não satisfazendo ambas o requisito até então exigido para a criação das ordens profissionais: uma licenciatura universitária por parte de todos os seus associados. E, no passado dia 6 de Abril deste ano, num abrir e fechar de olhos, foi criada a Ordem dos Engenheiros Técnicos. Sem desconfianças infundadas, só encontro razão para esta discrepância de métodos e processos legislativos no facto do Ministério da Educação, secundado na máxima força pela Fenprof, não querer abrir mão de uma seara que pretende continuar a cultivar com a finalidade de manter os professores sob a sua rígida tutela. No caso da Fenprof, como forma de perpetuar uma hegemonia sindical e política sobre os agentes de ensino, arredados de um título profissional e de um código deontológico transformados, assim, como diria Pessoa , em “arrabaldes de si próprios”.
Quanto a mim resta-me assumir a personagem da cantiga de intervenção dos Deolinda: “Que parvo que eu sou”. Porque parvo fui eu em pensar que a força da razão dos meus argumentos se poderia sobrepor à razão da força dos opositores à criação da Ordem dos Professores, sob a batuta sindical da Fenprof ! Curiosamente, a crítica feita a Portugal de ser um país de “doutores” encontra, hoje, melhor expressão de se ter tornado num país de ordens profissionais que nascem debaixo dos pés como cogumelos em terreno húmido: mais de uma dezena de ordens profissionais já criadas e outras na forja. É bem certo, “quem não tem padrinhos morre mouro”! E, desta forma, sem padrinhos nas cúpulas dirigentes do país, os docentes têm sido enjeitados ao serem havidos sem cabeça para se auto-regularem e o seu simples exercício profissional não ter interesse público. É essa a verdade dos factos que exige que os opositores da criação da Ordem dos Professores assumam as suas reais responsabilidades. Ou, no mínimo, os seus remorsos!
Na imagem: “Eclipse da memória”, do artista Luís Duro.
7 comentários:
Quando se luta por uma
ideia fundamental,
há sempre um prémio moral,
mesmo quando ela se esfuma!
JCN
Opositor da ordem
Educar implica sempre um objectivo
Educar não implica um corpo pesado e burocrático com linhas de acção, policiamento pidesco sobre os seus elementos
Uma ordem limita de certo modo uma profissão
Classifica e enquadra ou rejeita um professor como bom ou mau como fizeram outras ordens e por vezes um mau professor é um melhor professor do que aqueles que pretendem dar aos seus alunos um ensino superior
um dos melhores engenheiros que este país produziu com trabalhos por todo o mundo que se foi em 2009 ou 2010 nunca se conseguiu increver na dita ordem e por esse motivo nunca trabalhou em Portugal e apesar de agravos de vária ordem feitos por pessoas mesquinhas no aparelho dessa ordem é dele e das equipas que liderou a reestruturação da indústria em pelo menos 15 grandes complexos
Ou seja uma ordem não cria melhores profissionais
nem separa trigo do joio (apenas classifica o joio como indesejável)tal como as direcções das escolas são recapitulações burocráticas dos conselhos directivos e executivos que se repetiram no tempo sem ganhar nenhuma mais valia por isso
nã sei se fui claro....
nem acredito que uma dedicação exclusiva ao professorado assi como à investigação sejam alternativas válidas
um "bom" professor deve ter experiências de vida várias e não uma dedicação a uma ordem...franciscana ou jesuítica incluidas
Muito bem, professor!
Consigo aprendi - ao longo de anos, diga-se - a compreender a necessidade de uma ordem dos professores. Estas, ao que parece, são todas iguais, embora umas o sejam mais do que outras. E assim se mantém o equilíbrio nesta sociedade de desiquilíbrios.
Não desista dessa já tão longa luta.
motta
Caro Rui Baptista, estou a seu lado na criação de uma Ordem dos Professores.
Há muito que a classe docente necessita de organização e ordem. Há tempos, também aqui, vi um post em que falavam do problema da classe dos professores não serem uma profissão liberal, pelo que se tornava impossível poder criar a Ordem dos Professores.
Pergunto-me, no entanto, porque teimam os professores em associar-se aos demasiados sindicatos que têm, cada vez menos, preocupação com os seus e olham mais para bandeiras políticas. Quase que parecem monarquias em que entram descendentes comunistas, uns atrás dos outros. Nada tenho contra os de esquerda (mais à esquerda), nem contra os de direita (seja centro ou mais à direita) mas considero que quem está a representar os professores deve apenas pensar nos professores e não nos seus interesses partidários.
Meu caro Rui Baptista:
Remorsos é coisa que muitas pessoas não sentem, sejam quais forem as responsabilidades que lhes cabem.
E o mundo não se governa por princípios nem por boas intenções. Move-se, isso sim, por interesses e por paixões. É o que tenho para mim.
Resta-nos, por isso, mourejar até à morte, sem padrinhos, até uma organização de professores, independente dos sindicatos, e livre do jugo do ministério da educação(?), nascer.
O pai inspirador dessa organização será Rui Baptista.
A gestação há-de ser muito sofrida e o parto com dor. Mas o que tem que ser será. Basta haver cada vez mais professores a querer. Não vejo alternativa. Ao caminho, por mais duro que seja.
A si, um sincero agradecimento.
O Estado e os Sindicatos querem os professores subjugados, arrebanhados, encarneirados aos seus interesses...
Cada vez mais precários e menos livres, mais burocratas, mais "mangas de alpaca", mais servis, mais subservientes, mais instrumentos da propaganda oficial (tal como no Estado Novo), mais catequistas da doutrina do sucesso a todo o custo, mais farsantes, em prol das fraudes estatísticas, mais animadores de ATLs a que continuam a chamar "Escolas", como se tais estabelecimentos cujo funcionamento é pago com o erário público merecessem tal designação...
Portanto, esperar que os percursores do "direito ao sucesso" façam alguma coisa de diferente é uma esperança vã...
Mudar de pessoas, mudar o país, mudar os valores vigentes, resistir à pedagogice, libertar as escolas do eduquês, denunciar a mentira generalizada dentro do sistema e o fechar os olhos...
Está nas nossas mãos, temos possibilidade agora de mudar de caminho, de seguir noutro rumo...
De empenharmo-nos pessoalmente na criação de movimentos cívicos se os existentes não respondem às necessidades urgentes do país e do sector.
Obrigado a todos pelos vossos comentários que muito valorizaram o meu post
Ainda hoje devo publicar um novo post sobre esta temática que precisa de ser discutida até à exaustão. Não gostaria que ficassem coisas por dizer. Sejam elas a favor ou contra...
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