quarta-feira, 13 de abril de 2011

Obviamente, demitia-me!

“Obviamente, demito-o!” (frase proferida por Humberto Delgado relativamente a Salazar, na campanha eleitoral para a Presidência da República/1958).

Como nos diz a sabedoria popular, “não há duas sem três”. Assim, as minhas duas últimas intervenções escritas sobre a criação da Ordem dos Professores ficariam incompletas sem a transcrição desta tomada de posição do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, nas Jornadas Parlamentares do Partido Socialista, em Dezembro do ano passado, que se tornou notícia destacada nos media nacionais.

Nestas jornadas, encerradas por José Sócrates, esteve implícita uma crítica indirecta (ou até demasiado directa!) de Mariano Gago à Ordem dos Engenheiros, por ter tido o arrojo em não permitir a inscrição de um primeiro-ministro de Portugal como seu associado. Mais concretamente, houve na respectiva intervenção uma tentativa de lavagem da honra académica de José Sócrates com relevo para o intuito subjacente deste ministro em criticar o Parlamento por “ tolerar a criação e funcionamento das ordens profissionais em Portugal”. Ou seja, assistiu-se a uma tomada de posição pública, ao mais alto nível do governo, contra a criação de novas ordens profissionais três meses antes, repito, três meses antes, do surgimento da Ordem dos Engenheiros Técnicos: uma associação profissional de direito público surgida pela mão do próprio Partido Socialista, com o ágrement de todos os partidos com assento no Parlamento.

Numa perspectiva meramente pessoal, entendo que a desautorização da doutrina ministerial desfavorável ao aparecimento de novas ordens profissionais, pondo, simultaneamente, em causa a legitimidade das antigas ordens profissionais, com uma tradição quase secular, em seleccionar os diplomas académicos dos candidatos a seus membros (aliás, princípio da afeição do socialista Vital Moreira ) só seria desagravada com a minha sujeição ao título deste post: “Obviamente,demitia-me!” Mas, como nos ensina a sabedoria popular, “cada um sabe de si e Deus sabe de todos”.

Mas indo ao cerne da questão, “Gago diz que as ordens profissionais ‘canibalizam’ o acesso’ ao mercado de trabalho”. Aliás, título da notícia supracitada que transcrevo na íntegra:

“O ministro da Ciência e do Ensino Superior acusou este sábado o Parlamento de ceder aos interesses corporativos das ordens profissionais, dizendo que estas organizações apenas pretendem ‘canibalizar’ e ‘controlar’ o acesso ao mercado de trabalho. Mariano Gago falava nas Jornadas Parlamentares do PS, no Porto, que são encerradas pelo primeiro-ministro, José Sócrates.

Perante deputados socialistas, Mariano Gago fez um longo discurso sobre o estado da ciência e do Ensino Superior, com críticas à actuação da Assembleia da República e de todos os partidos’. Num dos pontos mais polémicos da sua intervenção, o ministro da Ciência condenou ‘a tolerância do Parlamento relativamente à criação e funcionamento das ordens profissionais em Portugal’, dizendo que tal gera ‘um condicionamento do mercado de trabalho’.

Com toda a franqueza, este é um dos fenómenos mais extraordinários que ocorre neste País. A complacência, a cedência corporativa a quem chateia o Parlamento com o argumento de que não se pretende fechar o mercado de trabalho - que ideia! - e apenas se quer fazer deontologia, é absolutamente extraordinária, protestou Mariano Gago.

Depois, o ministro da Ciência contou o que lhe acontece no quotidiano logo a seguir, quando recebe os representantes dessas ordens profissionais no seu gabinete: Chegam lá ao gabinete e dizem-me: 'Senhor ministro, desculpe lá, quer proletarizar esta profissão? Arranje uma maneira de fechar estas entradas, seja como for', referiu, citando o estilo de conversa dos representantes das ordens profissionais. Para Mariano Gago, ‘conseguir libertar o País da tutela das ordens profissionais na entrada das profissões é um elemento fundamental, sobretudo em período de crise económica’. ‘O que se está a passar é uma canibalização do mercado de trabalho em torno das profissões qualificadas, em que os que estão instalados criam uma fronteira para ninguém mais entrar. Ou melhor, talvez entre o filho de um deles, pronto’, declarou o ministro da Ciência.

Noutro ponto polémico da sua intervenção, Mariano Gago afirmou ainda que ‘há um perigo eleitoralista que atinge todos os partidos - e este também: Na hora da verdade há uma cedência à ideia de transformar os institutos politécnicos em universidades'. ‘É a ideia de que os politécnicos são uma espécie de Estado, como naquela história em que o girino passava a rã. Ora, o politécnico é o girino da universidade, depois passa a rã - e a universidade então é uma rã completa’, disse, recorrendo de novo à ironia” ("Correio da Manhã", 18/12/2010).

A cedência, em nome do “perigo eleitoralista”, por parte de todos os partidos, Partido Socialista incluído, Mariano Gago o disse, para transformar os institutos politécnicos em universidades, saiu, uma vez mais, reforçada com a criação de ordens profissionais destinadas a diplomados pelo ensino politécnico. Isto é, estamos numa atitude política “à procura da rolha”: o governo do Partido Socialista critica fortemente a criação de novas ordens profissionais e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe e aprova à la minute, com o beneplácito dos outros partidos com assento na Assembleia da República, a criação da Ordem dos Engenheiros Técnicos.

Curiosamente, entre estas duas paradoxais situações mediaram, apenas, noventa dias. Vá lá a gente entender um Partido Socialista…que não pára de nos surpreender! Nesta e em muitas outras situações de verdadeiro desespero nacional...

14 comentários:

Zurk disse...

Aproveito este post para fazer uma homenagem a Mariano Gago que é muito provavelmente, o homem mais importante para Portugal dos últimos 15 anos. O seu trabalho no desenvolvimento da ciência, expresso pelo número de doutorados, pós-doutorados e pela existência de diversos polos de excelência em diversos centros de investigação, capazes mesmo de atrair reputados investigadores estrangeiros, é das poucas marcas positivas destes últimos anos e quiçá a única que ainda assim potencia alguma esperança que o futuro próximo de Portugal se possa começar a inverter.
Diria que o trabalho, nas Universidades, não esteve no mesmo patamar do da Ciência, mas ainda assim é claramente positivo pois provocou a necessidade das Universidades saírem dos seus círculos fechados e buscarem receitas próprias onde não havia orçamento, abrindo-se assim ao exterior e à interacção Universidade/Empresa.

José Batista da Ascenção disse...

Donde, talvez devamos concluir que há ordens boas e ordens más.
E ordens feitas à (ou por) medida.
Assim uma espécie de caos feito ordem.
Ou a ordem para fazer o caos em proveito de alguém.
Ou...

Anónimo disse...

Desculpe lá Rui Baptista mas não foi rigoroso:

A associação profissional de engenheiros técnicos, de direito público, não foi criada na semana passada, ela já existia há mais de 10 anos e chamava-se ANET.

Se foi apenas uma mudança de nome ou se estava implícita outra qualquer outra alteração mais significativa (por ex., caracterização do acto profissional), isso é que ainda não foi muito debatido e está pouco esclarecido...

Dervich

Rui Baptista disse...

Prezado Zurk:

Bem sei que o seu comentário incide sobre a meritória acção de Mariano Gago, quando escreve ser ele “o homem mais importante para Portugal dos últimos 15 anos”. Este panegírico logo é atenuado quando o Zurk é o próprio a reconhecer que (o seu) “trabalho, nas Universidades, não esteve no mesmo patamar do da Ciência”.

Mas não foi a sua acção no âmbito da ciência que pus em destaque. Tão-só a sua tentativa de lavagem de responsabilidades de certo ensino superior privado em Portugal, caso da Universidade Independente, para chamar os bois pelo nome, que sobreviveu para além dos limites da decência pelas licenciaturas por si outorgadas e que só levaram ao respectivo, e mais do que tardio, encerramento depois do escândalo público que deu brado na imprensa portuguesa. Como reflexo deste facto surgiu a tentativa, personificada por Mariano Gago, de retirar às ordens profissionais existentes a seiva que lhes vivificava a existência: responsabilizarem-se pela qualidade dos diplomas dos seus associados.

Por outro lado, não chega o lamento de Mariano Gago sobre a confusão gerada em Portugal entre o ensino universitário e o ensino politécnico. De há muito que fiz esse diagnóstico tendo depositado esperanças em Mariano Gago para tentar resolver uma situação que eu tive como “As zonas pardas do ensino superior”, título de um meu artigo de opinião de que transcrevo a parte final:

“Ainda mesmo após uma discutível concessão do grau de mestre pelo Politécnico, infelizmente e mais uma vez, o essencial parece ceder o passo ao acessório ficando para depois a delimitação (preto no branco, sem zonas cinzentas) de competências e finalidades de cada um dos dois subsistemas do ensino superior, como se não se tratasse de uma grave questão nacional. A exclusividade de um ministro da tutela do ensino superior acalenta redobradas esperanças numa verdadeira e corajosa reforma do ensino superior. Mesmo que chegada a passo de caracol! Atitudes tíbias e permissivas devem ceder lugar a decisões musculadas que contribuam para a defesa das causas justas e o combate sem quartel a interesses instalados ao seu arrepio num ensino superior em que, nem sempre, os deveres correspondem aos direitos. E vice-versa! (“Diário de Coimbra”, 01/07/2003).

Como soe dizer-se, não se pode servir ao mesmo tempo dois amos. Mariano Gago serviu bem “o desenvolvimento da ciência” e mal o ensino superior ao não inverter “a tendência à ideia de transformar os institutos politécnicos em universidades”, como ele próprio reconhece e critica como um mal do ensino superior. Sabe, portanto, a pouco esse seu reconhecimento quando nada fez para contrariar este “stau quo”!

Rui Baptista disse...

Meu muito prezado José Batista da Ascenção:

Muito apreciei a leitura que se pode fazer das entelinhas do seu comentário: "Branco é galinha o põe".

Um abraço.

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

eu até nem desgosto do Gago que além de ter feito umas coisinhas quando era cabeça do LNETTI
e ter uns casacos horribiles de Tweed aos quadrados como o Namorado Rosa nos idos do século passado
tem o mau gosto de coleccionar vampiros e outros itens da literatura policial como os kachimbos do Magrito


diz que as ordens profissionais ‘canibalizam’ o acesso’ ao mercado de trabalho
e tem razão....

mesmo os directores e sub-directores da escola que dizem ser pública contratam quem querem
mesmo contrariando os seus próprios critérios
de seriação por razões lá deles

e inda queriam uma ordem que espartilhasse
enfim...
opinhões

cá por mim dá muito trabalho fazer reclamações contra os que estão dentro do sistema
seja nas universidades
seja nos institutos
seja nas escolas básicas ou secundárias
que copiam em burocracias inúteis
e em rivalidades e azedumes mesquinhos
as outras instituições e ordens

assinado:um gadjo que não está na ordem dos Engenhêros
nem precisa....

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

como dizia um gajo nos idos de Março
da explosão da Universidade Tóxica ou Técnica

temos de meter os nossos lá
depois de lá estarem
metemos mais pessoal "nosso"
e vamos tirando lugares aos outros

a competência vende-se
a incompetência paga-se

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

e se duvida
vá ver as listagens dos ministérios
serviço a serviço
ou câmara a câmara tanto faz

e viva a ordem

Rui Baptista disse...

Caro Dervich:
Não tem que me pedir desculpa por ter entendido não ter eu sido rigoroso no meu texto. Assim como eu não tenho de lhe pedir desculpa de lhe retribuir a luva cavalheirescamente por entender que o Dervich é que não foi rigoroso.

E digo-lhe porquê. Como sabe, as associações profissionais de direito público (como a ANET, a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, a Câmara dos Solicitadores) foram criadas por os seus associados, maioritariamente, não terem um curso universitário ou nem sequer terem um curso superior. Assim, para usar uma expressão popular, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Se fossem a mesma coisa não se assistiria à “promoção” da ANET (Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos) a Ordem dos Engenheiros Técnicos.

Falemos agora do acto de engenharia. Às ordens profissionais, precisamente por se responsabilizarem pelos actos profissionais dos seus associados, é cometida, por lei, a faculdade de fiscalizarem que eles não sejam executados por quem não está habilitado para tanto.

Ora, com a criação da Ordem dos Engenheiros Técnicos pôs-se o carro à frente dos bois por não se ter definido quais as competências do engenheiro “tout court” e a do engenheiro técnico. Já pensou, por momentos, a confusão que tal facto pode vir a gerar?

E este não me parece um caso de “lana caprina” por recair sobre a alçada dos próprios tribunais. Mais do que um simples diferendo, passará a ser uma guerra entre meios-irmãos. E mesmo a guerra entre os irmãos, do mesmo pai e mãe, levou um escritor (de que me não recordo o nome, apenas a mensagem forte que transmitiu) a escrever: “Não eram inimigos, eram irmãos!”.

Rui Baptista disse...

Anónimo de comentários de várias horas e minutos:

Claro que eu não defendo que as ordens profissionais (cada vez mais amputadas das suas competências originais, por um conceito errado de democratização)são uma espécie de belas sem senão. Mas menos belas se tornarão com as plásticas que lhe vão sendo feitas deixando cicatrizes difíceis de disfarçar...

Rui Baptista disse...

Rectificação do meu comentário a Dervich:

A memória atraiçoa-nos, por vezes. Sobre a guerra entre irmãos, procurando nos escaninhos da memória, rectifico o pensamento do autor desconhecido que citei no fim do meu comentário: "Eram piores do que inimigos, eram irmãos!"

Anónimo disse...

A Lei 31/2009 define qual a qualificação profissional exigível aos autores dos diferentes tipos de projectos, ou aos responsáveis pela sua execução e fiscalização.

Por outro lado, quer a OE, quer a agora OET (ex-ANET), definiram quais os respectivos "actos de engenharia" que podem ser desempenhados pelos seus membros (presumo que haja alguma sobreposição, pelo menos em algumas categorias de trabalhos).

Tudo isto para dizer que o que parece estar em causa é uma simples alteração de designação, embora admita que, caso assim seja, me escape qual o sentido dessa necessidade...

O que não faz sentido é existirem duas ordens profissionais para a mesma actividade, com competências que se sobrepõem parcialmente!

Será inevitável que, num futuro mais ou menos próximo, passe a existir uma única ordem que defina, em relação aos seus membros, o que cada um pode fazer, em função da sua qualificação e/ou experiência demonstrada...
E, se o problema fôr uma questão de nomes em relação ao grau académico, que as designações passem a definir esses graus (Engenheiro Grau I, Engenheiro Grau II, Engenheiro Grau III, etc), será assim tão difícil?!...

Dervich

Rui Baptista disse...

Meu caro Drevich: Há quem diga que as palavras são como as cerejas. Com mais razão, eu defendo que a vertigem com que correm os pensamentos leva a que, por vezes, algo fica por dizer. E esse algo é não menos importante!

Suponhamos, ainda que mesmo em “ reductio ad absurdum”, que a Ordem dos Engenheiros tinha reconhecido os diplomas de engenharia civil da Universidade Independente. Pois foi essa a intenção das forças públicas que se movimentaram para retirar à Ordem dos Engenheiros, como procuradora dos interesses dos próprios cidadãos, a regulamentação dos diplomas que dão acesso a uma actividade devidamente regulamentada? Para evitar más interpretações, não estabeleço qualquer semelhança ente aqueles diplomas de licenciatura e os diplomas sérios de bacharelato dos Institutos Superiores de Engenharia ou dos antigos Institutos Industriais. Seria um acto de injustiça, de uma tremenda injustiça.

Por esse facto, muito aprecio os comentários (como os seus) para não deixarem “rabos de palha” numa discussão que deve ser feita com toda a seriedade e não levianamente como quem discute o “sexo dos anjos” com os turcos às portas de Constantinopla!

Venham, portanto, mais comentários que nos ajudem a desenvencilhar de um dédalo de confusões…

Rui Baptista disse...

Caro Drevich: Como nos diz a canção de Rui Veloso, julgo poder deduzir, dos seus e meus comentários, que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa.

Mas repare! Se a Ordem dos Engenheiros facultasse a entrada de engenheiros técnicos com as divisões que propõe não faltaria um coro de protestos por se estarem a criar, numa mesma ordem profissional, engenheiros graduados em I, II, III, etc., em colisão com profissões semelhantes na forma, mas diferentes no conteúdo, em que os engenheiros e os engenheiros técnicos devem ter igual dignidade sem qualquer espécie de graduação que os separe artificialmente.

Escreveu Camilo, “neste livro se a verdade alguma vez gretar é involuntariamente”. Para fraseando-o, substituo livro por post. Agora o que eu abomino é um palavroso diálogo de puro malabarismo de confesso fenómeno circense com que alguns indivíduos discutem coisas sérias como, por exemplo, a razão ponderosa da Ordem dos Engenheiros, em defesa do próprio bem público e dignidade de uma profissão e de uma ordem profissional (a 2.ª a ser criada em Portugal, em antecedência à Ordem dos Médicos), em não admitir a inscrição de simples indivíduos, ou mesmo individualidades, de posse de diplomas de pechisbeque que por processos de alquimia se quiseram fazer passar por diplomas de licenciatura universitária.

Isto porque as entidades oficiais que deviam, em primeira mão, fazer a triagem desses diplomas não só os aceitaram como lutaram para fazer crer terem uma qualidade que não existia. Nem pouco mais ou menos!

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