sexta-feira, 15 de abril de 2011

ENTREVISTA À REVISTA "QUERO SABER"


Entrevista que dei à jornalista Cristina Espada e que saiu no último número da revista "Quero Saber" (QS):

QS- Como surgiu o seu interesse pela ciência e, mais concretamente, pelo campo da Física?

CF- Surgiu quando eu era novo, quero dizer mais novo... Aliás o interesse pela ciência é uma maneira de nos conservarmos jovens porque, ao fazê-lo, estamos a manifestar uma das características humanas que se manifesta em maior grau na juventude, mas que nos pode e deve acompanhar pela vida fora: a curiosidade. Eu queria saber. Queria saber coisas que não ficava a saber, pelo menos logo, na escola. Via, adolescente, uma figura do livro de ciências em cuja legenda se dizia que o Universo era infinito e perguntava-me: "É mesmo infinito? Como é que eles sabem? Quem são eles?" Acho que começou aí o meu interesse em ser como "eles", isto é, cientista. Li muitos livros de divulgação, num tempo em que ainda não havia a Gradiva mas já havia Rómulo de Carvalho. Porquê a Física? Porque é o ramo da ciência que me parecia mais abrangente. Lida com o Universo todo, que, tanto quanto sabemos hoje, é infinito... E tem uma infinita variedade.

QS- O que o levou a tornar-se um divulgador de Ciência?

CF- Isso ocorreu bastante mais tarde quando acabei o doutoramento, aos 26 anos. Na Alemanha lia livros de divulgação. Era, no início dos anos 80, a época de Carl Sagan, que falava dos "biliões e biliões de estrelas" e da Terra como um "pequeno ponto azul". Quando cheguei estava a começara Gradiva. Escrevi ao editor Guilherme Valente, que ficou logo meu amigo, a fazer propostas. Comecei por traduzir livros: traduzi, por exemplo, o Feynman, comecei a escrever críticas de livros (no Expresso, ainda não havia o Público). Até que, em inícios dos anos 90, escrevi eu próprio um livro na Gradiva, "Física Divertida", baseado em palestras que entretanto tinha feito em escolas, que foi um êxito instantâneo. Hoje está traduzido para "brasileiro", espanhol e italiano. E tem uma sequela "Nova Física Divertida".

QS- É físico, professor e divulgador científico. O que vem primeiro? Como se conjugam as três profissões?

CF- Isso é como perguntar se gosto mais do pai ou da mãe. Gosto tanto de investigar como de ensinar e divulgar a ciência. Aliás a divulgação da ciência é uma extensão, para mim natural, do ensino. É o ensino informal, para outro público e, por vezes, por outros meios.

QS- Qual considera ter sido o marco mais importante da sua carreira?

CF- Um marco importante foi, sem dúvida, o doutoramento na Alemanha, em Frankfurt. Tive de me adaptar a nova língua e novos costumes. Aprendi muito, como se faz investigação e não só. Mais tarde, mais ou menos por altura do "Física Divertida" tive uma licença sabática, em New Orleans, nos Estados Unidos, durante a qual mudei de tema de investigação, passando da física nuclear para a física da matéria condensada. Nessa altura publiquei um artigo que, para minha surpresa, venceu na vida e já tem mais de 8000 citações. Actualmente, sou Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, que é também um marco importante. É uma biblioteca com quase 500 anos por onde passaram grandes nomes da cultura portuguesa.

QS- Porque é que a Física é divertida?

CF- É natural a pergunta. Muita gente acha essa ciência aborrecida, muitos alunos dizem "chata"... Mas penso que não: a Física é uma "senhora" extremamente atraente para quem a queira conhecer melhor. Há histórias e factos da Física engraçadíssimos. O meu livro, com esse título um bocadinho provocatório, é um convite a esse conhecimento...

QS- Qual é o estado actual da Ciência em Portugal?

CF- A ciência em Portugal conheceu um Big Bang nos últimos 30 anos, portanto mais ou menos depois que eu vim da Alemanha (uma coincidência, apenas, claro...). Há muito mais centros de investigação, laboratórios, bolsas de estudo, investigadores, etc. Hoje em dia já não é preciso ir lá para fora para se fazer um doutoramento em qualquer ramo das ciências. Nalguns ramos faz-se ciência ao mais alto nível mundial. Escrevi um livro recente, que se encontra nalguns supermercados, "Ciência em Portugal", que dá conta desse "boom" da ciência. A divulgação da ciência cresceu também muito, veja-se por exemplo a rede de centros Ciência Viva (eu próprio criei um em Coimbra, que tem o nome de Rómulo de Carvalho). O ensino das ciências passou também a chegar a bastante mais gente, embora aí haja um problema: o aumento da quantidade não foi acompanhado de semelhante aumento de qualidade.

QS- O que falta fazer?

CF- Na investigação falta ligar mais e melhor alguns centros com as universidades. O sistema científico cresceu, em muitos casos, ao lado das universidades, o que a longo prazo não é bom para ninguém. E falta sustentar a ciência no futuro, pois ela tem estado muito dependente de apoios da União Europeia, que não continuarão sempre. A ligação da ciência com a economia, o que se consegue com a inovação, tem de ser mais fértil. Os nossos jovens cientistas, nalguns casos muito brilhantes, têm de ser mais apoiados, através da criação de lugares. Demos-lhe a bolsa, mas ainda não lhes demos a vida... E a nossa vida, o nosso futuro, depende largamente da vida, do futuro, deles...

QS- Porque investiu parte da sua carreira a tentar atrair os mais novos para a Ciência?

CF- Eu próprio me senti atraído para a ciência quando era novo através dos livros e dos artigos e palestras de divulgação. Se resultou comigo, poderia resultar com outros... Depois é algo que faço livremente e com gosto. Não é de modo nenhum uma obrigação de "carreira". E, como me dizem que sou útil, e eu sinto que posso ser útil, continuo...

QS- Como compatibilizar a necessidade de termos mais cientistas e engenheiros/atrair jovens para ciência com a realidade dos licenciados desempregados?

CF- As universidades não são agências de emprego: são sítios onde se cria e se transmite conhecimento ao mais alto nível. Não tem de estar a adaptar-se permanentemente às leis do trabalho a curto prazo. Claro que precisamos de mais cientistas e engenheiros para sermos um país mais desenvolvido. Essa é uma necessidade comum a todos os países que aspiram a maior desenvolvimento, porque a riqueza hoje depende do investimento em ciência e tecnologia. Quanto à infeliz situação de licenciados no desemprego, espero que a actual crise, que é tanto nacional como internacional, passe. Aos baixos hão-de seguir uns altos.

QS- Que conselho daria aos licenciados em Ciência que não conseguem trabalho na área de licenciatura?

CF- Os jovens têm de estar preparados para mudar de profissão, para adquirirem novas formações, serem flexíveis. O mundo muda mais rapidamente do que a escola. E, em muitos casos, podem ser empreendedores, isto é, criar o seu próprio emprego, em vez de estarem à espera que ele lhes apareça numa bandeja. Não é fácil, eu sei. Mas pode valer a pena.

QS- A Ciência e a Tecnologia já estão a ampliar as nossas capacidades físicas e intelectuais. Acredita que, um dia, homem e máquina se poderão tornar um só? Se sim, quando e em que moldes?

CF- O físico Niels Bohr dizia que "era muito difícil fazer previsões" acrescentando ironicamente "em especial do futuro". Eu não me atrevo, portanto. Mas a história recente tem mostrado que as máquinas têm progredido extraordinariamente. A minha geração viveu uma época de grande explosão da informática, devido à capacidade de fazer transístores cada vez mais pequenos e de os empacotar bem. Hoje um supercomputador já ganha no xadrez ao campeão do mundo. Para me ganhar a mim nem é preciso ser super, basta ser computador. Entretanto, há muitas coisas que os homens ainda fazem melhor que os computadores. Sei lá, fazer e responder a entrevistas, por exemplo... Respondendo em concreto, alguns cientistas e engenheiros acham que o nosso futuro são robôs, mentes mais poderosos em corpos indestrutíveis, e estão a trabalhar para isso. Vamos a ver o que conseguem...

QS- Que outros poderes está a ciência a dar ao ser humano?

CF- Eu tenho trabalhado em simulações computacionais. A máquina é uma extraordinária ampliação da mente humana, não apenas como guardiã de memória, mas como processador de informação. Uma máquinas pode fazer poderosas simulações, isto é, antecipações do futuro. É muito difícil fazer previsões do futuro, mas as máquinas ajudam... Pode-se saber por exemplo, com base em cálculos, que tempo vai fazer amanhã e até como será o sistema solar daqui a uns bons milhões de anos. No início da Revolução Científica Francis Bacon disse que "saber é poder". Hoje, podemos dizer que "saber é prever" e, portanto, "prever é poder". Quem sabe o que vai acontecer, estará muito mais precavido...

CF- Qual a maior conquista do Milipeia e o que ainda nos pode permitir descobrir?

CF- Começámos no meu centro de investigação a fazer um supercomputador juntando computadores, cerca de cem: foi a Centopeia. Depois adquirimos a Milipeia, o maior supercomputador nacional, com mais de meio milhar de processadores. Essa máquina tem estado à disposição da comunidade científica nacional e tem servido os mais variados fins, por exemplo investigação na bioquímica, na simulação de moléculas complexas,e na biomedicina. Mas a máquina, de tanto uso, já está a ficar um bocadinho cansado e já há mais e melhor no mercado. Acho que já merecemos uma máquina nova, uma Super-Milipeia, uma Megapeia. A ciência portuguesa merece.

QS- O que o levou a tornar-se um bloguista convicto e como avalia a experiência do blogue De Rerum Natura?

CF- Sim, há mais de três anos tenho esse blogue, com colegas e amigos, que está no topo dos blogues de ciência. Para mim foi uma nova experiência de fazer divulgação científica. Não há nada como experimentar para ver... A nossa marca é a forte ligação entre ciência e cultura: procuramos mostrar, nas linhas e entrelinhas, que a ciência é uma forma de cultura. Por exemplo, ciência e arte estão muito ligadas.

QS- E que balanço faz da experiência com o portal O mocho?

CF- Esse tem sido um grande portal de ensino das ciências onde temos colocado muitos materiais úteis para o ensino das ciências. É muito procurado, aqui e no Brasil. É pena que o uso das tecnologias da informação não tenha sido incrementado na escola pela aposta, pelo Ministério da Educação, em sítios como esse, que permitem ampliar mentes, que permitem derrubar os muros da escola, em vez de andar a distribuir maquinazinhas, os Magalhães, que rapidamente se tornam obsoletas. É muito mais fácil investir no hardware do que no software, mas eu e muitos colegas gostamos do que é difícil.

QS- De todos os livros que já publicou, qual o seu preferido, o que lhe deu mais gozo?

CF- Que pergunta! Sei lá... Gosto talvez mais dos últimos pois o "gozo" é mais recente. Escrevi há pouco, além de "A Ciência em Portugal", também "Breve História da Ciência em Portugal", com Décio Martins, um livrinho que condensa o essencial sobre o nosso passado científico. Tivemos momentos de luz, de criatividade no passado, separados por alguns períodos de sombra. A ciência é, por natureza, aberta e avançámos sempre que estivemos abertos ao exterior e estagnámos sempre que nos fechámos.

QS- Quais são, hoje, as questões científicas que mais o preocupam?

CF- Tenho um interesse grande por saber aquilo que a nanotecnologia, isto é, a engenharia à escala atómico-molecular, vai permitir. Já permite coisas incríveis e vai fazer mais. Como tenho estado numa grande biblioteca, lembro que o físico Feynman criou esse ramos quando colocou a questão sobre se toda a Enciclopédia Britânica cabe na cabeça de um alfinete. Cabe, sobrando muito espaço. De facto, cabe toda a Biblioteca da Universidade de Coimbra. Para dizer a verdade toda, cabem todas as bibliotecas do mundo. Como aproveitar em nosso favor essa enorme capacidade? E essa fantástica biblioteca que é o genoma humano também cabe...

QS- O que é que gostava de saber sobre a natureza das coisas que ainda não sabe?

CF- Há tantas questões em aberto. A mim não me interessam tanto as questões sobre os últimos blocos da matéria (há alguma coisa para lá dos quarks e electrões?), mas mais as possibilidades que há de combinar os blocos conhecidos, átomos e moléculas, para originar estruturas com novas potencialidades. Podemos juntar átomos e moléculas com uma variedade infinita... Muitas dessas formas são úteis, para guardar informação por exemplo, ou para tratar doenças.

QS- Tem algum gadget indispensável no seu dia-a-dia?

CF- Uso telemóvel como toda a gente. Quer dizer, o meu é, como o de muita gente, mais que um telefone móvel, é um pequeno computador, com MP3, GPS, Internet, etc. Faz muito mais coisas que um computador pessoal de há 30 anos... O que trago no bolso é física quântica - o que explica o funcionamento dos transístores- bem empacotada...

QS- Qual é o seu próximo desafio?

CF- Isso é segredo. Não lhe vou contar tudo hoje... Não se conta nunca tudo numa primeira conversa...

4 comentários:

Jagganatha disse...

CF- Uso telemóvel como toda a gente....também não exageremos os 11 milhões de telemóveis não são para todos os 10 milhões de ditos cujos

felizmente ainda há muitos que não os usam
influência dos campos electromagnéticos


Quer dizer, o meu é, como o de muita gente, mais que um telefone móvel, é um pequeno computador, com MP3, GPS, Internet, etc. Faz muito mais coisas que um computador pessoal de há 30 anos...
e câmara de vídeo e fotográfica de alta definición

o WANG 1983 ou 84? foi há 27 28 anos

antes disso quem tinha computador pessoal


O que trago no bolso é física quântica
e é a morte nas minas de columbite tantalite
e o nióbio continua a ser....questões de tabela periódica e abundância elemental

era para trazer a química pró assunto

Jagganatha disse...

будет Tivemos momentos de luz, de criatividade no passado, separados por alguns períodos de sombra. A ciência é, por natureza, aberta e avançámos sempre...ahn mesmo em períodos de isolamento do exterior há sociedades que criam modelos inovadores
e únicos

o isolamento contribui também para a diversidade em termos de conhecimento científico
técnicas de metalurgia não contaminados por intrusão de processos matemáticos
sistemas matemáticos diferenciados das correntes ditas universais
etc etc etc
sistemas de GPS primitivos evoluiram de forma muito diversificada em sociedades com pouca ou nula troca de informação com outras sociedades
baiete baiete a alvorada zulu num anda longe

Rui Baptista disse...

Caro Professor: Obrigado por ter tornado fácil a compreensão difícil de "coisas" que, normalmente, só estão ao alcance de cientistas. E obrigado, ainda, por ter demonstrado que nem sempre "a curiosidade mata o gato".

Cláudia S. Tomazi - Brasil disse...

Pelo descortinar no entusiasmo das ciências, parece ser a física o encantado que caminha para um futuro de esperança por ser o maior desafio, a saber, com quantas variáveis dilata-se a capacidade do pensamento humano.
Enfim, tudo que nos é possível, tem por provas a integridade do Prof. Carlos Fiolhais.

Grande momento!

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