Como disse em texto anterior, não encontrei Irene no Céu, de Manuel Bandeira, como "receita" em manuais escolares para desenvolver "competências de convivência multicultural". O mesmo já não posso dizer de Lágrima de Preta, de António Gedeão, que aparece em vários documentos relativos à Educação para a Cidadania no Ensino Básico.
Tal enquadramento dá a este poema um carácter nitidamente instrumental e imediatista: espera-se que, com a sua leitura e interpretação, tão livre quanto possível por parte das crianças e dos jovens, estes se tornem "tolerantes à diferença". Temo, à semelhança de Sam Pikering, que, assim apresentadas, tão belas e profundas palavras nem chegue a afectá-los...
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
sábado, 16 de abril de 2011
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5 comentários:
"belas e profundas" ou estúpidas e insultuosas, tudo depende de quem as lê, não nos devemos esquecer. Não sou negro, nem amarelo, nem vermelho. Sou branco. Não fui vítima de escravidão, mas de discriminação racial já fui.
Sou capaz de me imaginar sentir insultado e de julgar estúpido alguém que fosse analisar uma lágrima minha à procura de ódio ou qualquer outra característica justificativa de discriminação perante outros seres humanos. Mesmo que sejam palavras no sentido figurado, racistas ou muito pelo contrário, devemos estar conscientes dos sentimentos que podem despertar. E há que lidar com isso, sem alterar a história ou a realidade. Para que o mau não se repita e não se promova uma cultura de ignorar os problemas.
Ao meu jeito:
Colhida numa proveta,
uma lágrima de preta,
analisada em função
da sua constituição,
não tem qualquer diferença
da de uma outra criatura
de outra cor ou de outra crença,
de outra forma de cultura!
JCN
A propósito deste tema proponho uma leitura do blog A matéria do tempo, onde, a propósito do tema e da música Mãe Preta, proibido por Salazar, levou Amália a cantar o tema com letra diferente “Barco Negro”.
Fico muito honrado pela referência ao meu blogue, "A Matéria do Tempo".
Pela parte que me toca, visito o "De Rerum Natura" obrigatoriamente todos os dias e com muito gosto.
alguem me sabe identificar os recursos estilisticos deste poema' eu adoro o poema e tive que escolher um para apresentar na aula de literatura e como gosto deste ainda nao desisti de encontrar os recursos estilisticos pois é so isso que me falta ...alguem me ajuda ?
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