domingo, 3 de abril de 2011

A ENTREVISTA DE CARLOS QUEIROZ NA RTP1

“No futebol tudo fica mais complicado através da presença da equipa adversária” ( Jean-Paul Sartre, 1905-1980).

Não me detenho no papel de simples peão do senhor Amândio de Carvalho, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, no tabuleiro de xadrez do chamado “Processo Carlos Queiroz”.

Por esse motivo, da esclarecedora entrevista de Carlos Queiroz a Carlos Daniel na RTP1 (02/04/2011), retenho dois momentos que me parecem importantes para tentar compreender todo um estranho processo que teve como personagem principal a pessoa de Carlos Queiroz, logo após a sua nomeação para seleccionador da equipa nacional no Campeonato do Mundo de Futebol/2010, como se fosse um Zé Ninguém caído de pára-quedas no desporto-rei, sem as credenciais, entre outras, de dois Campeonatos do Mundo de Sub-20. Os dois momentos por mim atrás referidos, foram:

1. O facto de José Sócrates elogiar, no jantar oficial de despedida da equipa nacional para a África do Sul, o trabalho meritório de Filipe Scolari como seleccionador da equipa das quinas no Campeonato Europeu de Futebol. Para melhor ser compreendida esta ocorrência, busco analogia entre a atitude do então 1.º Ministro de Portugal e a de um padrinho de casamento de uma viúva que, no copo de água, fizesse o elogio do seu falecido marido…

2. A atitude frontal e corajosa de Carlos Queirós ao criticar o papel desempenhado em todo este processo pelos mais altos dignitários da esfera desportiva nacional, como sejam o secretário de Estado do Desporto Laurentino Dias , o presidente do Instituto de Desporto de Portugal Luís Sardinha e o presidente da ADoP, Luís Horta.

Sem me querer armar em profeta, mas sabendo ser Portugal, por vezes, padrasto das suas figuras mais representativas, quer no domínio da ciência, quer no da literatura, das artes ou do desporto, escrevi neste blogue vários posts em defesa de Carlos Queiroz, entre eles, um intitulado O Cabo das Tormentas de Carlos Queiroz (27/o6/2010). Dele respigo uns tantos pedaços de prosa:


“Realiza-se na próxima terça-feira, dia 29 de Junho, o jogo dos oitavos-de-final entre Portugal e Espanha - 'essa amiga, que dorme deitada a nosso lado (…), tendo por travesseiro os mesmos montes e por lavatório os mesmos rios', como escreveu Eça de Queiroz – que mantêm entre si uma rivalidade futebolística de há longos anos. Mais uma vez isso acontecerá e Carlos Queiroz será posto à prova.

No caso da vitória da Espanha poderá vir a ser havido pelos seus detractores, depreciativa e novamente, como um teórico do futebol. Curiosamente, alguns deles consideraram o futebol moderno como uma ciência que muito o afasta do tempo das balizas às costas ou de tácticas “de todos a monte e fé em Deus”, mas, por outro lado, quiseram-no manter aprisionado nas malhas de 'um saber de experiência feito'.


Este paradoxo, fez com que, vai para cerca de vinte anos, tenha escrito um artigo de opinião com o seguinte título: 'Futebol, uma ciência sem cientistas?', em que defendi:'Em minha opinião, essa prática tem que caminhar a par com a formação de treinadores em licenciaturas em Desporto (na opção de Futebol) pela faculdade de Motricidade Humana e outras licenciaturas congéneres' ('Jornal de Coimbra', 28/08/91).

Já pertence ao passado um futebol que possa desmerecer exames sobre a condição física dos jogadores, exercícios de musculação (de que é exemplo o físico apolíneo e possante de Cristiano Ronaldo que depois dos treinos de conjunto se dirigia sozinho ao ginásio para fazer musculação), filmagens de treinos e jogos para análise dos movimentos dos atletas, uso da informática no armazenamento, consulta e análise das informações, que só um domínio científico da metodologia do treino, de ciências biológicas e biomecânicas, etc., podem dar resposta com todo os seu arsenal laboratorial. É do domínio público que Carlos Queiroz e José Mourinho (seu aluno no ISEF/FMH da 'Universidade Técnica de Lisboa') não foram jogadores de futebol de nomeada pertencendo a uma nova vaga de treinadores de futebol que entraram na profissão pela porta da teoria como reconheceu Mourinho na cerimónia do seu doutoramento honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa em que obteve o grau académico de licenciado: 'Seria sempre treinador de futebol, mas sem faculdade seria assim-assim e nunca muito bom' ('Record', 24/03/09).

Por esse facto, contra ventos de descrença e marés de desconfiança, saudei a nomeação de Carlos Queiroz para seleccionador nacional de futebol com um post, O regresso de Carlos Queiroz, aqui publicado, em 19 de Julho de 2008, de que transcrevo algumas partes:


"(…) Na recente nomeação de Carlos Queiroz para seleccionador nacional de futebol, no êxito internacional de José Mourinho e no excelente percurso de Jesualdo Ferreira no Futebol Clube do Porto, encontro motivo para me debruçar sobre o papel de professores de Educação Física no treinamento de equipas de futebol. Anos atrás, Carlos Miranda, director de 'A Bola', deixou escrito que Carlos Queiroz era um caso de predestinação comparável ao de Mozart (que aos quatro anos já tocava cravo e aos cinco ensaiava os primeiros passos da composição).

Era esta uma acha mais na fogueira de uma controvérsia que está longe de estar extinta. Quase se pode dizer que se nasce poeta e escritor, mas não se nasce médico, advogado ou professor. (…) Idêntico princípio pode ser aplicado no domínio do futebol: “nasce-se” predestinado para a prática de um futebol de eleição (Carlos Queiroz e José Mourinho não passaram da mediania como praticantes), mas não se nasce treinador de futebol; e é esta confusão que tem e continua a alimentar os “mentideros” do futebol nacional.

Mas esta discussão tem raízes profundas. No mundo das actividades corporais da Grécia Antiga chegou-nos a polémica entre práticos e teóricos. Segundo Galeno (célebre médico grego, tido como pai da medicina desportiva moderna), os treinadores troçavam das teorias dos professores de ginástica e dos médicos sob o pretexto de não se ter o direito de discutir sobre coisas desconhecidas quando se não tem a prática do ofício (…).

Ao ler um dia nos jornais que numa reunião do Sindicato Nacional de Treinadores de Futebol fora levantada a questão da legitimidade dos professores de Educação Física orientarem a preparação técnico-táctica das equipas de futebol (a preparação física era já então matéria de consenso), não pude deixar de tomar posição num artigo de opinião ('Jornal Novo', 15. Janeiro.77):

“Claro que a partir desta premissa é pertinente a conclusão de considerar exercício ilegal de profissão o facto de um licenciado em Educação Física treinar uma equipa de futebol . (…) Mas há mais vida para além do futebol – mesmo que no alcance de um título mundial - que não deve servir de ópio para esconder a crise social e económica que assola terras portuguesas”.

Tivesse Portugal vencido o Campeonato Mundial de Futebol na África do Sul poderia até esse feito, num país “futebolizado” até ao tutano, ter servido de ópio para esconder a crise social e económica portuguesa por mais uns tempos mantendo-se em funcionamento a Assembleia da República com discussões acesas de tácticas de “futebolês” pelos corredores dos Passos Perdidos…

8 comentários:

Dylan disse...

Carlos Queiroz continua a vencer os sonsos que o quiseram afastar da Selecção Nacional com pretensos processos disciplinares e castigos. Porque não está em causa as opções técnicas do treinador mas a forma como o despacharam do cargo: primeiro, com a rábula de ter perturbado um acção da Autoridade Antidopagem, depois, a culpa já era de uma entrevista onde Queiroz criticava o vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol apontando "o polvo". Eu sei que o Governo a que pertence Laurentino Dias caiu, que Gilberto Madail não foi reeleito para o Comité Executivo da UEFA, que a adequação dos estatutos da F.P.F. ao novo Regime Jurídico das Federações já leva 2 anos para ser aprovado, que se instrumentaliza um jogador naturalizado e que mal sabe cantar o hino nacional para atacar quem ergueu bem alto o nome do futebol português, mas por favor, vão preparando a choruda indemnização.

Rui Baptista disse...

Prezado Dylan: As palavras têm o valor que se lhes pretenda dar por as termos como convenientes. Falar nos tentáculos do polvo, é uma metáfora que não pode ter o exclusivo de se referir à Máfia, mesmo quando fazê-lo pode dar jeito a almas mais "sensíveis"...

Em tudo o resto, o facto de Carlos Queiroz ter disputado o Campeonato do Mundo em condições climatéricas adversas, sob a vozearia das vuvuzelas, com um chefe de embaixada que não concordava com a sua nomeação, etc., foi esquecido. Como esquecido foi o facto de ter empatado com a forte selecção do Brasil, ter obtido o maior "score" da competição com o volumoso resultado sobre a Coreia do Norte e a magra derrota por 0-1 contra a fortíssima Espanha de nada serviu como factor positivo, tendo emergido, pelo contrário, uma discutível substituição de um jogador por si feita.

Enfim, com diria o nosso Vieira: “Quando se olha com simpatia para o rato preto até o rato preto nos parece branco, quando se olha com antipatia para o cisne branco até o cisne branco nos parece preto”!

Cordiais cumprimentos.

Anónimo disse...

Eu fico com a impressão que Carlos Queiroz até tem razão e é a vítima neste processo, mas de facto de vez em quando tem atitudes e faz declarações que deitam tudo a perder. Agressões, insultos, nada disto faz sentido e não se pode invocar méritos passados para os justificar. Talvez o que se passe na federação e à volta da selecção seja ainda pior do que o que sabemos através da comunicação social e até o mais profissional e competente treinador seja levado a perder a cabeça.
Concordo com os comentários anteriores no sentido de que por melhor que sejam os resultados da selecção, outro que não o 1º lugar sejam razão para rolar cabeças. Não é realista e mostra também a fraca capacidade de liderança e empenho de quem está à frente da federação há demasiado tempo.

Rui Baptista disse...

Prezado Anónimo (16:37):

Na verdade, nem sempre se justificam as agressões de Carlos Queiroz…ou talvez se justifiquem, em parte, por aquilo que o povo chama de não se ter “ sangue de barata”. Carlos Queiroz sofreu tentáculos de um polvo (metaforicamente, a cabeça do povo refere-se, como sabe, ao principal responsável pelo acontecimento de certas ocorrência que prejudiquem alguém!) que desde o princípio lhe levantou obstáculos a um trabalho sereno e profícuo na Selecção Nacional que iria disputar o Campeonato do Mundo na África do Sul.

Acontece que o trabalho de sapa é menos visível que as agressões feitas à luz do dia. Essas são evidentes. As primeiras nem tanto. Razão tinha Oscar Wilde: “O cobarde assassina dando um beijo; o bravo mata com um punhal”.

Obrigado pelo comentário.

Francisco Domingues disse...

Passei por alto texto e comentários. O muito que "tive de ouvir" na TV, aquando dos "factos", bastou-me e vacinou-me. Nem me importa quem tenha a razão. O que sei é que se perde muito tempo com futebóis em Portugal! E a crise continua... A do futebol não é relevante; a outra, sim! E dessa toda a gente fala e ninguém faz nada! Não é que precisamos mesmo de uma Nova Força Política que dê voz aos 80% dos portugueses que não se revêem nos partidos actuais? Quem a inicia? (Veja-se o meu blog "Ideias-Novas" cujo acesso é: http://ummundolideradopormulheres.blogspot.com)

Anónimo disse...

Eu nunca fui a um jogo de futebol e há muito que deixei de ver jogos na tv. Já nem os da selecção vejo.

Mas quer queiramos ou não, encalhamos no futebol, seja pelo tempo que ocupa na tv ou por outras razões.

Por exemplo, no passado Domingo, por acaso sabia que havia jogo na Luz e optei por um caminho diferente do habitual com receio da violência. É que no ano passado, quando foi a final da taça no estádio nacional, tive o azar de passar na CRIL momentos depois de ter passado a caravana do FCP. O trânsito estava parado, ninguém percebia muito bem porquê uma vez que a estrada estava livre à frente. Mas o que se passava é que a estrada estava coberta de pedras atiradas de cima de um viaduto e das laterais da estrada onde se encontrava uma multidão decidida a causar estragos fosse a adeptos do FCP ou a quem quer que passasse. De vez em quando alguém se atrevia e acelerava por entre as pedras no chão e as que continuavam a ser atiradas. Fui obrigado a fazer o mesmo porque a certa altura a multidão começou a aproximar-se dos carros parados e não havia escolha. Por sorte quando tive de arrancar já tinham fugido do viaduto com as sirenes da polícia a começarem a ouvir-se, e como a estrada é muito larga as pedras que atiraram quando passei não me atingiram. Foi uma cena assustadora e muito triste.

Eu também gostava de poder simplesmente ignorar o futebol e as suas crises que sem dúvida que deviam ser insignificantes para o país. Mas não são porque o futebol move multidões, particularmente jovens, que vêm nos líderes do futebol exemplos a seguir. Muito maus exemplos, como foi a história do apagão na luz, particularmente depois da violência que ocorreu antes do jogo. Foi como se os responsáveis do Benfica tivessem assinado cada uma das pedras atiradas.
Eu costumava ser simpatizante do Benfica, mas acho que agora já nem isso. Não que isso seja importante, o que me preocupa são estes péssimos exemplos de quem está à frente do futebol e o que querem para este país as multidões de jovens que os seguem e vivem para o futebol.

Rui Baptista disse...

Prezado Francisco Domingos:

Verifica-se nos dias de hoje este verdadeiro paradoxo: aquilo que era ontem criticado hoje é defendido como coisa boa.

Antes de 25 de Abril dizia-se que o futebol era o ópio do povo: uma espécie de haxixe. Hoje, para fazer esquecer o triste estado a que chegou este país, o haxixe foi substituído pela cocaína.

Quer queiramos quer não o desporto reflecte as estruturas sociais em que se desenrola. Estando o pais numa crise de valores, o desporto é o espelho fiel dessa crise.

Crise de um país que não é inédita por remontar a tempos de Eça, que se interrogava: “No meio de tudo isto o que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: – mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem: - e os homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política, de sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura.”

Temo bem que Eça, apesar de toda a sua clarividência, não tenha conseguido perspectivar poder haver uma crise maior em Portugal no dealbar deste milénio. E mais temo que o seu pessimismo de não haver cura para a crise do seu tempo se cumpra com maiores motivos nos dias de hoje. A política, essa porca de Rafael Bordalo Pinheiro, tem cada vez mais bacorinhos a mamarem em suas tetas.

Este estado de coisas merece a reflexão patriótica, como escreve, “dos 80% de portugueses que se não revêem nos actuais partidos políticos”. Mas estará a solução, como preconiza, numa “Nova Força Política”? Ou estaremos perante uma esperança messiânica ou simples sebastianismo que tarda em chegar mesmo que num dia de nevoeiro?

Seja como for, “em louvável mérito seu, “alea jacta est”!

Rui Baptista disse...

Caro anónimo (5.Abril: 23:03):

Li com todo o interesse o seu relato do desvario que se passa no desporto português, um verdadeiro “estado de sítio”. Este facto mais se amplia numa espécie de cadinho do extremo ocidental português, ainda que mesmo, por enquanto (e até quando?) com “hooligans” de trazer por casa.

Mas copiadores (e as cópias são, por norma, mais imperfeitas que os originais) que somos de todo o mal que nos chega da estranja para lá caminhamos a passos largos em que o desporto-rei de energúmenos se transforme numa verdadeira batalha campal com Neros a assistirem nos camarotes VIP’s e a incitarem essa violência.

Mas o mal tem raízes que eu denuncie no primeiro ano da década de 60, ao escrever num artigo de opinião: “Para um merecimento perfeito do fenómeno desportivo há que primeiro acreditar no valor moral dos desportistas, dos técnicos, dos dirigentes e da imprensa – enfim, de todos aqueles que o servem, sem dele se servirem, para se evitar o risco de se atingir a decadência desportiva romana sem se ter conhecido sequer o apogeu de uma educação integral helénica”

Infelizmente o Circo Romano parece ter assentado arraiais definitivos em Portugal como uma espécie de lenitivo para fazer esquecer aos portugueses aos fins-de-semana a pavorosa crise económica, social e, principalmente, moral que açoita o país de Norte a Sul e Ilhas. Voltando à Antiga Roma, Juvenal satirizava o costume da época com a frase: “panem et circenses”.

Circo temos de sobra e sobejo neste Portugal em princípios de um novo milénio. E pão, até quando?

Mas tenhamos esperanças. O pior que nos poderá acontecer era que a esperança, ao contrário do que nos diz a sabedoria popular, fosse a primeira a morrer!

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