Um dos comentários que o meu post “O puzzle” provocou foi o de que, sendo assim, o que poderemos fazer?
Está tudo encadeado, somos peças do mesmo conjunto, farinha do mesmo saco e, portanto, não só encaixamos uns nos outros como também nos apoiamos mutuamente. Como os edifícios nas antigas ruas onde, a queda de uma velha casa arrasta frequentemente a queda de outras. As atitudes e os comportamentos das pessoas, bons ou maus, são sempre um exemplo positivo ou negativo para os outros. Já se sabe, os bons estimulam-nos aos comportamentos corretos, os maus dão azo a que se sigam os seus (maus) exemplos.
Neste caso, se outros o fazem, eu também o posso fazer, pensam muitos. Está errado, moral e logicamente, mas funciona em termos psicológicos e sociais. E, portanto, tal como nos edifícios, a melhor maneira de todos se manterem de pé é que nenhum comportamento moral venha abaixo, ou que não sejam muitos, para a derrocada não ser total.
Ora, se há todo um processo social e moral tradicional entre nós em que as falhas se potenciam umas às outras, abaixo da linha de água, não só nos andamos a deseducar em geral, há muito tempo, como corremos o risco de não termos salvação possível e qualquer dia acharmos, todos, que o mal é que está bem e que o bem é que está mal; ou seja, chegarmos à completa inversão de valores.
Olhando para Portugal, às vezes dá a impressão que vamos nesse caminho. A mentira arvorada em verdade, as voltas que se dão para que os factos deixem de ser o que foram, a dificuldade cada vez maior em saber ao certo quem mente e quem fala verdade, etc., etc.
É sabido, os discursos criam os seus sentidos, as suas lógicas internas, e que com eles se ganha a aparência de verdade com que se engana o ouvinte, etc. Mas não é aceitável que se utilize isso para fazer com que a verdade seja aquilo que a gente quer, ou que o discurso organize a sua verdade com o propósito evidente de nos enganar. É o que se vê na política, a toda a hora, e da esquerda à direita.
Não é aceitável e devemos todos denunciar isso, e lutar por todos os meios contra este processo de alienação geral, que nos embrutece e compromete o nosso futuro coletivo. Embora difícil, é possível romper este cerco, e alargar os círculos daqueles que os rompem; mas o grande problema é por onde começar.
É claro que, enquanto povo, temos coisas muito boas, mal de nós se assim não fosse, e há imensas exceções a esta praga, mas em questão de desleixo social, de falta de noção de bem público, de irrespeito pelas competências, de amiguismo, estamos num nível muito baixo.
E o mal está tão interiorizado nos hábitos e nos sentimentos que acaba por ter sentido o anúncio do Licor Beirão em que aparece o Futre com uma das suas “soluções” para Portugal. Para diminuir o desemprego em Portugal: “Cunhas para todos!” (Não pensa é que se houver cunhas para todos, como há cunhas fortes e cunhas fracas e a solução só se obterá com cunhas fortes… lá temos outra vez o problema).
A gente ri-se, mas a coisa não tem piada nenhuma porque parece que não compreendemos o verdadeiro desastre social e económico que isso provoca. E o pior ainda é que muitos percebem isto muito bem mas, tendo possibilidade de o combater, não só não o fazem como o promovem, julgando-se a salvo. Mas de facto ninguém está a salvo.
O último congresso do Partido Socialista é exemplo acabado de um mau serviço ao País. O partido unido, em bloco, defendendo uma posição que se sabe que é, na melhor das hipóteses, apenas uma parte da verdade, e uma encenação fabricada ao pormenor, a versão do líder repetida até à exaustão, com o intuito de não reconhecer erros, de falsear os factos; onde é que isto ainda existe? Na Coreia do Norte? Em Cuba? Não é aceitável numa democracia moderna.
Onde está a honestidade intelectual de toda aquela gente? Valha-nos um Rómulo Machado, ou um Manuel Maria Carrilho, mas é muito pouco. Uma outra atitude ficar-lhes-ia muito bem e a prazo daria muito bom resultado. Se os bons exemplos e as normas de uma sã competição viessem dos partidos e dos políticos as coisas começavam a compor-se na sociedade. Mas quem convence estas mentes de que a sua deformação é um enorme contributo para que alguns dos nossos males mais entranhados se perpetuem?
Ainda virá o tempo em que alguém reconhecerá que se as pessoas que dirigiram os partidos tivessem sido mais honestas e intelectualmente mais sólidas, estaríamos todos muito mais ricos e evoluídos. Neste momento, criar “verdades” à moda de Estaline só aumenta a desconfiança e agrava o desastre. Não percebem que hoje, mais do que nunca, ser sério e realista é ter futuro político?
Bom, mas como não podemos contar com eles, que deveremos fazer nós? Por onde começar?
Comecemos por algum lado. Temos que começar por algum lado. De qualquer modo, o homem é um ser inteligente, que confrontado com os problemas, se quiser, acaba por resolvê-los. Não basta, porém, ser inteligente e ter consciência da situação, é preciso ter vontade de a alterar. Não faltam pessoas mal formadas apesar de inteligentes, como se está a ver.
A consciência coletiva de muitos destes problemas tem, felizmente, vindo a aumentar e é crescente o número dos cidadãos com vontade de mudar estes comportamentos, de os denunciar, de mostrar até que ponto eles são prejudiciais, de os rejeitar como uma autêntica praga social. Não só precisamos de gastar menos, de recuperar hábitos de poupança, de ser mais eficazes e produtivos, como agora se diz, e é verdade, mas também, e talvez sobretudo, de perceber a importância pessoal e social dos comportamentos moral e socialmente corretos. Tudo começaria a melhorar rapidamente.
Não faltam, nestas condições, os que defendem medidas radicais. Os bons resultados, contudo, não se conseguem com mata e esfola. A história está cheia de situações apodrecidas que, resolvidas à bruta, com revoluções, purgas e depurações, pouco depois estavam na mesma, com outros farsantes no palco.
Se os indivíduos que estão dentro dos partidos, à esquerda e à direita, por exemplo, não conseguem sair do autismo coletivo, da cegueira; se são incapazes de uma verdade que não seja a oficialmente estabelecida, se têm a desonestidade intelectual como um programa genético, não será solução acabar com os partidos, como alguns advogam, mas abandoná-los, não votar neles, votar em branco, criar forças de opinião alternativas, movimentos de reflexão. As redes sociais podem produzir forças inimagináveis até há pouco. Os partidos (à esquerda e à direita) têm que compreender que não podem continuar a ser factores de deseducação através de verdades fabricadas, ou de imoralidade programada. Enquanto forem isto, e só isto, têm a morte dentro de si, mesmo que a não vejam.
João Boavida
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9 comentários:
Na vida de uma nação
o factor primordial
para erguer sua moral
passa pela educação!
JCN
Caro Professor João Boavida
Concordo inteiramente com o seu texto. E faz-me espécie como é que pessoas como um Francisco Assis ou um Alberto Martins, para dar dois exemplos notáveis, conseguem, tendo em conta alguns factos do passado de cada um, comportar-se do modo como o fazem perante um líder assim. Na verdade não consigo compreender. Será que não percebem que há muito quem esteja a olhá-los varado de espanto? Quem verão eles quando se olham ao espelho? Que valores defendem? Que imagem têm da realidade? Que conceitos de justiça, dignidade e honradez perfilham ainda: os que julgávamos seus ou qualquer (outra) coisa e o seu contrário?
Que devemos nós fazer?
Por onde começar?
Apenas consigo sugerir que cada um de nós comece por si próprio. Decididamente. Exigentemente. Serenamente. Honestamente. Definitivamente. Etc.
Cabe-nos a redenção de nós próprios. Sem alternativa. Julgo.
Quando a força de vontade
as outras forças supera
ninguém nem nada nos há-de
aviltar, nem que quisera!
JCN
Quando se quer a valer,
tudo na vida é possível,
por desmedido ou incrível
que seja o nosso querer!
JCN
Por mais baixo que um país
caia no lixo da rua,
nem por isso continua
a deixar de ser feliz!
Para um povo ser feliz
tem duas alternativas:
ou ser tonto de raiz
ou viver de expectativas!
Portugal ainda possui
força de ânimo bastante,
que não se esfuma ou dilui
pelo revés de um instante!
JCN
Muito bem haja, Senhor Poeta.
Não deixe de nos animar com a sua sabedoria, a sua sensibilidade e a sua inspiração.
Porque andamos muito precisados. Parece-me.
Caríssimo Dr. José Batista da Ascenção: correspondendo ao seu desalentado apelo, permita-me que, sob o lema popular de "Alma até Almeida!", lhe dedique este improvisado poema, "a fazer das tripas coração":
Ao longo de toda a história
da nossa ilustre nação
foi sempre esta a situação,
muito pouco meritória:
nunca termos um vintém,
sempre a viver de emprestado,
nunca vergando, porém,
nosso orgulho, de bom-grado!
Por isso havemos decerto
de ultrapassar, porventura,
a presente conjuntura,
posta agora a descoberto!
JCN
Meu caríssimo Poeta:
Não me sinto merecedor da honra que me concede a sua distinta pena.
Mas não posso proibir-me de dizer que muito gosto dos seus versos, onde as palavras, as ideias e a música estão no sítio certo e em exacta harmonia. E a esperança que sempre têm em fundo é um bálsamo e um alento.
Muito obrigado.
Se é possível recuperar? Com os preços a subir nesta onda, mais seis meses e toda a dívida está paga.
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