sábado, 23 de abril de 2011
Coimbra e o futuro
Quem, vindo de Lisboa e saído da auto-estrada em Condeixa, avista o casario de bilhete postal, coroado pela Torre da Universidade de Coimbra e pela Biblioteca Joanina, não pode deixar de pensar que está a chegar a uma bela cidade.
E está. Na cidade há património bem recuperado, como a Torre da Universidade, que está exemplarmente restaurada, ou o Laboratório Chimico, que serve de sede ao Museu da Ciência. Mas há também casas a cair aos bocados, tanto na Alta como na Baixa. Quem quiser desfrutar de uma cidade antiga, tanto das coisas da Natureza como do homem, não tem que sair do círculo do horizonte que se vê da Torre (agora pode-se subir lá acima), mas quem quiser preocupar-se com os defeitos citadinos de uma cidade que hesita em entrar no futuro também não precisa de sair fora desse círculo. Coimbra é como o resto do país: capaz do melhor e do pior.
O Paço das Escolas, há muito ocupado pela Universidade, foi, durante a primeira dinastia, residência real depois de ter sido alcáçova árabe. A centralidade de Coimbra é, por isso, histórica, para além, evidentemente, de ser geográfica. Coimbra não é norte, nem é sul, não é litoral, nem interior. Já lhe chamaram o centro do Centro. Os contrastes, físicos e humanos, que há em Portugal encontram-se em Coimbra e arredores.
Coimbra é um burgo de média dimensão cujos residentes podem ir almoçar a casa, o que é impossível numa grande urbe como Lisboa. Mas também é uma cidade onde, por vezes, vai-se lá saber porquê, se encontram, como em Lisboa, desesperantes filas de trânsito (o visitante que chega à Lusa Atenas vê-se grego para chegar à acrópole e ainda mais para estacionar nas imediações). Portanto, tal como no país em geral, quando havia condições para tudo correr bem, não corre. Para perceber Portugal não há como vir a Coimbra.
Se o país está centrado em Coimbra, Coimbra está centrada na Universidade. Contudo, há que reconhecer que a Universidade não se tem ligado bem à cidade. A Alta e a Baixa estão de costas voltadas. Sempre houve uma separação entre os doutores, por um lado, e os futricas, por outro. A nítida estratificação social conduziu até a um divórcio do ponto de vista clubístico. Há a Académica, a equipa associada historicamente à Universidade, e o União de Coimbra, a equipa do proletariado urbano. Coimbra só poderá ganhar se conseguir esbater o contraste ao nível da organização social. Tal como o país, aliás.
A placa à beira da auto-estrada diz “Cidade do Conhecimento”. Para lá do circuito turístico, encontra-se o Centro de Neurociências, que cultiva a excelência científica na biologia, e o Instituto Pedro Nunes, que alberga uma incubadora de empresas considerada recentemente uma dos melhores do mundo. Também se encontra, perto da cidade, o Biocant, o parque português de biotecnologia. Constrói-se, ainda mais perto, o IParque, para onde poderá ir uma empresa de software pujante e global, a Critical Software. E funciona, a dois passos da Torre, um dos mais poderosos supercomputadores do país, a Milipeia. Na ciência, impulsionada pela Universidade, é visível um extraordinário avanço, que, embora lentamente, vai contaminando a cidade e o país. A economia regional e nacional agradece. A Torre da Universitária pode, de facto, ser vista como uma antena emissora de conhecimento...
As cidades de hoje são ricas não tanto por terem uma torre antiga, mas sim porque, querendo ser melhores que as outras, conseguem chegar primeiro ao futuro. E a cultura, tal como a ciência, é prenunciadora de futuro. Mas, no centro do Centro, ela não vai tão bem como a ciência. A Universidade, ainda colada em muitos aspectos a tradições arcaicas, não tem conseguido, na cultura, um poder transformador tão grande como na ciência. Basta atentar, por exemplo, na dificuldade que tem havido em projectar um novo edifício para a biblioteca. É certo que há, mais ou menos ligados à Universidade, grupos activos em várias áreas culturais (no teatro, na fotografia, no cinema, nas artes plásticas, etc.), mas a cidade não lhes serve de caixa de ressonância para ecoarem no país. Há bastantes iniciativas avulsas, mas não há uma “movida”. Coimbra, na cultura, não é a lição para o país que deveria ser.
Coimbra tem localização, tamanho e meios invejáveis. Pode até pensar em emular Cambridge, uma cidade universitária onde pulsam há bastante tempo as tecnologias da informação e as biotecnologias, ao mesmo tempo que florescem as indústrias criativas. Mas tem um problema ao nível do simbólico, que só a cultura pode resolver. Para isso, a sua ambição cultural tem de ser maior, muito maior. Quero acreditar que a cidade não tem uma incapacidade cultural permanente, que lhe tolhe o futuro, mas apenas um bloqueio temporário. Quando o ultrapassar, não só a cidade estará mais habitável, mas também decerto o país.
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1 comentário:
Perfeitamente! Professor, Carlos Fiolhais.
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