domingo, 1 de abril de 2007

O ensino é uma coisa e a investigação é outra?

Há dez anos, por ocasião do lançamento do livro O Ratinho, A Mosca e o Homem, de François Jacob, tive uma conversa algo surrealista com uma pessoa que hoje tem responsabilidades ao mais alto nível no ministério da educação. Dizia-lhe eu que encarava com muita preocupação a situação do ensino, que contrastava imenso com o esforço meritório que se tinha feito nos últimos anos para apoiar e estimular a investigação e a qualificação avançada (mestrados e doutoramentos), em Portugal e no estrangeiro. Ao mesmo tempo que os sucessivos governos investiam fortemente na investigação de ponta e na qualificação avançada, os sucessivos ministérios da educação apostavam fortemente na estupidificação do sistema, no nivelamento por baixo, na gritante discriminação de recusar ensino de qualidade a quem não o trouxer de casa.

A conversa foi surrealista por causa da reacção de estupefacção do meu interlocutor, que muito espantado só repetia atabalhoadamente que investigação é uma coisa e ensino básico e secundário é outra. Tentei argumentar delicadamente que é inútil investir tão fortemente na formação avançada e na investigação de ponta se não investirmos fortemente no ensino de alta qualidade e exigência desde o básico — porque mais cedo ou mais tarde começaremos a ter estudantes tão mal preparados a chegar às universidades que, para não ficarem sem alunos, as universidades terão de começar também a baixar os padrões — quer nas licenciaturas, quer nos doutoramentos. Resultado: andamos a investir o dinheiro dos contribuintes para acabarmos daqui a uns anos a fomentar doutoramentos de fantasia e investigação de faz-de-conta? A pergunta era retórica, claro, mas caiu em saco roto. O meu interlocutor só repetia a mesma cantilena oca, de que o ensino é uma coisa e a investigação outra.

Bem sei que uma semente é uma coisa e uma árvore outra. Mas também me parece que quem não vê a relação entre uma semente e uma árvore é porque perdeu o sentido da realidade. Inquietante é que depois tal pessoa venha a exercer cargos de responsabilidade no ministério da (des)educação. Igualmente inquietante é a mentalidade que está por detrás da reacção do meu interlocutor. É essa mesma mentalidade que afasta os nossos melhores professores e investigadores do trabalho modesto de escrever bons livros para professores e estudantes. Felizmente, esta mentalidade é cada vez mais vista como o que realmente é: provincianismo pacóvio. Alguns dos maiores cientistas, filósofos e artistas de sempre tiveram gosto em partilhar os seus conhecimentos e competências com os mais novos. Até porque desse ensino de qualidade depende a existência futura de uma comunidade saudável e estimulante de cientistas, filósofos e artistas, pares com quem podemos trocar ideias e levar por diante as tarefas que nos entusiasmam.

Contudo, reconheço que há um factor que desencoraja qualquer um de escrever bons livros para estudantes e professores: o ministério da educação. Os programas oficiais das disciplinas, a legislação em catadupa, as mudanças constantes, a forma irresponsável como se processam as adopções de manuais — tudo isto desencoraja as pessoas mais sérias. Quando se tenta ler um programa de uma disciplina, para saber que conteúdos vamos abordar num livro, verificamos que mal reconhecemos naquele palavreado a nossa própria disciplina. Tudo surge distorcido e misturado com irrelevâncias e palavreado oco. As matérias centrais não estão lá, quando estão surgem estranhamente distorcidas, e o que não falta é conversa de café e doutrinação às carradas, a que o ministério chama fantasiosamente “educação para a cidadania”. Além disso, está sempre a mudar. Se uma pessoa não tem cuidado, quando acaba de estudar e de se preparar para escrever um livro para uma dada disciplina, já essa disciplina mudou completamente os conteúdos sem anúncio prévio, ou já a disciplina afinal mudou de nome ou — o que não é tão raro assim — a disciplina entretanto desapareceu do plano de estudos, para ser substituída por uma tolice qualquer sem conteúdos escolares sérios, mas muito folclore para alegrar o olho e parecer que a escola é moderna.

A mentalidade que afastava os nossos melhores professores e investigadores do trabalho modesto e não prestigiante de escrever para professores e estudantes foi em grande parte ultrapassada. Infelizmente, o ministério da educação continua a desencorajar qualquer pessoa séria de escrever materiais de qualidade para o ensino porque provoca uma instabilidade no sistema incompatível com a seriedade e o estudo. Os pedagogos que orientam as políticas do ministério da educação não parecem ter em conta que para escrever bons livros para professores e estudantes é preciso tempo para estudar cuidadosamente, para redigir com cuidado, para dar a ler os materiais a colegas e estudantes, para análise e correcção de erros. Os resultados estão à vista: maus manuais. Pois quem faz manuais escolares só pelo dinheiro e se está nas tintas para a qualidade do ensino faz manuais sempre, em qualquer circunstância (e até faz manuais das disciplinas mais díspares); os outros, afastam-se de tal coisa. E com razão. Só que, no fim, ficamos todos cada vez mais o que somos: um país rasca com escolas rascas.

21 comentários:

Henrique Dória disse...

Subscrevo integralmente. Ainda recentemente, num debate com Vital Moreira, eu que fui o autor, em 1997, num congresso do PS, de uma moção em que preconizava um escola a tempo inteiro e integral, tive a oportunidade de afirmar que esta Ministra da Educação tem pasado ao lado do essencial: aumento da qualidade do ensino, da disciplina nas escolas que, passa em primeiro lugar,pelo respeito e dignificação dos professores, diminuição do número de disciplinas no básico e no secundário para um máximo de 9 no 2º ciclo do básico e 7 no secundário.Com 13 disciplinas, como sucede actualmente no secundário, ninguém aprende nada de nada.Aulas apenas numa parete do dia, noutra desporto e estudo na escola ( 2 horas)dirigido pelos professores.

Cristina Melo disse...

Poso perguntar-me , com muita inquietação, quantos livros terá o o prprio autor destes posts escrito, quantos cursos terá cursado? Psicologia, Pedagogia pouco lhe devem dizer.

Anónimo disse...

Olá Cristina,
Ao que vejo desconhece o trabalho do autor deste post. Grande parte desse trabalho é escrito propositadamente em favor do ensino da filosofia no ensino secundário. Se fosse fazer a lista do trabalho deste autor, ocuparia um kilometro neste comentário, pelo que convido a Cristina a fazer uma pesquisa no Google por Desidério Murcho. Espero que não tenha de passar o resto da sua vida a ler o trabalho do Desidério em favor de um ensino de qualidade na filosofia. É que nunca mais acaba! Talvez o Google não o refira, mas este homem ainda dá conferências e formação de manhã , à tarde e à noite para ajudar professores do secundário a melhorar a qualidade das suas aulas, para além de fazer manuais, traduzir livros, organizar antologias de textos, escrever livros, publicar artigos sobre ensino e educação. Quer mais?
Mas queria terminar dizendo-lhe uma coisa: no ensino da filosofia em portugal (e estou convencido da mesma realidade extensível às outras disciplinas), o contributo da pedagogia e psicologia é absolutamente desastroso, ao passo que o contributo do Desidério para um ensino de qualidade é inesgotável.
Mas veja lá no Google e desfaça o erro na sua questão.
Rolando Almeida

Cristina Melo disse...

... Uma equipa de psicólogos avaliou a minha filha durante um ano, para chegar à conclusão de que a professora tinha a obrigação de perceber de pedagogia.
Era bom que a psicologia e pedagogia tivessem algum valor para quem ensina, porque suponho eu, existem por alguma razão, e dão até problemas enormes, senão aos professores que as não põe em acção, esses certamente continuam a ganhar a sua vida, senão às crianças afectadas por professores que as não praticam, pais e psicólogos, porque no fim de avaliarem uma criança durante um ano, também eles se revoltam contra práticas pouco pedagógicas dos professores.

Continuo a manter a minha opinião em relação ao que escrevi atrás. quem sofre de perto não esquece facilmente. Não me impressioram os livros que poderá ter escrito, preocupa-me mais a maneira como critica tudo e todos.

Cristina Melo disse...

Calculo que escrever livros e publicar não deve ser muito difícil eu até já ouvi entrevistas a professores que nunca sequer na vida contactaram com os seus próprios alunos em carne e osso, no entanto, até se falava dos alunos virtuais que não se conheciam em carne e osso, no entanto, livros os há publicados; os aspectos verdadeiramente humanos são os mais tristes. Chegaram longe sim senhor, mas a falta de componentes humanas não são substituídas por os livros que escreveram, aliás nem os escolho para ler. Um manual é por vezes até uma questão técnica. De facto, nem todos chegam longe, sobretudo os que dão valores às componentes humanas.

Cristina Melo disse...

Nem sempre...
Existem escolas de eleição, é como tudo :o factor económico manda, até nas motivações dos alunos. Talvez devessem existir dois programas, um mais exigente para algumas escolas, outro muito rasca para outras...
De qualquer modo, uns nunca hão-de chegar longe.

Desidério Murcho disse...

Cristina, eu afirmo que a qualidade científica dos professores e dos programas é uma condição necessária para o enino de qualidade. Não afirmo que é uma condição suficiente. Nem afirmo que não há mais condições necessárias.

Eu poderia responder-lhe do mesmo modo: de que vale o professor de matemática ou filosofia ter uma grande sensibilidade humana se não souber matemática ou filosofia?

Mas o seu comentário é surpreendente por outra razão. O meu artigo original é precisamente sobre a cegueira de não se ver a relação íntima entre investigação de ponta e o ensino. O seu comentário aplica-se muito mais ao interlocutor que refiro do que a mim -- pois esse interlocutor não via relação alguma entre ensino e investigação. E quando não se vê essa relação ocorrem as duas desgraças ao mesmo tempo: professores com qualificação científica, mas sem qualificação pedagógica, e professores com qualificação pedagógica, mas sem qualificação científica.

Anónimo disse...

Na realidade, sei pouco da situação real do país quanto à educação, mas sim, concordo com a democratização do ensino, com as universidades privadas, com o tratado de Bolonha. Digo por mim que algum ensino universitário vale NADA.Claro que os jovens são pessoas por natureza confiantes no futuro. Mas, pouco se poderá fazer, as universidades que conheço são antros de gente corrupta.

Anónimo disse...

1. Como se depreenderá da minha intervenção sou professora de Filosofia no Ensino Secundário.

2. Começo por afirmar que o Desidério Murcho tem contribuído decisivamente para uma melhoria da qualidade do ensino da Filosofia. Embora não esteja, com frequência, de acordo com as posições que toma, quer relativas ao que deve ser o conjunto de conteúdos programáticos do programa do ensino secundário quer relativas ao papel da didáctica ou da pedagogia no ensino, não deixo de reconhecer que o trabalho do Desidério, publicado em livro ou sob a forma de artigos em jornais e online, me tem ajudado muito na melhor clarificação do que deve ser o ensino da filosofia, na melhor delimitação dos problemas e conteúdos filosóficos a explorar, etc. Também penso que o proselitismo com que defende o ensino da Filosofia, embora me choque com frequência, por que interfere abusivamente com a minha auto percepção de agente livre e racional, capaz de tomar as suas própria decisões de modo fundamentado, é positivo, não só para confrontar algum preconceito social relativamente ao valor intrínseco do conhecimento (e do conhecimento filosófico em particular), como para incitar a todos os professores a uma maior auto exigência.

3. Também estou de acordo com o Desidério quando questiona a diferença estabelecida pelo tal funcionário do ME. Infelizmente, também posso observar isso entre alguns professores do Ensino Secundário. Por outro lado, as políticas do ME relativas às faltas para formação e a penalização, retroactiva, dos professores que faltaram para frequentar seminários, conferência e palestras científicos é, no mínimo, obscurantista e preocupante. Se já considero que muitos professores (e sei disso por contacto directo com alguns, pela frequência dos tais seminários, palestras, etc., e pela análise dos currículos de professores) dão pouca importância à actualização científica, então agora, mesmo que queiram fazer actualização científica, terão poucas ou nenhumas hipóteses de o fazer a não ser, em muitos casos, com sacrifício da sua vida pessoal e familiar.

4. No entanto, há, com frequência, no discurso do Desidério, afirmações que me irritam imenso pela total ausência de fundamento com que procede a generalizações abusivas e pela forma como desqualifica os seus opositores. Quando diz que o ME é contra os livros, está a dizer exactamente o quê: a) que o ME impede os professores de sugerirem aos alunos a leitura de bons livros científicos, ou outros, sobre as diferentes áreas de estudo? b) que o ME impede as bibliotecas escolares de estarem devidamente fornecidas de bons livros e de os professores indicarem, como lhes compete, bons livros científicos e adequados aos alunos para o fundo documental da biblioteca escolar? c) que o ME impede os professores de levarem bons livros para as aulas e de os lerem com os seus alunos? d) que o ME impede os professores de, para todos os conteúdos do programa, indicarem leituras complementares obrigatórias, entre as quais artigos da criticanarede? e) que o ME obriga os professores a escolherem os maus manuais que existem no mercado? d) que o ME impede os professores de lerem e de se manterem actualizados? f) que o ME obriga os professores a escolherem acções de formação que em nada contribuem para a sua formação científica, em lugar de escolherem acções de formação sobre aspectos científicos ou didácticos da sua área, nas quais podiam aprofundar leituras? Não há dúvida nenhuma que de há algum tempo a esta parte se instalou o caos. A mudança é constante, os avanços e recuos um disparate e assim sucessivamente. Mas, e quando não era? Quando os programas tinham uma duração de 5, 6, 10 anos? A situação era diferente? Os professores e os alunos liam mais? Liam livros com mais qualidade? As bibliotecas escolares estavam melhor apetrechadas? Eram frequentadas por alguém? Os alunos sabiam mais? Ou havia um grupo de alunos que sabia mais e chegava ao ensino superior, enquanto a maioria abandonava a escola em troca de empregos sem qualificação?

5. Outro aspecto que me deixa particularmente perplexa é a crítica permanente ao desenvolvimento de competências, nomeadamente ao desenvolvimento de competência para a cidadania. A minha perplexidade começa logo no facto de a crítica ser, na maior parte dos casos, o enunciado de uma tese sem qualquer justificação. Exactamente o que é que está em causa no ensino de competências? Actualmente faz parte da disciplina de Português B o ensino do texto argumentativo. Para além da análise literária de exemplos como o Sermão do Santo António aos Peixes do Padre António Vieira, é suposto que os alunos aprendam a argumentar, o que implica que escrevam mesmo textos argumentativos. Qual é o argumento contra a aprendizagem desta competência? Eu creio que o problema está na forma como se ensina. Pois se se pede aos alunos para escreverem, assim a seco e a frio, sem qualquer hipótese de se documentarem previamente sobre o assunto, um texto em que tomem uma posição sobre o encerramento das maternidades (o que alguns dos meus alunos disseram que fizeram na aula de Português), eu penso que os alunos aprendem que podem dizer tudo o que a sua ignorância ditar e que para argumentar não é necessário saber sobre o que se está a falar. Mas, será isto ensinar competências? Será possível ensinar alguém a argumentar sem lhe ensinar a identificar argumentos e falácias, sem reflectir teoricamente com os alunos sobre os fundamentos filosóficos e éticos da argumentação, sem estudar com os alunos alguns dos contributos teóricos mais importantes sobre a argumentação? Ou seja, é possível ensinar competências sem conteúdos?

6. E, já agora, é possível ensinar conteúdos sem competências? É possível ensinar Filosofia a sério sem desenvolver um conjunto de mecanismos de aprendizagem que permitam que o aluno tome o trabalho do filósofo como um exemplo de capacidade crítica, a qual me parece ser uma base fundamental da cidadania?
Tomemos, ainda, como exemplo mais uma das afirmações não fundamentadas do Desidério. As brincadeiras na biblioteca. De que está exactamente a falar? Em que biblioteca, em que escola, em que contexto? É uma prática comum ou é mais uma das más interpretações do que realmente se pretende e mais uma má aplicação de uma ideia que podia dar bons frutos de fosse, efectivamente, levada e aplicada a sério? Será que se estará mesmo a brincar na biblioteca ou está-se a tentar ensinar aos alunos uma competência que é, efectivamente, tão necessária como os alunos saberem quais são os principais problemas filosóficos que se colocam em cada área filosófica? Imaginemos o professor que pede aos alunos que elaborem um ensaio filosófico sobre uma tema de filosofia prática. Embora possa partir de textos e livros abordados na aula, o aluno deve alargar as suas leituras. Claro que o professor pode fornecer aos alunos uma lista de livros e artigos e dizer-lhe onde estão. Mas, será que isso torna os alunos autónomos? Quando o aluno tiver que fazer uma pesquisa por si, sabe consultar uma base de dados? Sabe recuperar informação a partir do OPAC de uma biblioteca? Sabe reconhecer o grau de especificidade de um livro a partir de um sistema de classificação como o da CDU? Sabe formular um problema e recuperar informação a partir de palavras-chave? Sabe fazer a articulação entre as palavras-chave do seu trabalho e o sistema de indexação das bibliotecas onde procurou a informação. Sabe? Como? Aprendeu onde e com quem? Saberão os alunos que por privilégio social estão mais familiarizados com tudo isto, nomeadamente através dos pais. E os outros? E aqueles a quem os pais nunca levaram a uma biblioteca? E aqueles que nunca aprenderam sequer a consultar um índice? E os que não aprenderam a distinguir o grau de profundidade entre um dicionário, uma enciclopédia ou um livro da área? Esses fazem o quê? Como?

7. Com frequência penso, ao ler os textos do Desidério, que parte da convicção de que existe em todos os alunos uma auto motivação intrínseca para o conhecimento e que, como diz, se a Filosofia for apresentada aos alunos de forma clara e cientificamente rigorosa, os alunos gostarão de aprender Filosofia. Partilho com o Desidério a convicção, até por experiência própria, de que muitos alunos valorizam o conhecimento científico dos seus professores. Mas também tenho a experiência de que muitos alunos não têm essa motivação intrínseca e de que ela tem de ser desenvolvida. Como? Não é através de um discurso claro e cientificamente bem fundamentado do professor. Só isso não basta e tenho essa experiência como professora de Filosofia, Psicologia e de Sociologia. Mais, comparando a minha experiência profissional, sei que isso é muito mais fácil de fazer na Psicologia e na Sociologia do que na Filosofia. Na Filosofia é, realmente, necessário mediar o discurso filosófico com dispositivos didácticos. Será que isso banaliza ou fragiliza o conteúdo filosófico da aula? Só se o professor não souber o que está a fazer. Só se não dominar verdadeiramente os conteúdos. E, nesse caso, não há bom manual que ultrapasse as deficiências do professor.

Anónimo disse...

Viva,
deixe-me contrapor um pequeno aspecto que refere. também possuo experiência de ensino em filosofia, psicologia, sociologia, psicossociologia, sociologia da comunicação, técnicas de atendimento e relações públicas e, curiosamente, é nas aulas de filosofia que motivo mais os alunos, mesmo que a tenha já ensinado em diversos contextos socio culturais. Penso que tal se deve à minha maior motivação para a ensinar em relação às outras disciplinas. Pela experiência que possuo, os alunos estão, à partida, convencidos que a sociologia ou psicologia são disciplinas mais fáceis porque, precisamente, nós, professores de filosofis lhe fazemos crer essa ideia falsa. Pensam, inclusivé, que a psicologia e a sociologia são ciências mais práticas. Mas tal ideia - que lhes é passada pelos próprios professores - é errada. A diferença substancial é que a psicologia ou sociologia possuem métodos experimentais para algumas das suas áreas centrais, ao passo que a filosofia não os possui. Com efeito, é muito mais fácul e, arrisco, atraente, para um aluno estudar os argumentos dos filósofos partindo de algum método com a lógca, do que compreender análises narrativas e estatísticas da filosofia ou compreender o método experimental na psicologia. Penso que a sua ideia decorre da forma como numa maioria das vezes, nós, professores de filosofia, encaramos a nossa disciplina.
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Errata:
quando referi:
"compreender análises narrativas e estatísticas da filosofia "
queria referir:
"compreender análises narrativas e estatísticas da sociologia"
Obrigado
Rolando A

Anónimo disse...

"E quando não se vê essa relação ocorrem as duas desgraças ao mesmo tempo: professores com qualificação científica, mas sem qualificação pedagógica, e professores com qualificação pedagógica, mas sem qualificação científica."

Penso que a pessoa que critica tem toda a razão, as afirmações de "pessoas sem qualificação pedagógica" no ensino secundário parece-me perigosa. Talvez nas universidades, para "adultos" tudo seja permitido, mas professores sem qualificações pedagógicas no ensino secundário é um perigo e o pior é que para si nem são necessárias, pelo que entendi, em primeiro lugar.

Anónimo disse...

Exma. "cristina melo",
Consigo compreender a sua frustração relativamente às dificuldades que a sua filha apresenta, mas, uma turma tem um ritmo de aprendizagem que não pode ser ajustado por causa de um aluno isolado. Que espécie de pedagogia seria essa de ajustar o ensino a um aluno isolado, em deterimento dos restantes?
Quando a sua filha chegar ao mercado de trabalho, se a performance dela for inferior à dos restantes colegas, quem vai ser o culpado? O chefe?
A pedagogia é importante, mas, se a pedagogia estiver adequada a 19 alunos, e 1 tiver dificuldades parece-me que o problema não é a pedagogia.

Cristina Melo disse...

Pois, o problema não era esse, muito pelo contrário, mais uma vez, mostra que, ao subestimar a psicologia e as motivações, não é senão uma pessoa perigosa.

Cristina Melo disse...

De resto, já sabia à partida no que resultaria a conversa, era de prever.

Talvez clonar-se a si próprio e fazer um país de Desidérios fosse uma boa solução.

Anónimo disse...

Caro Rolando

O que afirmei relativamente à Sociologia e à Psicologia não foi que considero, ou que os alunos considerem, estas disciplinas mais fáceis. O que afirmei foi que ao trabalhar estas disciplinas com o mesmo rigor e profundidade teórica, os alunos aderem mais facilmente e os resultados, nomeadamente ao nível das avaliações sumativas, é francamente melhor. Em Filosofia temos que trabalhar com vários obstáculos à aprendizagem, que vão desde a resistência à disciplina por razões que já referi na minha intervenção anterior, até à falta de textos (que agora já começa a ser um pouco menor), de várias perspectivas filosóficas, cuja linguagem seja acessível aos alunos. Devo dizer-lhe que também já ensinei em vários contextos sociais. E, mesmo na escola na qual ensino presentemente, tenho situações muito diversas. Desde alunos que aderem à disciplina e são mesmo capazes de reconhecer um problema filosófico, responder-lhe a partir de várias perspectivas filosófica e até assumir uma posição pessoal, devidamente fundamentada até alunos que, muito educadamente, vão fazendo tudo o que lhe é solicitado, mas aderem de forma morna à disputa intelectual que lhe é proposta, e, verdadeiramente, não transformaram nada do que foi trabalhado na aula em conhecimento pessoal a partir do qual sejam capazes de pensar e de intervir no mundo.
E aqui estou do lado da Cristina. Se tenho 100 alunos, quero chegar aos 100 alunos, quero que os 100 atinjam os fins propostos para o ensino da Filosofia. É impossível? Há alunos que nunca irão lá chegar, nomeadamente por factores idiossincráticos? É certo. Mas isso não me impede de mobilizar todos os recursos científicos, didácticos e pedagógicos de que seja capaz. A mim incomoda-me tremendamente que uma (e basta que seja uma) das minhas alunas tenha chegado ao 10 º ano sem que lhe tenha sido diagnosticado uma dislexia tão severa que a aluna nem conseguia ler as legendas numa televisão; incomoda-me muito que um aluno faça inversões cognitivas (atribuindo a um conceito as propriedades de outro sem que disso se de conta), e se remeta o facto para “falta de estudo” ou “burrice” sem que se procure investigar se não há, realmente, nenhuma disfunção neurológica que esteja a interferir com os processos cognitivos, e assim sucessivamente. Em que medida estas preocupações pedagógicas interferem com o rigor filosófico do trabalho de aula. Nada, rigorosamente em nada. O que é bom é que não se continue a pensar que os alunos são todos iguais, que aprendem todos da mesma forma, que reagem todos aos mesmos estímulos, que estão todos auto motivados para aprender.
Maria Rodrigues

Anónimo disse...

Caro Anónimo,
não sabendo se foi ao meu comentário que se referiu e entendendo que foi, esclareco um ponto só:
" mas professores sem qualificações pedagógicas no ensino secundário é um perigo e o pior é que para si nem são necessárias, pelo que entendi, em primeiro lugar. "
No que me respeita, não afirmei o contrário. Aliás, se conhece a realidade do ensino em portugal sabe bem que o problema é precisamente o contrário e é o que o Desidério refere no seu texto: há pedagogia a mais e precisão de conteúdos de conhecimento ou científicos a menos. Qualquer professor sabe disto. Parece claro que não é razoável defender que os professores não precisam de formação pedagógica, mas que precisam é de formação científica. Mas será razoável defender precisamente o contrário? Nem 8, nem 80! E, curiosamente, o que passa na realidade portuguesa é precisamente o 80, que se revela um perigo, isso sim. Senão, vejamos pelos planos de formação de professores: mais de 50% das formações recaiem sobre competências pedagógicas. Mas por que raio de razão agora temos de defender que um professor de matemática tem de ser simultaneamente um pedagogo ou um psicólogo? De resto seria então melhor colocar os psicólogos e pedagogos a leccionar matemática. E de um outro ponto de vista não entendo a razão desta defesa da pedagogia, sendo que é das áreas menos práticas que conheço e com menos resultados visíveis. As melhores escolas e universidades do mundo investem mais em conhecimento do que em psicologia da educação e esta trabalha como auxiliar, não como central. Certamente a pedagogia e psicologia educacional tem muito a fazer pelo ensino e educação. Mas perigoso é pensar que a solução dos problemas passa somente por aí. De resto, tem sido o que os sucessivos Ministérios da Educação têm pensado e os resultados estão à vista de todos, pelo que a própria realidade desmente essa defesa perigosa que fazem das pedagogias como o sebastianico salvamento do ensino português.
Em conclusão: para discutir uma questão, é necessário que deixemos os nossos irritanços pessoais de lado e ofensas despropositadas. Sublinho: estou certo que a pedagogia e a psicologia educacional tem um importante papel a desenpenhar no ensino e educação, exactamente na mesma medida em que certo estou que, só por si, estes ramos do saber pouco ou nada fazem pelo ensino-educação.
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Eu gosto pouco de Americanices, mas, nas questões de ensino e pedagogia, creio que o modelo deles é o menor dos males.
Desde cedo, o curriculo dos alunos começa a ser tomado em conta, mesmo nas mais pequenas coisas. Cá em Portugal, diagnosticar uma "deficiência", de qualquer natureza num indivíduo, é meio caminho andado para estar de canudo na mão. Os professores têm de facilitar a vida a esses alunos, e eles progridem no sistema de ensino às custas desses problemas. Um aluno que por lá se declarasse como possuidor de uma "deficiência" na capacidade de aprendizagem, é logo posto de parte em termos de acesso às universidades mais importantes, e arrisca-se a ser segregado pelo sistema, e colocado em turmas com outros possuidores de problemas semelhantes.
Este benificio permanente de ser deficiente, a nível escolar, é uma fábrica de injustiças, pois a escola está lá para ensinar e avaliar os conhecimentos reais, e não, o esforço de cada um para obter esses conhecimentos. O ensino em Portugal é uma negação da evolução...
Quando acaba a escola, o "mundo real" deixa esses indivíduos para trás, e porque andaram uma vida inteira a esconder-se atrás de artigos, depois acham que temos de lhes dar tudo de mão beijada, quando a realidade é bem diferente.
Se bem que... Com as cunhas, muitos conseguem ir longe, mas isso são outras conversas.

Cristina Melo disse...

Sobre o comentário anterior , não era preciso muito estudo para detectar uma deficiência cultural, nem digo biológica, porque até pessoas com alguns tipos de incapacidade "biológica" podem detectar uma falha inteligência, para não dizer mais.

Desidério Murcho disse...

Só quero deixar uma nota à professora de filosofia, se ela ler isto. Gostei de ler o seu texto. Precisamos de ter mais professores como você com mais poder nas escolas.

Quanto às generalizações que faço, faço-as porque conheço muitas escolas e sei das dificuldades que tantos professores sérios têm quando tentam fazer coisas sérias; ao passo que qualquer tolice vácua é logo apoiada e aplaudida pelo ministério.

O que se passa com o ministério é que todas as medidas que eles tomam -- e basta ir ao site da DGIDC para o ver -- são só tolices e brincadeiras. Coisas sérias como promover seriamente o estudo e a leitura -- e apoiar os professores que tentam estimular os estudantes para isso -- não é coisa que se veja. O ministério da educação é o pior inimigo do ensino de qualidade. E se os seus efeitos não são piores é porque felizmente existem muitos, muitos professores muitíssimo dedicados e de elevado profissionalismo. Os mesmos que a ministra passa a vida a vilipendiar. Mas não são esses que o ministério apoia e não são esses que passarão agora a professores titulares, ou estou enganado?

Talvez eu devesse ignorar o ensino secundário e os seus problemas, publicamente, para não dizer asneiras. Afinal, eu nem sou professor do secudário, nem tenho filhos, e portanto nada tenho a ganhar ou a perder com a situação do ensino secundário. Preocupo-me com a situação porque contacto com muitas dezenas de professores de filosofia todos os anos. Mas talvez seja melhor ficar calado e fazer o meu trabalho.

Henrique Dória disse...

Ao ler estes comentários ocorre-me apenas que as coisas são bem mais simples do que as querem fazer parecer, e que medidas simples e lógicas conduzem a bons resultados

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