Uma das razões que explica o recente ressurgimento de manifestações de fundamentalismo religioso, vistas por muitos crentes mais sofisticados como uma forma inaceitável de religiosidade, é o pensamento pós-modernista, multiculturalista, relativista e falsamente crítico e libertador. Wolin tem sido um dos autores que mais se tem dedicado a analisar esta plêiade de ideias que, sob a aparência de radical crítica à sociedade contemporânea, são de facto profundamente conservadoras, dando abrigo a todos os tipos de fundamentalismos obscurantistas. Ao fazer a crítica dos ideais do iluminismo, crítica muitas vezes interessante, alguns pensadores pós-modernistas acabaram por radicalizar de tal forma as coisas que hoje é de bom tom, nos meios académicos e culturais mais frágeis, declarar que o Big Bang e os mitos gregos da criação estão ao mesmo nível — são ambos mitos.
A mundividência subjacente a estas ideias permite que qualquer tolice, que há trinta anos seria considerada mero conto de fadas, seja hoje encarada com seriedade, porque é uma “manifestação cultural” — e as manifestações culturais são tão boas umas como outras. Já em 1947, aquando da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Associação Antropológica Americana se declarou contra tal declaração por ser etnocêntrica. Na altura, isto caiu em saco roto, porque estas ideias relativistas eram ainda uma coqueluche de antropólogos. Hoje, estas ideias tornaram-se comuns — e é previsível que a Declaração não seria hoje aprovada por todas as nações, como o foi na altura, sem oposição.
Uma das consequências deste estado de coisas é que o pensamento fundamentalista, tradicionalista, irracionalista e ditatorial tem o campo aberto — pois as correntes de pensamento que tradicionalmente lutavam pela libertação dos seres humanos do jugo dos preconceitos e da irracionalidade são hoje os grandes aliados desse mesmo pensamento.
É hoje mais fácil combater o obscurantismo e o irracionalismo ao lado de pessoas religiosas mas que vivem a sua religiosidade de forma sofisticada e aberta, do que ao lado de quem adoptou as ideias relativistas, multiculturalistas e pós-modernistas. Pelo menos os primeiros têm a vantagem, que não é pequena, de aceitar que o modus ponens não é uma mera ficção cultural opressora.
domingo, 15 de abril de 2007
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56 comentários:
O Desidério apresenta uma explicação para um certo obscurantismo actual que talvez se aplique dentro de uma certa elite intelectual que lidera esse obscurantismo de forma deliberada.
Mas, entre o grosso da população e o grosso dos aderentes a esse obscurantismo, acho que a explicação é bem mais prosaica: é o falhanço total de um sistema de ensino sem pés nem cabeça. Um sistema de ensino que sistematicamente se adapta ao aluno em vez de adaptar o aluno ao ensino, resultando numa cada vez mais baixa expectativa.
Um ensino que procura ensinar conceitos avançados como o aquecimento global, o buraco de ozono, o Big Bang, sem primeiro lhes ensinar a matemática, a química e a física mais básicas que estão subjacentes a esses fenómenos.
Se me explicassem o Big Bang sem primeiro me explicarem a física que esteve subjacente à colocação dessa hipótese, também eu consideraria o Big Bang em pé de igualdade com qualquer outro mito criacionista.
Resolva-se o problema do ensino correndo com o eduquês das nossas escolas e verão que os neo-criacionistas cairão por terra aos pés da capacidade de pensar das pessoas.
Caro José Malaquias:
Desta vez estamos plenamente de acordo :-)
Aliás, pode confirmá-lo no post «De banha da cobra e obscurantismos sortidos
O que acho fascinante (estou a ser irónica) no relativismo é a "evolução" do conceito. Como é que de uma ideia segundo a qual os padrões culturais de uma cultura devem ser compreendidos à luz dessa mesma cultura, se passou para a ideia de que toda a teoria é cultura e, portanto, apenas relativa e avaliável dentro dessa cultura. Não estou a negar que a ciência seja um produto cultural na medida em que é produzida pelo homem. Mas, não consigo perceber como é que se consegue defender que uma teoria física ou matemática, ou das ciências sociais, tem o mesmo estatuto epistemológico que uma crença mitológica sobre a origem do Homem. Também não compreendo como é que se pode confundir a ideia segundo a qual uma prática cultural deve ser explicada à luz de uma cultura (por exemplo, a excisão genital feminina) com a ideia de que qualquer prática cultural deve ser aceite porque é relativa a uma cultura, indepentemente do mal ou do sofrimento que possa provocar.
Não concordo completamente com o José Malaquias. Creio que se deve ensinar física, biologia, matemática, etc. a todos os alunos e que se deve combater a ideia segundo a qual quem é de "letras" não precisa de saber de ciência e quem é de ciência não precisa de literatura para nada. Mas acho que é possível ensinar a pensar os fenómenos que referiu sem que se saiba de matemática, física, química, etc., embora seja desejável que se conheça dessas matérias porque só elas permitem um pensamento crítico devidamente fundamentado. Quando digo que acho que é possível ensinar a pensar, quero dizer, ensinar a distinguir uma teoria científica de uma teoria não científica e ensinar a estar a aberto a argumentos que se baseiam em conhecimentos que não se dominam à partida.
Maria Rodrigues
Caro Malaquias
Concordo parcialmente consigo. Concordo que precisamos de ensino de qualidade. Mas penso que não está a dar atenção à conexão entre a falta de qualidade que denuncia e bem no ensino e as doutrinas pós-modernas que eu denunciei. É precisamente porque os dirigentes do ministério pensam que estão a ser muito libertários ao adoptar medidas pós-modernistas que põem ao mesmo nível a literatura e a análise de regras de concursos televisivos. A ideia por detrás disto é: "tudo é texto".
Como o Desidério sabe muito bem, o relativismo não é de agora, mas sempre existiu, não sendo por isso uma invenção do pós-modernismo. A maneira como se refere a esta doutrina é uma caricatura do que ela representa e significa. É que os sofistas também eram relativistas; Pirro era um relativista; Hume era um irracionalista; Nietzsche era um relativista. Ora, o relativismo surge sempre em épocas de crise da Razão: foi assim na Antiguidade, foi assim na Idade Média com os nominalistas, e é assim também na modernidade. A pós-modernidade é, assim, apenas um outro nome para aquilo que se pode designar por crise da modernidade. Só quem pensa que os ideais iluministas não são um produto cultural e histórico é que não consegue ver que o pós-modernismo é resultado dos tempos (de crise cultural) em que vivemos, antes de ser uma corrente que contesta aqueles mesmos ideais.
E o mesmo se pode dizer do fundamentalismo. Não concordo, por isso, consigo quando afirma que o pós-modernismo é o grande responsável pelo ressurgir dos fundamentalismos. Não, a relação que estes têm com o relativismo pós-moderno é só uma: são duas formas diferentes de responder ao mesmo problema (histórico-cultural) e que é o da crise da Razão. Se há uma relação de causa-efeito entre estes fenómenos, o que se pode dizer é que tanto o relativismo como o fundamentalismo são consequências do esgotamento das possibilidades da Razão, enquanto fundamento da verdade. O que acabei de dizer é confirmado pela própria história da filosofia: perante o hegelianismo e a razão absoluta surgiram dois tipos de reacção que se opôem: a relativista de Nietzsche e a religiosa de Kierkegaard.
Já concordo consigo quando afirma que é mais fácil combater o irracionalimo através de uma união com os religiosos «abertos» (como você os definiu). E a razão para isso é simples: ao contrário dos relativistas, os religiosos «abertos» têm a crença de que há uma verdade. E nesta crença são acompanhados pelos iluministas e positivistas. Só que esta crença não tem nada de cientifico, e nessa medida não se distingue de outras crenças quaisquer. Tem as suas raízes em mitos, o que revela como a própria Razão não está imune à influência deles. A própria teoria do Big Bang é suspeita de ter resquicios mitológicos: desde o mito do eterno retorno ao da criação, é sempre possivel conciliar estes com aquele.
Aliás, da mesma forma que a questão da existência do Bem e do Belo é problemática, o mesmo se pode dizer da Verdade (as três grandes ideias platónicas). É que enquanto os dois primeiros são considerados mais do foro da subjectividade, a verdade é associada à objectividade. Ora, esta visão dicotómica da realidade é uma herança do cartesianismo e do iluminismo - e também do platonismo que dividiu o mundo em ideias e coisas. É uma visão datada no tempo, e que os séculos XIX e XX trataram de desmitificar. Porque o verdadeiro erro de Descartes é esta dicotomia filosófica, e não qualquer dicotomia fisico-psicológica. Assim, ao contrário do que os defensores do iluminismo pensam a sua concepção da realidade também está assente em preconceitos. Porque, como disse Gadamer, sem preconceitos é impossivel ter uma compreensão da realidade. Agora, como a ciência assenta no preconceito que estabelece a dicotomia subjectivo-objectivo, nunca poderá ser ela a determinar quais são os preconceitos a seguir e os que se devem rejeitar. Esta adesão é sempre do dominio da crença, e é nessa medida que não se distingue de outra qualquer visão do mundo.
Caro Luís Pedro
Não se pode confundir o relativismo pós-moderno com o estudo filosófico dos fundamentos da razão. São coisas completamente diferentes. O cepticismo radical defendido pelos gregos antigos, Sexto Empírico, por exemplo, nada tem a ver com os pós-modernistas. Porquê? Porque no Sexto encontramos ideias cuidadosamente formuladas e defendidas, e nos pós-modernistas encontramos poses fotográficas e ideias mal defendidas e ainda pior formuladas. Pseudofilosofia, em suma.
Mas o que me fez impressão na sua amável resposta foi a sua leitura da história da filosofia, que considero errada, apesar de conhecer bem as fontes bibliográficas que dizem mais ou menos o que você diz. Acontece que isso é uma caricatura da história da filosofia e da história da cultura.
Por exemplo, onde se fundamenta a ideia de que há uma crise da razão? Não vejo crise nenhuma. O que há é pessoas que não sabem pensar e que fazem disso uma filosofia. E o que há também é uma tentação constante para aceitar o relativismo cognitivo -- que, se for seriamente estudado, é interessante, como já referi no caso de Pirro.
O problema do relativismo pós-modernista nada tem a ver com estas grandes ideias e debates filosóficos, Pedro. É uma coisa puramente política. Trata-se de pessoas que dominam as decisões educativas e políticas de vários países e organizações importantes, e que pura e simplesmente impõem as suas perspectivas multiculturalistas, relativistas e niilistas, ao mesmo tempo que, ironicamente, dizem defender valores fundamentais.
Daí a importância do trabalho de Wolin. Ele mostra como este tipo de pensamento é fundamentalmente obscurantista, pelo que pôr nas suas mãos as decisões políticas e educativas não é muito sensato.
Desidério Murcho:
A crise da razão é atestada pelas reacções de Nietzsche e de Kierkegaard no século XIX (como eu disse), pela nova ontologia de Heidegger no século XX (que rejeita a metafísica da presença subjacente à visão cientifica), e principalmente pelo fracasso do positivismo, cuja doutrina reconhecia como válido apenas o conhecimento cientifico, e que se caracterizava pelo seu optimismo ingénuo em relação às possibilidades da ciência. Só que o século XX demonstrou que a ciência não cumpriu estes desígnios: nem a ciência consegue responder a todas as interrogações humanas, nem consegue resolver todos os problemas humanos (porque ambos não se reduzem à racionalização do mundo e sua manipulação).
A excessiva fé na ciência saiu abalada com o século XX, e isto apesar de todo o desenvolvimento tecnológico a que se assistiu. Mas se calhar esta aparente contradição é isso mesmo: aparente. A tecnicização crescente da realidade e da vida dos homens traduziu-se na sua manipulação e na progressiva desumanização da vida. O paradigma tecnocrático dominante não deixa espaço para a afirmação dos seres humanos, vistos como meras peças de um todo mecânico e instrumental. Daí que os homens procurem outras respostas para os seus anseios, sendo que a religião lhes oferece isso mesmo. As ideologias também o fazem, mas depois da «morte» destas (com o marxismo à cabeça) vive-se hoje num estado de acomodação e resignação potenciado pela ideologia dominante (mas que se considera uma não ideologia): o pragmatismo.
É este estado de coisas que revela a crise da razão e a crise cultural que eu referi. Assim ao vazio e à insegurança existêncial a que se chegou responde-se com as certezas absolutas da religião ou, em alternativa, com a descrença em qualquer visão filosófica do mundo. É por isso que o pós-modernismo é mais uma consequência do modernismo do que uma causa do regresso dos fundamentalismos (como você afirmou). Quanto ao aspecto político-educativo que referiu, não nego que a filosofia da educação siga determinados pressupostos pós-modernos. Só que antes disso ela está subordinada à tal visão tecnocrática, economicista e mercantilista da vida (o que não deixa de ser uma visão e um resultado da modernidade). O ensino quer-se, antes de mais, adaptado às exigências do mercado. O niilismo educativo é também ele um reflexo do niilismo pragmatista que reina na sociedade de mercado, que precisa de «pessoas»-instrumentos para funcionar. É que, hoje mais do que nunca, qualquer política (seja ela a educativa, seja a da saúde, ou outra qualquer) procura adaptar-se às ditas leis liberais da economia.
Caro Luís Pedro
Eu não acho que exista tal crise da razão. Acho que afirmar isso faz parte de um certo discurso obscurantista, que não tem outro meio de se afirmar excepto dizendo coisas vagas como "a Razão morreu". Não morreu nada. Está viva e recomenda-se.
Note-se que os autores que refere eram basicamente fascistas ou fascizantes, ou pelo menos são lidos como tais -- mas para fazer passar a mensagem têm de se apresentar como críticos libertários da sociedade tecnicista que escraviza a humanidade. Quem escraviza é o pensamento dos obscurantistas que declaram que a Razão morreu -- para poderem assim escapar à crítica directa, para poderem escapar à confrontação de ideias. Por exemplo, como é que se pode discutir se Heidegger tem razão se nem se percebe que raio está ele a dizer? Pois. A ideia é mesmo essa.
Caro Desidério,
Estou em total acordo com o Luís Pedro (parece que partilhamos as mesmas referências).
A leitura que fazes revela sobretudo desconhecimento dos tais pós-modernistas, e insere-se nas nos lugares comuns que abundam da parte de pretensos criticos (sobretudo à direita) destes. Isto parece-me evidente quando escreves: "e nos pós-modernistas encontramos poses fotográficas e ideias mal defendidas e ainda pior formuladas. Pseudofilosofia, em suma".
Esta afirmação é de uma superficialidade tremenda e agrupa um conjunto de pensadores de tal maneira vasto que perde toda e qualquer pretensao ao rigor. Heidegger e Gadamer são pós-modernistas? E Adorno? Todos estes fazem uma critica da razão. Será que faz sentido agrupá-los?
Esse agrupamento arbitrário e superficial revela acima de tudo uma cegueira e incapacidade de entendimento de uma certa forma de pensar. O livro de Wolin é bem intencionado, mas critica Heideggers e companhia de forma instrumental e não pela legitimidade (ou falta dela) intrinseca das suas ideias (rejeita porque acha que elas são perigosas e não porque sejam plausíveis).
Eu até moderava a minha reacção a estes tipo de posts, mas estou farto destes simplismos que pretendem desqualificar toda uma tradição de pensamento (a tal que há uns tempos chamei "tradição continental") sem qualquer conhecimento de causa.
Desidério,
O comentário que fazes sobre a falta de claridade de Heidegger é infeliz E NÃO FICA NADA BEM A UM DOUTORANDO EM FILOSOFIA. Já o tentaste ler?
Sabes quem é Hubert Dreyfus de Berkeley? É alguém que, usando Heidegger e Merleau Pontypos em causa a viabilidade da Inteligência Artificial enquanto área de investigação como um todo (ele critica a primazia do conceito cognitivo de inteligencia que esta por tras destes estudos). Ele é levado a sério por alguns estudiosos de IA que tentam defender esta área das criticas Heideggerianas de Dreyfus.
Se não gostares de Heidegger podes senmpre ler Gadamer. Em relação a este não faz muito sentido dizer que é ilegível
E que tal uma critica sustentada de Heidegger para fundamentar a tua posição? Acho que só te ficava bem, sobretudo para alguém que se identifica com pensamento rigoroso e aberto...
Até lá, as tuas afirmações não passam de simples preconceitos...
Eu não disse que não valia a pena estudar Heidegger. Disse que é obscuro -- algo que qualquer pessoa aceita. Nem disse que não tem valor e não vale a pena estudá-lo.
Mas por que razão haveremos de aceitar que há uam crise da razão? Só porque muita gente de peso o afirma? E os outros que o negam?
Pura e simplesmente, estou a dizer isto: os estudantes levam com uma lavagem ao cérebro que os faz perder sentido crítico. Aceitam afirmações polémicas, e leituras polémicas da história das ideias, como se fossem pacíficas e óbvias.
Não estou a dizer que não se estudem tais autores. Mas devem ser estudados com o mesmo sentido crítico com que felizmente lêem as minhas ideias. E devem perguntar-se se os pressupostos destes autores são aceitáveis, se as leituras que fazem da história da filosofia são fidedignas, etc.
O Desidério desculpe lá, mas em relação à questão da crise da razão não contestou nada daquilo que eu disse. Limitou-se a discordar que se verifica essa crise (mas não justificou tal discordância), e a definir este discurso como obscurantista e vago. Não acha que está a incorrer no defeito que aponta aos outros?
Quanto aos autores em causa convém lembrar que Nietzsche não é nenhum fundador do Nazismo (ele era anti-nacionalista e critico dos anti-semitas, como foi o caso de Wagner), tendo os seus escritos sido deturpados pela sua irmã e por Hitler (como é sabido, e como o Desidério também deve saber). E é conhecido que Heidegger aderiu ao nazismo, mas não me parece que a sua ontologia seja uma qualquer apologia desta ideologia. Foi um dos maiores filósofos do século XX, como foi o Wittgenstein «I», talvez um autor mais do seu agrado.
E o João Galamba tem razão: se alguém aqui parece que tem preconceitos em relação a certos autores e está a prescidir do espírito critico é o Desidério, pois, pelos vistos, discorda ou concorda com determinadas ideias consoante o posicionamento político dos seus autores. Por esta ordem de ideias, Mircea Eliade é um outro autor a evitar já que também concordou com as ideias fascistas.
Quanto à maior ou menor dificuldade em perceber Heidegger, talvez seja bom lembrar que o distinto e claro Descartes foi mal entendido por um cientista português conceituado. Portanto...
Já agora, gostava de saber a sua opinião acerca do último post do blogue «Que treta» com o título «Dimensões da Razão». Na minha opinião aquele post só confirma o que eu disse, nomeadamente a ideia de que há quem tenha uma fé extrema nas possibilidades da ciência, revelando um total desprezo por qualquer outro discurso, inclusivé o filosófico, visto como irrelevante. Mas também não foi o Wittgenstein I que afirmou que a função da filosofia é apenas clarificar e analisar a linguagem?
Luís Pedro
Eu nunca disse nem que Nietzsche era fascista nem que Heidegger o era. O que eu afirmei há correntes de pensamento que se apresentam como libertários e que de facto são obscurantistas — e identifiquei vagamente essas correntes, sem falar em autores. Fi-lo de propósito porque acho que os seguidores desses autores são mais papistas do que o papa.
Por outro lado, coloquei em causa o que para si é óbvio e intocável: que há uma crise da razão. Eu não vejo crise nenhuma, nem sinto necessidade de acreditar em tal coisa só porque uns filósofos disseram isso. Não estou a dizer que não seja possível tornar tal ideia plausível, mas não conheço quaisquer boas razões para o aceitar.
O que eu sei que acontece é que os estudantes são alimentados destas ideias que aceitam acriticamente. Alguma vez se tinha perguntado se acaso realmente houve uma crise da razão? E por que razão não podemos pôr isso em causa? É proibido?
O problema é que estes autores e sobretudo o modo dogmático como são por vezes leccionados fazem uma lavagem ao cérebro aos estudantes. Uma pessoa normal lê certas enormidades e pensa que são mesmo enormidades; mas um estudante adequadamente “formatado” acha-as a coisa mais óbvia do mundo. Por exemplo, será que Heidegger realmente superou a metafísica tradicional? Como fez tal coisa, exactamente? E se isso aconteceu, por que razão se fez mais metafísica nos últimos 30 anos do que nos dois séculos anteriores? E por que razão havemos de aceitar que havia algo de errado na metafísica tradicional, que Heidegger “superou”? Eu acho que isto é em si uma perspectiva positivista: a ideia é que é preciso reinventar a filosofia porque foi ultrapassada pela ciência. Mas eu não acho tal coisa. Acho que a filosofia tradicional está bem e recomenda-se.
Quanto ao desprezo pela filosofia por quem nada conhece da bibliografia fundamental, é-me indiferente. Como filósofo, compete-me fazer, ensinar e divulgar a filosofia. Quem quiser, compra. Quem acha que é banha da cobra, não compra. Como filósofo, não tenho complexos de inferioridade em relação à ciência.
Ora vejamos:
Gostaria de pedir ao Desidério o favor de explicitar, ou clarificar, a relação entre o pós modernismo e o fundamentalismo. Prima facie, não me parece que o relativismo possa ser entendido como uma "causa" , ou condição filosófica que propicie o fundamentalismo. Devo dizer que o senhor Wollin simplesmente não conhece o pós modernismo ao qual se refere na sua obra. Tenho muita dificuldade em imaginar o pos modernismo a facorecer o fundamentalismo. Gostaria de ler uma explicação mais pormenorizada.
O sr Desidério parece também confundir o relativismo com o niilismo. São coisas distintas. Quais são, já agora, as tolices de outrora que são as coisas sérias de hoje. Cite algumas por favor.
O sr Desidério, e o Sr. Wollin (pelos vistos) evidenciam uma prodigiosa ignorância da história da filosofia. O problema do relativismo antecede Platão, quando Protagoras o formula pela primeira vez. Ignora também o facto elementar de que o relativismo, ou multiculturalismo e, alas, até o pos modernismo não surgiram de um buraco negro misterioso. Emanaram dos principios e praticas que o Desidério considera fundacionais. O universalismo do iluminismo, salvo raras excepçoes, nunca foi absolutista. A ideia de que qualquer tolice é hoje encarada como uma seriedade é uma tolice. Seremos todos tolos? O que esta tese parece reflectir, de forma clarividente é o seguinte: trata-se de uma forma de ostracizar o post-modernismo através da sua associação ao fundamentalismo. Uma manobra duvidosa, mas fico a aguardar as explicações do Desidério. O campo aberto? Será este campo aberto a juventude pluralizada dos nossos dias (os que praticam Yoga de manha, ouvem hip hop à tarde, convivem com pessoas de todas as etnias e religioes sem qq prob etc???
Ezequiel
Bem, vou ler o livro antes de o tentar criticar.
Depois venho cá dar a minha opinião.
Cumps
Caro Desidério:
Mais uma vez fazes algumas afirmações que carecem de qualquer fundamento. De onde tiras a história de "lavagem ao cérebro" e dogmatismo do tal pós-modernismo (eu acho esta designação pouco útil, mas para os propósitos deste comment, serve)? Se isto não é um tremendo preconceito...
Há algo que me parece superior na tradição que tu rejeitas: há uma tentativa de interpretar historicamente o aparecimento de certos discursos filosoficos, conferindo-lhes sentido (não há apenmas "perguntas naturais", o modo de perguntar mudou...A certeza imediata da autoconsciencia de Descartes que funda a modernidade -mais ou menos- não é evidente, não "esteve sempre aí à nossa espera...) e fugindo à mui famosa "intuição" ou auto-evidência (sempre que falha um argumento usa-se o parece-me evidente, ou coisa do género).
Mudando de assunto, Heidegger é obscuro porque para dizer o que ele diz precisa de uma linguagem inovadora. Mas, e aqui vais-me desculpar, Ser e Tempo é muito claro e, na minha opinião, continua-se a fazer metafísica (ou aquilo que tu chamas metafísica) apenas porque a filosofia se hiper-especializou e há uma parter do mundo que continua alegremente com a sua vidin ha como se Heidegger ou Wittgenstein não tivesse existido. Este argumento valeria de pouco se eu conhecesse argumentos (e não preconceitos ou meras petições de principio cheias de circularidades viciosas) que lidassem verdadeiramente com os desafios destes autores.
QUal a tua opinião sobre o background prático de todo o conhecimento (a rejeição da Theoria Platónica como modo primordial de fazer filosofia) defendido pelas pragmatistas americanos, Heidegger, ou Wittgenstein? Ignoras os seus argumentos? Ou lidaste com eles de forma séria e consideras que não são satisfatórios?
Um exemplo de criticas falhadas porque não conseguem questionar os seus principios: Thomas Nagel
A critica de Nagel a Wittgenstein e a Rorty (acho que ele nem se atreveu a lidar com Heidegger) não faz mais do que acusar estes autores de rejeitarem o que Nagel pressupõe ou acha que deve ser pressuposto. O argumento de Nagel é circular and begs de question (e é de uma circularidade diferente de algo como o Hermeneutic Circle...)
Enfim...
João: falo de lavagem ao cérebro porque os estudantes aceitam impávidos as afirmações mais extraordinárias, abandonando todo o seu sentido crítico.
Acho óptimo que não concordes com os argumentos de Nagel, mas deves aplicar exactamente a mesma exigência crítica aos autores com os quais concordas.
A designação "pós-modernismo" é muito interessante. Quando serve para dar cacetada em qualquer coisa sensata -- como a ideia de que o modus ponens é válido -- serve perfeitamente para dizer que isso é um dogma moderno, mas hoje foi ultrapassado. Mas quando se começa a discutir e a desconstruir o pós-modernismo, subitamente até já nem há autores pós-modernos. Aldrabice, é o que é.
Desidério,
Continuo a achar que as tuas afirmações são superficiais e injustas para muitos autores (sobretudo os que identificam com a hermeneutica).
Eu defendo a prioridade do significado sobre a validade, e que este é prático e holistico (o background de Heidegger e Witt, por exemplo). Ou seja , a interpretação (entendida como condição de possibilidade) precede e não pode ser entendida recorrendo à logica formal.
Eu só gostava de ver uma critica que tu consideres que responda ao pensamento (a meu ver, devastadoras) destes autores. Até lá a tua posição não passa de mero preconceito que revela alguma cegueira.
João, tens de separar duas coisas:
1) Estudar o autor X ou Y
2) O que os seguidores de X ou Y fazem com os mestres
O que eu digo é isto: relativamente a 1, estude-se seja que autor for, temos de estudar com sentido crítico. E o problema é que se costuma ensinar certos autores como Verdades Absoluta
Relativamente a 2, como explica Wolin, alguns autores pretensamente libertários são usados de forma que sustentam o obscurantismo.
Nem 1 nem 2 tem nada a ver com o que estás a dizer. Acho muito bem que se critique seja o que for, o Nagel ou a lógica ou o Heidegger ou o Russell ou o Carnap ou o Gadamer. Mas temos mesmo de criticar todos os autores com o mesmo sentido crítico.
Caro Desidério,
Já li algumas páginas do livro de Wolin, que já encomendei, na amazon. Na pagina 5, Wolin cita a célebre frase de Foucault "O Homem morreu." Não explica o sentido da frase. Cita e, não explicitando o significado contextual (ou seja, o significado eminentemente filosófico de homem-concebido em termos cartesianos, do sujeito cognitivo fundador, como a condição, ou causa, ontológica primordial) ficamos com a impressão que Foucault defendeu uma posição niilista. Ora, a morte do homem é a morte do sujeito cartesiano ou kantiano. Não é morte do homem no sentido literal, mais amplo, evidentemente. Isto não é um principio muito auspicioso. Comparar, ainda que subrepticiamente, Derrida, Deleuze e Foucault a de Maistre é obra!!! Nenhum deles foi conservador nas suas ideologias. O célebre apoio de Foucault à revolução Iraniana aconteceu antes da deriva teocrática-totalitária. A revolução iraniana congregou diversos movimentos, muitos deles marxistas, feministas e até liberais que foram enganados e usados pelos extremistas religiosos. A filosofia de Foucault foi a antitese do totalitarismo. A sua analise sagaz dos processos sociohistoricos que permitem a constituição do totalitarismo(os jogos da verdade, a critica das teorias totalizantes, a propria critica devastadora do conceito da totalidade etc etc) Para não falar de Derrida e Deleuze que foram resolutamente anti-totalitarios. O vitalismo de Deleuze, a logica rizomática, a sua obsessão com a multiplicidade e a diferença..não tem nada que ver com qualquer obscurantismo ou fundamentalismo religioso. Nietzsche detestava a mentalidade de massas. Detestava a massificação. Glorificou a criatividade artistica. Quanto a Heidegger, poder-se-ia argumentar que a transformação da morte em experiencia expectante que "confere" autenticidade ao ser é uma manobra algo morbida. Todavia, não é a morte que é glorificada mas a apreensão genuina do ser que resulta do reconhecimento da finitude que propicia o aí-ser, o ser-aí (a não transcendalização da experiencia ou, s epreferires, a re-transcendentalização imanente da experiencia-o significado de transcendencia modificando-se, evidentemente). A interpretação da obra de Heidegger não é fácil. Mas não é incompreensivel. Michel Haar é alguem, entre muitos, que conseguiu interpretar o essencial na obra de Heidie de forma clara e fidedigna (na minha opinião melhor do que Dreyfus, porque Dreyfus nunca abandona um vocabulário quase cientifico, um tanto ou quanto mecanico, na sua abordagem ao pensamento Heideggeriano. Embora, como diz, e bem, o Sr. João Galamba, Dreyfus é muito esquemático e elucidativo) John Sallis, Taylor Carman e Charles Guignon são alguns dos muitos grandes interpretes Americanos do pensamento Heideggeriano. Imagino que os conheça mas como não posso ter a certeza, permita-me que lhe deixe aqui estas refs.
http://www.amazon.fr/Heidegger-lessence-lhomme-Michel-Haar/dp/2905614390/ref=sr_1_5/171-0807326-4403406?ie=UTF8&s=books&qid=1176849495&sr=1-5
O Desidério afirmou que os autores que eu referi eram fascizantes. Ora, os autores que eu referi foram Nietzsche, Heidegger (os dois conhecidos por essa habitual associação) e Kierkegaard. Como pode agora, no seu último comentário, afirmar que não disse nada disso?
No que diz respeito à crise da razão, aquilo de que o Desidério me acusa, isto é, que para mim aquela é óbvia, aplica-se também à sua tese, já que o que é óbvio para si é que ela não existe. Só que eu procurei justificar aquilo que disse, enquanto o Desidério voltou a não refutar nada do que eu afirmei, e limitou-se a expor as tais ideias «obscuras» (que rejeita) em apoio da sua tese, nomeadamente a ideia de que os estudantes são alvo de lavagens cerebrais.
E é claro que se pode pôr em causa a tese de que há uma crise da razão. Não é proibido. Mas voltamos ao mesmo: para isso é preciso apresentar argumentos, coisa que você não fez.
E desculpe lá, se os estudantes andam a ser formatados para alguma coisa é pela cultura cientifico-tecnológica. Toda a aprendizagem está orientada (melhor ou pior) para a formação e preparação de pessoas capazes de dominar as técnicas e metodologias cientificas existentes e emergentes. As disciplinas que estão em risco de desaparecer do currículo dos alunos são as ligadas às humanidades, a começar pela disciplina de Filosofia. E não admira: é que tendo em conta o que acabei de dizer aqueles que afirmam que a Filosofia não serve para nada têm toda a razão!
Assim o que se verifica é o contrário daquilo que afirmou: pouco interessa desenvolver o espírito critico dos alunos e que estes se interroguem acerca do mundo em que vão viver o seu futuro; o que interessa é que eles sejam capazes de responder às exigências que o espírito cientifico-tecnológico e o mundo mercantil impõem. O que interessa, pois, é que as máquinas de produção humanas funcionem. Hoje a palavra de ordem é produtividade. Tudo o resto é secundário.
O que a metafísica tradicional tinha de errado está expresso numa frase que para o Desidério é talvez «vaga» e «obscura» e que foi proferida por Nietzsche: «O cristianismo é o platonismo do povo». É que não vale a pena ter uma posição ateísta, mas depois esquecer que a metafísica subjacente à visão cientifica do mundo se caracteriza pela mesma busca de uma entidade fundadora e originária. A alegoria da caverna e a procura pela luz aplica-se tanto à religião como ao cientismo. Deus não existe, mas a Luz existe?
Caro Luis Pedro
Penso que se trata de associar - de forma gratuita - sem qualquer argumentação coerente, o fenomeno do pós-modernismo às malaises do obscurantismo e fundamentalismo religioso. Dois coelhos com uma paulada...só que a melhor forma de combater a razão totalitaria e absolutista sempre foi o PLURALISMO, a multiplicidade, a diferença....Portanto, se o objectivo é combater o fundamentalismo...isto é um grandesssissimo tiro no dedo grande (do pé direito) É possivel vislumbrar hipoteticamente alguns argumentos que poderiam ser invocados e prontamente negados mas o Desidério abandona-nos aqui, murchos, sem qualquer estimulo. Bolas, poderia pelo menos citar os argumentos do Wolin. Não leu o livro? Que chatice! Assim não vale a pena. Não meto cá mais os pés.
Au revoir Desidério. Bonne chance!
Caro João
Não me interessa o cientismo, com o seu falso pragmatismo pacóvio, nem me interessam os delírios místicos e desconstrucionistas. Interessa-me a ciência e a reflexão séria sobre a ciência, tal como me interessa a religião e a reflexão séria sobre a religião.
Interessa-me a compreensão das coisas e a discussão honesta.
Quando os autores são tão radicais ao ponto de porem em causa a própria possibilidade da discussão das coisas, tornam-se aliados do obscurantismo.
Esta é a tese que não estás a discutir. Isto nada tem a ver com a decisão de estudar ou não tais autores. Eu acho que devem ser estudados, mas criticamente. Quando estes autores são encarados como a Verdade, é a negação do próprio pluralismo que o Ezequiel está a defender. E é isto que está em causa. Ninguém está a defender que tais autores não devem ser estudados. O Wolin não tem feito outra coisa senão estudar estes autores ao longo de anos.
Eu compreendo que quem não está habituado a pensar criticamente e aceita acriticamente o que diz Foucault só porque é o Foucault se sinta algo incomodado com Wolin. É por isso mesmo que Wolin é importante. Para pôr em causa certezas confortáveis.
Pegando no último ezequiel, só uma pergunta muito simples: Desidério, podes explicitar sumariamente as relações causais entre "relativismo" e "fundamentalismo" religioso? Para o efeito, podes usar até uma versão de pacotilha de "relativismo" (tipo: todas as verdades são iguais, equivalentes, etc.); mas explicita por favor como é que isso se relaciona com "Há só uma verdade, nem que tenha que ser à bomba".
Por outro lado, este género de debate, este género de acusações, curiosamente, é também muito formulado pelos mais... fundamentalistas. Por exemplo, e desculpem a superficialidades, é assim que o status quo ratzingeriano trata as perspectivas católicas mais liberais -- são "relativistas", acham que as diversas religiões são formas de contactar a verdade divina, esquecem-se que só Deus e Jesus Cristo é que contém a verdade, etc.
Desidério,
Isto já vai longo, e continuo sem perceber onde foste buscar essa ideia delirante de que as pessoas aceitam o Foucault de forma acritica (o que é que queres dizer com isto, exactamente?). EU também te posso dizer que aceitas a problemática sujeito-objecto ou a epistemologia de forma acritica, e que só acriticamente se podem levar essas áreas a sério. Ou que só ignorando (assobiando para o lado)livros como as Investigações Filosóficas, Fenomenologia do Espirito, Filosofia e o Espelho da Natureza, ou Ser e Tempo, se pode continuar a achar que essas áreas filosoficas e suas perguntas fazem sentido .
A critica do Wolin é filosoficamente incipiente (ele é sobretudo um historiador) e falha o alvo. Ver o que Rortym escreveu sobre Wolin. Ele acha que este tem o coração no lugar certo (politicamente é um tipo fixe) mas filoasoficamente não faz mais do que julgar um conjunto de ideias pelas consequências que ELE ACHA que elas terão. Se isto é filosofia...
Mais, quando largas aquelas superficialidades como "em época de relativismo pós-moderno" esqueces-te que se há alguém que combateu filosofos pós-modernos (ou o lado mais Nietzschiano do pensamento continental), e o tenta fazer de forma consistente (porque partilham uma certa tradição e aceitam certos pontos de partida comuns) é a hermeneutica (que para ti também devia ser considerada pós-moderna relativista , pois nega , entre outras coisas, a objectividade e a teoria da verdade enquanto representação correcta da realidade) de autores como Ricoeur, Taylor ou Gadamer.
Quase tudo o que leio da área analítica sobre filosofia continental é um conjunto de mal entendidos, insultos, lugares comuns que demonstram a falta de sensibilidade e abertura de certos autores
Olá, Gonçalo
Obrigado pelo seu comentário. Partamos do seguinte:
A racionalidade é uma treta. Não há "a verdade" só há mitos. Tudo é relativo, toda a gente tem razão. A ciência é apenas mais uma religião, com os seus mitos e rituais.
Juntemos a isto ataques sistemáticos à sociedade liberal, acusada de ser capitalista, opressora, logocêntrica, etc.
O que temos como resultado? Bom, se a racionalidade é impotente para dizer o que é justo ou injusto, o que é bom ou mau, o que é verdadeiro ou falso, então resta outra coisa qualquer. Que outra coisa? A voz do sangue, da tradição, da religião. Ergo: fundamentalismo.
Caro João:
O problema não é discutir se a dicotomia sujeito/objecto é correcta ou não. O problema é pegar em 3 ou 4 livros e declarar que tais autores "demonstraram" que tal dicotomia está errada e é para esquecer. Este é o problema: a recusa em discutir que tal dicotomia seja defensável. Apenas se pressupõe que é indefensável. O problema é não se pensar que os argumentos contra ela possam ser analisados cuidadosamente, e possam ser fracos. Dado que estas ideias conduzem rapidamente à intolerância e ao fundamentalismo é muito preocupante que tantos estudantes de ciências sociais e humanas, e de filosofia, aceitem estas ideias acriticamente.
Na propaganda nazi defendia-se que a verdade científica não poderia ser estabelecida através de métodos «judaicos» como a investigação empírica ou a submissão de hipóteses a testes experimentais; as ciências da natureza tinham de ser «espirituais», enraizadas no espírito natural do Volk. Os judeus, defendia-se, abordavam o mundo natural por meio da razão, mas os verdadeiros alemães alcançavam uma compreensão mais profunda por meio do instinto criativo e do amor pela natureza.
Se o relativismo significa desprezo por categorias fixas e por homens que declaram ser os portadores de uma verdade objectiva imortal, nada há de mais relativista do que as atitudes e actividades Fascistas.
As duas citações anteriores dão uma ideia daquilo que eu estava a dizer. Espero que agora seja mais claro.
Desidério,
eu não peguei em dois ou tres livros. Eu (lendo, discutindo, revendo ideias, encaminhando o meu pensamento/referências numa det. direcção) achei que só transcendendo essa dicotomia podemos escapar a todas as aporias que do idealismo quer do realismo. É esta dicotomia que gera as aporias conhecidas (e sem solução) e foi Heidegger (para alguns foi Hegel - por exemplo, Jay Bernstein) que transcendeu estas oposições e chego a uma nova sintese onde nada disto faz muito sentido. O seu novo e "obscuro" vocabulário permite evitar dicotomias tradicionais da filosofia sem cair nos excessos dos Nietschianos. Eu acho que Nietzsche é um bom critico da tradição filosofica ocidental, mas como opera dentro do esquema mental do mesmo, apenas o inverte. Só Heidegger ousa transcendê-lo, sem com isso rejeitar noções como "razão" ou "verdade". O que acontece com Heidegger é que estas noções assumem outro significado ("razão" não é uma faculdade legislativa que opera segundo um método generalizável; e verdade é antes do mais "disclosive" e não tanto representativa, ou seja vai ao termo grego "aletheia" e não tanto ao romano "veritas").
A filosofia Heideggeriana permite que áreas "cientificadas" como a filosofia da linguagem recuperem a sua dimensão humanista, preocupada com significado e interpretação e condenam qualquer estudo objectivista da linguagem ao fracasso (aqui o pensamento de Wittgenstein faz algo semelhante, mas menos construtivo).
Nada disto consiste em asserções não justificadas. Isto resulta de um estudo aprofundado e historicamenter sensivel da filosofia bem como uma postura critica dos seus próprios pressupostos (que a filosofia analítica simplesmente ignora -qual a resposta da filosofia analítica à nova ontologia de Heidegger, para além dos disparates de Carnap?).
A hermeneutica entende o que os outros fazem e debruça-se sobre quais os pressupostos não tematizados desses. Problematiza-os , historiciza-os e propõe novas formas de pensar (rejeita formalismos e a obsessão com teorias formais). Eu acho mais interessante, filosoficamente mais robusto (menos "rigoroso", certamente) e em dialogo com outras áreas (historia, politica, arte, ,...). A "outra filosofia" e sua hiper-especialização tem contribuido para a esterelização da filosofia e seu isolamento intelectual.
As tuas duas citações padecem do mesmo mal que o pensamento de Wolin: não provam nada (podemos dizer que o romantismo é condição necessário para se ser fascista mas não é certamente suficiente) nem constituem mais do que uma defesa instrumental de posições que se querem Verdadeiras (contradizendo-se necessariamente)
Sugiro que leias o que rorty escreve sobre wolin (http://www.thenation.com/doc/20040614/rorty)
Eu discordo de muito do que rorty escreve (a meu ver ele não dá o "salto" que transcende Nietzsche e, por isso, ainda anda à sombra do tal Platonismo que ataca...)
...mas a sua critica de wolin toca em pontos que me parecem importantes. Vou tentar arranjar tempo para escrever um post sobre esta nossa discussão...
um abraço,
joao
"Quando estes autores são encarados como a Verdade, é a negação do próprio pluralismo que o Ezequiel está a defender. "
Bem, o que eu já percebi é o seguinte: O Desidério não pode conhecer os ditos autores. Nenhum deles defende o conceito univocal da Verdade. O facto do Wolin os ter estudado não quer dizer rigorosamente nada. Estudou-os mas, pelos vistos, não os compreendeu: até os mais severos criticos de Derrida, Deluze e Foucault (como Taylor e outros) reconhecem que o pluralismo e-ou o "nominalism" são caracteristicas essenciais do pensamento destes autores. Pondo o meu gorro de Sherlock, eu gostaria de descobrir o seguinte: onde é que o D foi buscar a ideia que eu, ou qq um dos outros comentadores, acreditamos em Foucault "só porque é o foucault." Isto não é um argumento. É uma acusação rasca. Alem disso, Foucault não deve se sentir incomodado por coisa alguma, incl Wolin. Já não está entre nós.
João, já agora, será que poderias clarificar isto?
"Eu defendo a prioridade do significado sobre a validade, e que este é prático e holistico (o background de Heidegger e Witt, por exemplo). Ou seja , a interpretação (entendida como condição de possibilidade) precede e não pode ser entendida recorrendo à logica formal. "
Dois argumentos sobre precedencia ou "priority": do significado e da interpretação. Gostaria apenas de clarificar uma incongruencia (existencial, e não formal) que me parece interessante interessante. Estou curioso para saber se o background escolhido é ontologico ou ontico (uma distinção que Dreyfus discerne, mas que não compreende, a meu ver) Recordemos que Heidegger reserva os termos "ontologia fundamental" para algo que se manifesta nas praticas mas que as transcende, na sua constituição essencial. Esta pragmatização excessiva de Heidegger também gera alguns problemas. Outra coisa, relacionada com a tensão ou relação que refiro entre ontico e ontologico: afirmar que aletheia é uma experiencia reveladora do mundo, até empiricamente, não é o mesmo que dizer que é a verdade. A verdade apresenta-se na aletheia mas a aletheia NÃO é uma verdade ou verdade. É uma relação COM a verdade, que emerge do mais intimo do ser. É um territorio sinuoso. Aqui as distinções são escorregadias. Uma tem a ver, como dizes e bem, com a revelação (aletheia) e a outra com Veritas (correspondencia entre proposições e estados de coisas). Fico-me por aqui. Por ora.
"Em sentido grego, o ue é verdadeiro , de modo ainda mais originario do que logos acima mencionado, é a simples percepção sensivel de alguma coisa (sobre a qual nao se passou qq juizo, parenthesis é MEU) ...Verdadeiro , no sentido mais puro e originário, isto é, no sentido de só poder DESCOBRIR e nunca poder encobrir, é o puro voeiv, a percepção que percebe singelamente as determinações mais simples do ser dos entes como tais...esse voeiv nunca poderá encobrir, nunca poderá ser falso, o maximo que pode acontecer é não haver percepção...é nao ser suficiente para ACESSO adequado, puro e simples..." Ser e Tempo p.73
Pano para mangas?!
desculpas, não vos quero maçar...
"Avishai Margalit e Ian Buruma disse...
Na propaganda nazi defendia-se que a verdade científica não poderia ser estabelecida através de métodos «judaicos» como a investigação empírica ou a submissão de hipóteses a testes experimentais; as ciências da natureza tinham de ser «espirituais», enraizadas no espírito natural do Volk. Os judeus, defendia-se, abordavam o mundo natural por meio da razão, mas os verdadeiros alemães alcançavam uma compreensão mais profunda por meio do instinto criativo e do amor pela natureza."
Não confundas propaganda com argumentação. O que isto demonstra é a diabolização dos Judeus pelos nazis, e pouco mais. Poderiamos falar tambem da espiritualização da ciencia e não nos podemos esquercer que a technik experimental, pura e dura, esteve também ao serviço dos nazis. Os Judeus também cultivam a espiritualidade (há 3 milenia, pelo menos). E de que forma! A espiritualidade por si, não é perigosa. Nem o romantismo, per si. Herder era um nacionalista devoto, mas não era totalitário, tanto quanto sei. Daqui a pouco Levinas é considerado totalitário por Wolin.
Ou seja, uma coisa é a adoração da comunidade, cultivada por muitos liberais puros e duros, e outra, bastante distinta, é a forma política que esta adoração assume. A relação existe mas não é necessariamente de cariz totalizante ou fascizante. Podemos adorar a nossa cultura, a nossa comunidade, sem cair na dicotomia Schmittiana do nos versus eles.
este é mesmo o ultimo comentário, Caro Desidério.
Então não há uma crise da razão??? Eu sempre pensei que a filosofia, desde os seus primordios, é uma sucessão imensa e proficua de crises, rupturas, diferenças, implicações etc que coexistem com alguma precariedade. Não seria despropositado considerar a filosofia, incl a filosofia da ciencia, como uma crise continua, produtiva e coerente é certo, mas sempre animada pelo "espirito critico" (como tu afirmas e bem). Ora, o espirito critico não tem uma identidade inquestionável e imutável: assume diversas formas no tempo. Se alguem conseguisse provar que existe um critério absoluto da racionalidade critica, a racionalidade deixaria de ser critica e transformar-se-ia em dogma.Ou seja, deixaria de ser racionalidade e passaria a ser meramente... norma. Esta crise não surgiu agora e muito menos com o pos modernismo. Existe desde sempre. Em todos os dominios do conhecimento. Todavia, a democratização da comunicação filosofica e , além disso, a "destronização" da filosofia como disciplina primeira (a filosofia deixou de ser a legisladora e passou a ser instrumento de interpretação, como diz Zygmunt Bauman acerca do transformação do papel social dos intelectuais) fez com que a crise fosse sentida socialmente. O pluralismo cultural tambem não é alheio a este desenvolvimento. A crise dos "iluminados" é , hoje, a crise de todos nós.
Desculpas se me excedi no tempo e no tom. Estas discussões acirram sempre os animos e, claro, provocam crises. eh ehe he
Desidério, qual é a area de filosofia que tu gostas mais de explorar??? Estou curioso, só isso.
Melhores cumprimentos,
olá, Ezequiel
Nos meus livros podes encontrar os temas que me ocupam: metafísica da modalidade, sentido da vida, lógica informal, entre outros.
João: para ti é indiscutível que há uma dicotomia, e que ela deve ser ultrapassada e que foi efectivamente ultrapassada por Heidegger. Mas eu acho que o teu pressuposto de que há tal dicotomia merece ser criticamente avaliado. É disso mesmo que eu estava a falar: de sistemas de pensamento que impedem a crítica aberta, ao mesmo tempo que dão a ilusão de serem muito radicalmente críticos -- mas só são críticos em relação a certas coisas, nomeadamente aquelas que permitem criticar as suas ideias.
OK.
Parece-me que o solo está fertil para a continuação do debate?
Sim, concordo, a dicotomia e a sua plausibilidade, ou falta dela, deve ser criticamente avaliada.
Que argumentos é que utilizarias para afirmar a plausibilidade da dicotomia face á critica Heideggeriana?
Nenhum sistema é imune à critica ou pode impedir a critica. Isto não existe. Mas fico a aguardar a exposição dos teus argumentos Desidério. Se merece ser criticamente avaliado é porque pode ser criticamente avaliado. Fa-lo, então! Penso que é um pedido razoável. Assim passamos das asserçoes para a argumentação critica que proclamas como suprema.
ah, esqueci-me...os teus interesses não parecem, de facto, coincidir com os meus. It should be all the more interesting for that
(eu sei que a conversa é com o João. Voçês que me perdoem a intrusão...mas a filosofia continental tb me interessa muito. É por isso que participo)
Não digo mais nada até o João responder. Por consideração.
Eu nem sei bem o que responder. As diferenças entre os autores com os quais eu (e o ezequiel) me identifico e a tradição do Desidério são tão grandes que começar é difícil. Eu considero que um bom ponto de partida seria o Dm reconhecer a historicidade da sua tradição, os seus pressupostos ontológicos e as limitações do mesmo. A tradição do DM basicamente recusa a viragem prática imprimida por Heidegger e aceita a divisão temática introduzida por autores como Kant nas suas tres criticas (conhecimento, estética, prática, grosso modo).
O Desidério continua a sugerir que eu não sujeito os autores com os quais me identifico a um escrutinio critico. Eu não entendo essa crítica, nem vejo donde DM retira essa ideia (por exemplo, eu identifico-me sobretudo com o Heidegger inicial e tendo a rejeitar o seu diagnostico -"tento evitar cair" é capaz de ser mais adequado- apocaliptico da modernidade. A modernidade tem recursos criticos imanentes (ela inclui a sua própria crítica)importantes que devem ser destacados (Habermas defende este ponto, embora de uma maneira formal que eu rejeito. Taylor é diferente, e a meu ver mais interessante)
Zekes: O ontologico é uma espécie de estrutura transcendental, sendo que o ôntico são as suas concretizações históricas particulares (é assim que eu leio a coisa). O ontico é sempre uma determinada possibilidade...A questão da Aletheia é o "groundeless ground", um horizonte prático de inteligibildade que permite a "veritas". Sem Aletheia não há Veritas (sem uma pre-interpretação de algo não podemos dizer coisas verdadeiras ou falsas sobre um objecto...)
Abraços aos dois
joao
Hey Johnny
Sim, percebo que queres dizer mas no Ser e no Tempo Heidie trabalha com estes dois presupostos simultaneamente: que o onto é distinto do ontic (apesar da sua implicação ou relação em que o onto é decididamente mais impt) e que o ontic (os entesc constituidos com significado e forma e logo com Lógica, no seu sentido mais primordial) é quase um aspecto distinto de um mesmo processo. Parece-me, como disse acima, (no coment que começa com a citação do Desidério..." Quando estes autores...")
O "descobrir" da aletheia ocorre com os entes (com as determinações simples. A configuração perceptual do objecto, a sua forma, cor etc) mas o fundamental parece ocorrer em outro sitio...sendo assim, onde poderá ser? Só na consciencia, incorporada, é certo, mas que se abstrai (de certa forma) É por isso que a leitura de Dreyfus não me convence. Peca por alguma superficialidade, a meu ver.
Cumprimentos,
não percebo o que se passou...parte do texto evaporou-se...e eu não tenho pachorra para escreve-lo outra vez...cumps
zekes: a Aletheia não nos dá 2objectos" nem concatenações de objectos, mas horizontes de integibilidade práticos onde eu existo-no-mundo-com-outros-com-objectos-...
Isto não tem nada a ver com consciência mas com a tal "clareira" (lichtung) temporal que é a condição de possibilidade de tudo o resto...(o background não é um objecto estático mas um horizonte temporal em devir permanente...)
Abraços
João: leste a citação?
Eu estou a falar de uma possivel inconsistencia. Possivel! Ele fala do descobrir e neste descobrir parece que estamos ao nivel das mais simples percepções (configurações, já com diferenças onticas) Dizes: horizontes de inteligibilidade praticos onde eu existo no mundo com outros com OBJECTOS (ou seja, os objectos estao constituidos, não explicitados formalmente, mas presentes, ao nivel ontico,para a consciencia enraizada)
Bem, sem querer ser petulante, não sou o primeiro a falar do subjectivismo, latente ou não,mais ou menos implicito, de Heidegger. Já muitos o fizeram, incluindo Haar. Schurmann, Raffoul, e muitos outros...a clareira é também, e NÃO só, uma tomada de consciencia.
O tempo, como diz Hedegger, é o horizonte transcendental da questão do ser. Ora, o tempo como transcendental configura uma logica ontologica distinta da imersão em praticas. Regressamos às praticas depois do confronto com o transcendental-com a possibilidade da morte.
Se excluires consciencia tout court (não me refiro à consciencia Cartesiana obviamente) do lichtung, não podes ter lichtung.
João, por favor explica as coisas. Estás demasiado assertivo . Tudo isto não é simplesmente evidente.
abraço
eu percebo a qualificação com-outros, com-objectos ...não estou a negá-la, nem a defender a tese de que os objectos apresentam-se em actos isolados e arbitrários de cognição...concordo com o holismo! Mas a questao a que me refiro é outra.
"Embora em toda a abtertura e explicação de ser o tema seja propriamente o ser (o nivel onto), o ente sempre acompanha previamente a tematização....o ente pre-tematico é o que se mostra na ocupação do mundo circundante. Aqui o ente não é objecto de um conhecimento teorico do mundo e sim o que é usado, produzido etc. O ente que assim vem ao encontro é visualizado pre-tematicamente por um conhecimento que, sendo fenomenologico, aspira primordialmente ao ser , partindo dessa tematização do ser, tematiza IGUALMENTE o ente em causa. (ou seja, aqui pelo menos, ontico e ontologico...simultaneamente????????? p.115)
João eu percebo que o showing, aletheia, incorpora uma dissimulação ( o ser ontologico , subtantivo se desejares, não é = ao ser fenomenologico, mundano, das coisas...)
Repara no seguinte:
"in spite of the fact that appearing is nver a showing itself in the sense of phenomenon, appearing as possible only by reason of showing itself of something. Bu this showing itself, which helps to make possible the appaearing, is not appearing itself...This presupposition remains CONCEALED ...(p.53 Being and time, random house edit.)
Eu, pessoalmente, a agora vou ser petulante, não acredito nisto: nesta bifurcação do ontico e do ontologico...penso que tudo isto está sujeito a uma outra lógica (que é o tema do meu dout)
Convem não esquecermos que a luta de alguns pensadores, penso nomeadamente em Foucault e em Deleuze, foi uma batalha aberta contra algumas formas de arrazoamento ocidental - como a psicologia, o exercito, a escola e universidade - que, pretendendo fugir ao relativismo e ao multiculturalismo que a senhora envoca, dispunham-se a catalogar os homens em normais e esquizofrenicos, sadios e criminosos, quando não existem as competencias para o fazer. A loucura de um nietzsche, um desenraizamento de um Pessoa, são apenas apodadas de doenças na medida em que se opunham a uma sociedade que procura uniformizar os seres, enfia-los no saco da produção e do establishment, como dizem, e não admitindo que os individuos se insurjam contra ela. Portanto, parece-me que há aqui uma certa animosidade contra o trabalho, sublime a meu ver, destes filosofos. Não se trata porém, como creio que eles achavam, de tudo tolerar, de tudo fazer, de toda norma recusar. Mas de dar espaços de fuga e de possibilidades de diferença ao seres humanos, e de não pretender denomina-los, subjuga-los, lá porque rejeitam o sistema, a pretensa objectividade.
Como é obvio estes autores sãoa dversos ao fundamentalismo, a ditadura e a todas as formas de poderio. Aliás, foi isso mesmo que procuraram combater- nomeadamente Deleuze, a quem Spinoza fora caro, na medida em que este defendia também essa liberdade de desejar, esse relativismo, achando que um homem não deseja para si nada que não deseje para toda a humanidade- o que de alguma forma vai de encontro ao fundamentalismo. E preciso separar a alienação e ignorancia, daqueles que se pretendem livres e diferentes. Ao teorizarem e aceitarem essa subjectividade não significa que, ai de mim, que eles se fossem tornar fundamentalistas ou ditadores bestas irracionais. E de lamentar que outros o façam...
Desculpe ter-lhe chamado senhora no post anterior; pareceu-me inicialmente um nome de mulher como assinante da cronica :)
Caríssimo Desidério:
Concordo plenamente contigo. Eu mesmo me considero vítima de professores mal intencionados - apenas interessados em fazer uma "lavagem cerebral" (como dizemos aqui no Brasil) nos seus incautos alunos recém-chegados à universidade. Aos que disseram que o discurso "cientificista" predomina na universidade, gostaria de dizer que aqui no Brasil ocorre exatacamente o contrário: é o relativismo que grassa. Nos cursos de comunicação, só se fala em Foucault et caterva. Em Teoria da Comunicação, só os frankfurtianos. Nem uma linha sequer sobre a teoria matemática da comunicação. A matemática é uma ciência e, como tal, deve ser evitada por ser fruto desta sociedade capitalista malvada, machista, ocidental, positivista, etc. etc. etc. Creio que é disso que se está discutindo aqui. O pensamento anticientífico está explícito nas críticas a Desidério Murcho. O capitalismo malvado e sua ciência burguesa extinguiram o papel das "humanidades". Expressões como "tecnicização crescente da realidade e da vida dos homens" e "progressiva desumanização da vida" são exemplos inequívocos de uma visão anticientífica e anticapitalista. Afinal, os direitos humanos são menos respeitados em países capitalistas como EUA e Canadá do que nos desenvolvidos Cuba e Coréia do Norte. Para finalizar, sobre as imposturas dos pós-modernistas, recorro a Alan Sokal e Jean Bricmont. Desnudaram a picaretagem travestida de filosofia.
Olá Ezequiel
Acho interessante a análise que fazes de Heidegger… Confesso que tento tentado decifrar algumas ideias desse tão nobre pensador, mas tenho encontrado muita dificuldade… Achei interessante a tua observação “ou seja, aqui pelo menos, ontico e ontologico...simultaneamente?????????”. Tive que ler uns textos de Heidegger para uma cadeira da faculdade, e confesso que foi bastante doloroso… Mas nunca deixei de querer perceber o que ele realmente dizia… Será que me podes ajudar? Vou transcrever aqui um trecho de um texto de Heidegger de um ensaio que se intitula “Introdução à ontologia” que aparecia nos textos do professor…
“A temporalidade é essencialmente um modo ontológico do ser se re-veler no ser-aí onticamente restaurador da etheneia. Não se confunde com o estado ôntico das meras percepções do ser-aí, mas é já um aí-ser ontologicamente definidor da sua essencialidade temporalizante. Esse aí-ser instaura o ser-para-a-morte numa inevitabilidade revitalizante da sua própria onticidade não puramente ontológica. Mas que é precisamente idêntica à onticidade do seu estado ontológico original.”
Podes ajudar-me a perceber este pensamento, com base naquilo que sabes de Heidegger?
João Galamba: se quiseres contribuir, serás benvindo, claro! Vejo q tb és um intressado nestas matérias…
Obrigado
Eduardo Pinheiro
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