quarta-feira, 11 de abril de 2007

EINSTEIN E A RELIGIÃO


A propósito do tema ciência e religião recupero um texto meu com o título de cima que foi publicado na revista "Estudos", mas que é pouco conhecido. Peço desculpa pelo facto de a sua extensão exceder a que é usual num post. Claro que a posição de Einstein sobre o assunto, que procurei expor fielmente, só responsabiliza o próprio.

Einstein e a Religião” [1] é o título de um livro de Max Jammer, um físico judeu que foi colega de Albert Einstein no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, nos Estados Unidos. O livro, subintitulado “Física e Teologia”, foi originariamente publicado no ano de 2000 e nesse mesmo ano foi traduzido para português e editado no Brasil pela editora Contraponto, Rio de Janeiro. No prefácio, diz-se que “o texto pretende estudar não apenas a profundidade com que a religião afectou o seu trabalho, mas também inversamente, a profundidade com que o seu trabalho, em particular a teoria da relatividade, afectou o pensamento teológico”. O livro é como que uma “bíblia” sobre Einstein e a religião. Nela se encontram numerosas transcrições de Einstein e dos seus comentadores que nos ajudam a perceber a relação entre Eiusntein e a religião. Eis aqui um breve resumo do tema, que poderá ser aprofundado com a leitura desse livro e de algumas das referências lá contidas.

A primeira pergunta é, naturalmente, a de saber se Einstein era uma pessoa religiosa. A resposta é sim, embora não no sentido convencional da palavra, mas num sentido um pouco particular que adiante será explanado.

Einstein nasceu em Ulm, no Sul da Alemanha, em 1879, no seio de uma família judaica. [2] No entanto, a sua família não praticava os ritos judaicos nem em casa nem na sinagoga. O jovem Einstein aos seis anos de idade entrou numa escola pública, católica, na cidade de Munique para onde os seus pais, por razões profissionais, se tinham entretanto mudado. Mais do que a influência da escola, foi o catecismo judaico ensinado, a pedido dos pais, por um parente um pouco distante que marcou o jovem aluno. Einstein atravessou então um período “místico” que o levou até a compor e cantar hinos religiosos. Por influência de leituras de livros científico-filosóficos que efectuou no início da adolescência, Einstein abandonou definitivamente a religião tradicional, tanto a judaica como a católica. Tinha então apenas doze anos. Curiosamente, o impulso para esse abandono foi-lhe fornecido por um estudante de medicina, judeu e bastante mais velho, que os seus pais albergaram, no único costume judaico que seguiam. Nas palavras posteriores do próprio Einstein, nos seus “Escritos Auto-biográficos” [3]:

Pela leitura de livros científicos populares, logo cheguei à conclusão de que muita coisa nas histórias da Bíblia não podia ser verdade. (...) Dessa experiência nasceu a minha desconfiança de todo e qualquer tipo de autoridade, uma atitude céptica para com as convicções que viscejavam em qualquer meio social específico.”

Mas Einstein não ficou ateu... Deixou, de facto, de acreditar num Deus pessoal, um Deus que se preocupa com as acções dos homens, um Deus que premeia ou castiga os homens conforme os actos por ele praticados na Terra, portanto o Deus de judeus e cristãos, tal como se revela na Bíblia.

O grande físico desenvolveu progressivamente uma outra visão religiosa do mundo, segundo a qual o próprio mundo se identificava com Deus. Num certo sentido, o Universo, para Einstein, era Deus, numa visão algo panteísta bastante semelhante à de um outro judeu rebelde, o filósofo e também artífice (polidor de lentes) de origem portuguesa Bento Espinosa, o autor de “Ética” [4] que viveu na Holanda mais de trezentos anos antes. Deus foi uma palavra muito usada por Einstein, mas não no sentido comum do Deus da revelação presente nas grandes religiões monoteístas, mas sim como metáfora para o mundo e para a harmonia do mundo. Quando Einstein dizia “Deus é subtil, mas não malicioso”, queria dizer as leis da Natureza são complexa, mas podem ser alcançadas pelo homem. Quando dizia que “Deus não joga aos dados com o Universo”, queria dizer que não acreditava numa teoria, como a teoria quântica, segundo a qual as leis naturais ao nível do muito pequeno tinham um carácter probabilístico. E quando se dizia interessado em saber se “Deus tinha tido alguma liberdade na criação do mundo”, queria apenas saber se, com base em princípios gerais, nomeadamente de simetria, as leis naturais ficavam univocamente determinadas.

Em 1927, quando era professor na Universidade de Berlim, alguém lhe perguntou inopinadamente durante um jantar se ele era religioso. Calma e ponderadamente (obviamente tinha a resposta preparada), Einstein respondeu:

Sim, sou, pode dizer isso. Tente penetrar, com os seus recursos limitados, nos segredos da Natureza, e o senhor descobrirá que, por detrás de todas as concatenações discerniveis, resta algo de subtil, intangível e inexplicável. A veneração dessa força, que está além de tudo o que podemos compreender, é a minha religião. Nessa medida, sou realmente religioso”.

Mais tarde, em 1929, o rabino norte-americano, chefe da Sinagoga de Nova Iorque, Herbert Goldstein colocou-lhe directamente e por via telegráfica uma pergunta que procurava esclarecer a posição anti-relativista do arcebispo católico de Boston segundo o qual a “relatividade era uma especulação confusa, que produz a dúvida universal sobre Deus e a sua criação (...) e encobre a assustadora aparição do ateísmo”

A resposta por escrito em menos de cinquenta palavras (o rabino tinha pré-pago a resposta com esse limite preciso!) ficou famosa: ”Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos”.

No comentário do rabino, essa posição “desmente com muita clareza (...) a acusação de ateísmo feita a Einstein. Na verdade, dá-se exactamente o inverso. Espinosa, que é chamado de ‘homem embriagado’ de Deus” e que via Deus manifestar-se em toda a Natureza, decerto não poderia ser chamado de ateu”.

Espinosa e Erinstein foram ambos judeus dissidentes. Como é bem sabido, Espinosa, que andou a estudar para rabino, foi oficialmente excomungado do judaísmo. E Einstein nunca lá entrou oficialmente: não praticou o rito de entrada, o “bar mitzvah”. Mas, apesar disso, Einstein não foi o único intelectual de origem judaica que se aproximou das posições de Espinosa. Afirmou o sábio de origem alemã: “Sinto que nunca me haveria aproximado tanto de Espinosa se eu mesmo não fosse de origem judaica e não tivesse crescido num meio judaico.” Uma descrição mais pormenorizada da posição religiosa de Einstein foi um dia dada pelo próprio quando instado a definir Deus:

Não sou ateu e não creio que me possa chamar panteísta. Estamos na situação de uma criancinha que entra numa imensa biblioteca, repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros, mas não sabe como. Não compreende as línguas em que foram escritos. Tem uma pálida suspeita de que a disposição dos livros obedece a uma ordem misterioasa, mas não sabe qual ela é. Essa, ao que me parece, é a atitude até mesmo do mais inteligente dos seres humanos diante de Deus, vemos o Universo, maravilhosamente disposto e obedecendo a certas leis, mas temos apenas uma pálida compreensão delas. A nossa mente limitada capta a força misteriosa que move as constelações. Sou fascinado pelo panteísmo de Espinosa. Mas admiro ainda mais a sua contribuição para o pensamento modermo, por ele ter sido o primeiro filósofo a lidar com a alma e o corpo como uma coisa só e não como duas coisas separadas” [a última frase remete para o último livro de António Damásio, que é uma biografia de Espinosa em que se aprofunda o tema da ligação mente-cérebro [5]])

Portanto, para Einstein há Deus, um Deus que está por todo o lado do mundo e se manifesta na ordem universal das coisas. Pouco depois de ter enviado ao rabino Goldstein a sua resposta, ele recebeu de Eduard Busching, um autor defensor do ateísmo, um livro intitulado “Não há Deus”. O livro termina com a frase que resume a muito debatida oposição entre ciência e religião: “onde a ciência cresce, a religião diminui; e onde a religião floresce, a religião definha”.

Einstein respondeu, agradecendo simpaticamente o livro, mas respondendo que o título estava errado. Dever-se-ia intitular – escreveu com alguma ironia - “Não há um Deus pessoal ". E esclareceu a sua posição espinosista:

Nós, seguidores de Espinosa, vemos o nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais. Saber se a crença a um Deus pessoal deve ser contestada é uma outra questão. Freud endossou essa visão no seu livro mais recente [Sigmund Freud foi amigo de Einstein e foi co-autor com ele de um livro contra a guerra, “Por quê a Guerra?” [6] ]. Pessoalmente, eu nunca empreenderia tal tarefa, pois essa crença me parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida. Pergunto-me se algum dia se poderá entregar à maioria da humanidade, com sucesso, um meio mais sublime de satisfazer as suas necessidades metafísicas”.

Portanto, fica claro que a crença num Deus pessoal, como têm judeus e cristãos, é para Einstein preferível à crença em Deus nenhum. Ele haveria de repetir esta posição: é melhor acreditar nalguma coisa do que não acreditar em nada.

Einstein confessou um dia a sua fé no seu Deus de um modo muito eloquente e ao mesmo tempo muito belo:

A mais bela experiência que podemos ter é a do mistério. Ele é a emoção fundamental que se acha no berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Quem não sabe isto já não consegue surpreender-se, já não sabe maravilhar-se, está praticamente morto e tem os olhos embotados. Foi a experiência do mistério – ainda que mesclada com a do medo - que gerou a religião. Saber da existência de algo em que não podemos penetrar, perceber uma razão mais profunda e a mais radiante beleza, que só nos são acessíveis à mente em suas formais mais primitivas, esse saber e essa emoção constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e apenas nele, sou um homem profundamente religioso.”

Foi esse homem profundamente religioso que recusou ao longo de toda a sua vida quaisquer ritos religiosos, públicos ou privados. Nunca praticou nenhum ritual judaico, nunca entrou num templo para orar, não autorizou que os seus dois filhos frequentassem aulas de religião, casou pelo civil com as suas duas esposas (a primeira era, de resto, ortododoxa, pois provinha de um território hoje situado na Sérvia) e também não teve qualquer cerimónia fúnebre de natureza religiosa (o seu corpo foi incinerado, excepto o cérebro e os olhos, que foram furtados pelo médico patologista que lhe fez a autópsia, e as suas cinzas foram lançadas a um rio num lugar desconhecido). Einstein não acreditava em milagres (violação temporária das leis gerais da Natureza), nem em nenhuma forma de espiritismo (tal como Espinosa de resto, que negava a existência de espectros, ou espíritos sem corpo).

Quanto a realidade da figura histórica de Jesus Cristo, Einstein declarou: “Ninguém pode ler os Evangelhos sem sentir a presença real de Jesus. A sua personalidade pulsa em cada palavra. Nenhum mito está preenchido com tanta vida”.

Para Einstein existia uma ética, mas esta era um problema dos homens e não de Deus. Não se deve matar, não porque Deus o proíba e tenha comunicado essa proibição aos homens através das tábuas da lei, mas porque o homem, por razões humanas, simplesmente não o deve fazer. Escreveu: “A conduta ética do homem deve basear-se efectivamente na solidariedade, na educação e nos laços e necessidades sociais, não precisa de ter uma base religiosa”. E, noutra ocasião: “Não há nada de divino na moral; ela é uma questão puramente humana”.

É interessante apresentar ainda que sumariamente algumas das posições filosóficas de Einstein, até porque elas tocam a esfera da religião. Einstein era um realista, acreditava numa realidade exterior ao homem: segundo ele, a Lua existia mesmo quando ninguém olhava para ela. A palavra “acreditar”, que tem uma conotação religiosa, é aqui apropriada, pois a afirmação sobre a realidade da Lua na ausência de observadores não passa, de facto, de uma crença. Por isso é que Einstein teve tanta dificuldade a aceitar a interpretação corrente da teoria quântica. De acordo com ela, os objectos quânticos, que pertencem ao domínio do muito pequeno, são influenciados pelo observador e nada de muito específico se pode dizer sobre eles antes de se realizar um acto de medida.

A este respeito há um diálogo muito insteressante entre Einstein e o poeta e místico indiano Rabindranagh Tagore, Prémio Nobel da Literatura de 1913, que visitou Einstein em Berlin em 1930 (Einstein só haveria de abandonar a Alemanha em 1933, perante a perseguição nazi aos judeus). Para Tagore tanto a beleza como a verdade dependiam dos seres humanos. Ouçamos a conversa entre eles:

- Einstein (E): “Se não houvesse mais seres humanos, o Apolo de Belvedere deixaria de ser belo? “
- Tagore (T): “Não”.
- E: ”Estou de acordo no que concerne a essa concepção de beleza, mas não no que concerne à verdade”
- T: “Por que não? A verdade realiza-se através do homem.”
- E: “Não posso provar que a minha concepção esteja certa, mas essa é a minha religião (...) Se existe uma realidade independente do homem, há também uma verdade relativa a essa realidade; a negação da primeira gera a negação da segunda”.
- T: “Se existe uma verdade que não tem relação sensorial ou racional com a mente humana ela permanecerá eternamente como nada, enquanto nós continuaremos a ser seres humanos”.
- E: “Nesse caso sou mais religioso do que você!”

Quanto à eventual influência que a Teoria da Relatividade poderia ter na religião, Einstein foi um dia categórico, talvez até demasiado categórico, em resposta ao arcebispo de Cantuária: “Nenhuma!” O que é certo é que especialistas modernos em relatividade geral, como o britânico Stephen Hawking [7] ou o norte-americano Frank Tipler [8] têm feito e divulgado várias especulações de carácter mais ou menos religioso com base nessa teoria. E o certo é também que vários teólogos têm incorporado no seu pensamento o legado de Einstein. A nossa visão do espaço, do tempo e da força entre os astros, a nossa visão do início e do fim do espaço-tempo, passou a ser diferente com Einstein...

A relação entre ciência e religião, pelo menos a avaliar pelo caso individual de Einstein, é, portanto, mais complexa do que em geral se pensa. Para terminar, vale a pena citar Einstein a respeito da relação entre ciência e religião, num trecho onde ele afirma muito claramente que a ciência conduz à religião (à religião de Einstein, entenda-se):

Temos de admitir que o nosso conhecimento actual das leis [da Natureza] é apenas uma obra incompleta de modo que, em última instância, a crença na existência de leis fundamentais também se apoia numa espécie de fé. Seja como for essa fé tem sido amplamente justificada pelo progresso na ciência. Por outro lado, entretanto, todos os que se empenham seriamente na busca da ciência convencem-se que as leis da Natureza manifestam a existência de um espírito vastamente superior ao dos homens, um espírito diante do qual, com os nossos modestos poderes, nos devemos sentir humildes. Portanto, a busca de saber leva a um sentimento religioso de um tipo especial, que difere essencialmente da religiosidade das pessoas mais ingénuas”.

Einstein era muito bom em aforismos [9]. Num deles resumiu lapidarmente o seu pensamento sobre ciência e religião: “Ciência sem religião é coxa e religião sem ciência é cega”.

REFERÊNCIAS

[1] Max Jammer, “Einstein e a religião“, Contraponto, Rio de Janeiro, 2000.
[2] Abraham Pais, “Subtil é o Senhor”, Gradiva, Lisboa, 1993.
[3] P. A. Schilpp (org.), “Notas Auto-biográficas“, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1982.
[4] Bento Espinosa, “Ética”, Relógio d’Água, Lisboa, 1992.
[5] António Damásio, “Ao Encontro de Espinosa”, Publicações Europa-América, Mem Martins, 2003.
[6] Sigmund Freund e Albert Einstein, “Porquê a Guerra. Reflexões sobre o Destino do Mundo”, Edições 70, Lisboa, 1997.
[7] Stephen Hawking, “Uma Breve História do Tempo”, Gradiva, Lisboa, 1988.
[8] Frank Tipler, “A Física da Imortalidade. Cosmologia Moderna, Deus e a Ressurreição dos Mortos”, Bizâncio, Lisboa, 2003.
[9] Alice Calaprice, “The New Quotable Einstein”, Princeton University Press, Princeton e Oxford, 2005.

11 comentários:

Anónimo disse...

a) Um muito estimulante artigo. Muito obrigado!

b) É importante ter em conta que quando fala de religião, o cientista Einstein não faz ciência, mas fala das suas crenças «extra-científicas». Esta é uma «obviedade» às vezes esquecida segundo as conveniências. Relacionado com isto está o uso que se faz, também no âmbito da ciência, do argumento de autoridade… Ele existe!

c) Daquilo que diz Einstein, parece-me útil lembrar algo que levaria muito tempo a expor, mas que me parece fundamental. É muito problemático o «suposto» não confessado de que Deus é mais um «objecto» passível ou não de um certo tipo de conhecimento. Associada a este «suposto» está uma ideia muito equívoca do significado de fé, tanto entre crentes como ateus. Fala-se constantemente da fé como um «conhecimento» baseado em dogmas ou numa suposta revelação. Ora, no caso cristão, essa noção é muito deficiente e até errada e, infelizmente, abusa-se dela! Creio que este foi um dos principais problemas na intervenção da Palmira Ferreira da Silva no programa da Dois, questão que o José Manuel Pureza também não explicou (programa que apreciei!). A fé tem pouco a ver com este «conhecimento», tem-no num sentido derivado ou então, estritamente bíblico («conhecer» na bíblia é muito mais que um exercício do entendimento ao modo grego). Com um exemplo, em linguagem cristã tradicional, isto compreende-se melhor, espero: se, com S. Paulo, dizemos que nos salvamos pela fé e a fé é simplesmente a aceitação/certeza de que Deus existe, então o diabo salvar-se-ia. E, no entanto, não é assim: o diabo sabe que Deus existe, mas não se salva. Não tem fé. Fim de exemplo.

d) Dificilmente se poderá aproveitar muito ao falar de Deus enquanto se insistir num Deus-região-de-coisas que é ou não é objecto de conhecimento «científico». Relacionado com isto, está o problema da causalidade quando aplicado a Deus. Pior ainda quando se identifica o Ser com Deus! Nisto, deveríamos tirar consequências de Hegel e Heidegger. Parece-me que o Antigo Testamento tem imensa razão ao alertar para o pecado da idolatria. Ou seja, quando falamos de Deus, tanto crentes como ateus, normalmente funcionamos com «imagens», quase todas elas redutoras, de «Deus». Uma das coisas que mais me «interessam» é escutar um ateu justificar o seu ateísmo!

e) Uma alternativa muito válida à ideia de «Deus-região-de-coisas» ou «Deus-causa-primeira» (ou similares) é a noção de fundamento (Grund), que me parece mais rigorosa e permite a autonomia própria da ciência e da religião, autonomia que tanto naturalismo como criacionismo negam. Com esta noção de fundamento é possível sair dessa artificial «alternativa exclusiva» entre naturalismo evolucionista e criacionismo.

f) Parece-me sugestivo o que diz Einstein a propósito da noção de mistério, noção esta que pode ser muito enriquecida numa perspectiva mais teológica. Ao contrário do que se pensa habitualmente, mistério não é o mesmo que enigma, nem significa primariamente o incompreensível. O mistério é aquela realidade na qual podemos entrar e sempre encontraremos mais. Não é tanto um problema de extensão, mas mais de profundidade. E podemos «tocar» o mistério, mesmo sendo cientistas, porque também os cientistas podem perceber que o seu estudo não abarca nem explica toda a realidade. Mas, evidentemente, a ciência não pode tratar de um tema como «mistério». Talvez como enigma. Um enigma resolvido pode continuar a ser um mistério e posso não encontrar nenhum mistério num enigma matemático… E o mistério é parte integrante da vida, onde nem sempre a ciência entra… A ciência pouco ou nada sabe do amor, da paixão, do arrependimento, do perdão, do rosto, do olhar, do gesto, por muito que saiba dos «suportes físicos» destes «fenómenos». Este olhar «inocente» que se deixa maravilhar e interrogar pelo real está na base da dimensão religiosa do homem. É neste âmbito que entra a reflexão de muitos teólogos (e também filósofos), como é o caso de Karl Rahner.

g) Também me parece que o modo de Einstein ser «religioso» sem ser seguidor de uma religião estabelecida torna patente um elemento «prévio» ao ser religioso: o ser «religado» à realidade. Explicitamente ou não religioso, todo o ser humano é constitutivamente um ser «religado» ao «poder do real». A «religação» é condição de possibilidade da religião. Mesmo o ateu está constitutivamente «religado» a esse «poder do real». Estas noções entre aspas pertencem ao filósofo espanhol X. Zubiri, contemporâneo e amigo de Einstein e grande conhecedor da investigação da Física na época. Seria interessante que muitos cientistas seguissem este filão na sua reflexão extra-científica...

Anónimo disse...

Não só foi este o mais interessante artigo que apareceu neste blog até agora, como achei muito interesante o comentário de "alef".
Esta noção de deus, que Einstein defende, a meu vêr é apenas o reconhecer da impossibilidade de quantificar, explicar e prevêr tudo o que nos rodeia.
Eu acredito que tal como os micro-organismos interagem, e se agrupam, formando aglomerados ordenados, de forma estritamente controlada pelo ADN, também acredito que numa escala maior (universo), essa agregação exista de uma forma ou de outra, e tal como o ADN não é deus em pequena escala, essa ordem maior, ainda não explicada, não necessita da existência de uma "entidade" divina que a explique ou force a seguir regras.
Neste sentido sou ateu, e não partilho a visão de Einstein sobre a existência de deus, e muito menos a visão religiosa da existência de "um" deus pessoal.
Seja como for, com religiosos como Einstein ficariamos muito bem servidos, e de certeza muito melhor que com religiosos de outra espécie.

lino disse...

Obrigado ao Carlos, por afixar este excelente artigo e a "alef", pelos seus comentários.

Luis Correia disse...

Bom post! Parabéns pelo blogue.
Deixo aqui, como contribuição para o tema, o link para este artigo, recentemente publicado na revista Time, com o título "Einstein e a Fé":

http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1607298,00.html

Anónimo disse...

Parabéns por este blogue, onde não consigo deixar de vir, todos os dias, desde que o descobri. Obrigada, não só ao alef, mas também ao antónio pelos seus comentários.

No comentário do antónio se substituirmos micro-organismos por células, temos um ser vivo. Eu costumo dizer que sou a consciência dos milhares de milhões de células que estão unidas e me dão forma, a qual é determinada pelo meu ADN, aliás distribuído da forma mais democrática possível por todas elas.

Será que da mesma forma que podemos transportar o ADN para uma escala maior, também podemos fazê-lo com a "consciência"?

guida martins

Anónimo disse...

Sem recorrer a entidades divinas.

guida martins

e-ko disse...

Gostei deste excelente texto.

Anónimo disse...

Em todos os posts em que há ataques ao espiritismo, há assinatura de Fiolhais ou Palmira.

"Einstein não acreditava em milagres nem em qualuqre forma de espiritismo".

Em milagres o Espiritismo também não crê, pois crê. Crê na Ciência e na Razão.

Formas de Espiritismo não há! Há Espiritismo! Só um, a doutrina codificada por Allan Kardec, há 150anos exactamente, e da qual são adeptos cientistas com muito mais valor que vocês.

É tão engraçado como os meus amigos classificam a parapsicologia como psudo-Ciência, e negam os factos, apenas porque não se enquadram na vossa concepção tomista do mundo...

Fanatismo religioso e fanatismo ateu; os extremos tocam-se.

Afonso Pereira.

Anónimo disse...

http://www.redevisao.net/

http://www.espirito.org.br/index.asp

http://www.guia.heu.nom.br/

http://www.sitepalace.com/espiritismoehcristao/

www.spiritist.org

www.adeportugal.org

http://www.blog-espiritismo.blogspot.com/

www.ameporto.org

http://www.amebrasil.org.br/

Júlio Cesar Proença disse...

Houve quem de forma infeliz mencionou que Einstein não associou ciência com a sua crença em Deus, mas de fato há com toda certesa a associação da lógica com a sua crença Panteísta! Na minha opinião essa é a unica forma coerente e inteligente de ver Deus!

Mudei a anos atrás meu conceito de Deus ao ler o livro do Espinosa.



Maravilhoso, Parabéns!!!

Anónimo disse...

Esse é o Deus revelado pela doutrina espírita em 1857, por Allan Kardek

UM CRIME OITOCENTISTA

Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestão ...