terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Francisco Louçã "versus" Paulo Rangel


“A miséria de um velho não interessa a ninguém” (Victor Hugo, 1802-1885).

Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda, acaba de defender “que deve ser fixado no texto fundamental um princípio que diga expressamente que aquilo que os trabalhadores descontam para a segurança social seja devolvido quando chega a idade da reforma, devendo todos receber a pensão de acordo com os descontos” (Jornal da RTP1,19.Dez. 2011). Por seu lado, fazendo incidir as luzes da ribalta sobre a problemática das aposentações, Joaquim Jorge, fundador do Clube dos Pensadores, escreveu, em parágrafo derradeiro de artigo de opinião, titulado, “Passos Coelho e as pensões de reforma”, o seguinte:

“Em relação a pensões elevadas, nada tenho contra, se fez descontos ao longo da carreira contributiva. O que não é correcto é auferir uma pensão elevada e não ter feito descontos equivalentes a essa pensão e ter-se reformado muito antes da idade legal de reforma. Não pode ser” (Público, 20/12/2011).

No que se reporta à Caixa Geral de Aposentações, em transcrição do que escrevi no meu post intitulado, “O corte das pensões de reforma acima dos 1500 euros mensais” (De Rerum Natura, 01/05/2011), Paulo Rangel tem uma perspectiva diferente de que dei conta e que passou a ser medida tomada pelo actual governo. Segue-se a respectiva transcrição, ainda que parcial e com ligeiras alterações:

“Na noite do passado dia 29 de Abril [2011], na RTPN, o eurodeputado Paulo Rangel, que me habituei a ouvir com atenção quando deputado aquém-fronteiras, pelo seu discurso equilibrado e raciocínio lógico, defendeu a diminuição das pensões de reforma acima de 1500 euros mensais, a exemplo dos vencimentos dos funcionários públicos no activo. Num Portugal de hoje “em que tudo tende à ruína…num país de ruínas”, como escreveu Eça no século XIX , como que é pretendido, agora, escorar essas ruínas à custa do corte de pensões dos reformados. Esqueceu-se o autor desta proposta, porventura, que as reformas se têm degradado pelo facto de não estarem indexadas ao salário dos funcionários no activo, como sucede, por exemplo, com os magistrados numa forma de justiça que não ouso sequer pôr em questão. Ou seja, defendo, apenas, uma igual justiça a ser estendida aos outros funcionários (…).

Entende, assim, Paulo Rangel que uma reforma deste “exorbitante” montante deve ser cortada sem dar ocasião a que os reformados tomem para si a queixa de uma das personagens de Arnaldo Gama: “Para isto é que eu vivi! Malditos anos! Maldita velhice!”. Ideia bem diferente expressou recentemente [quiçá com certo exagero] o fiscalista Diogo Leite Campos ao dizer que 10.000 euros mensais, emagrecidos para pouco mais do que metade pelos impostos, são pouco “para casa, roupa lavada, comida, instrução dos filhos, doença e tudo o mais”. E acrescentou, em defesa da sua opinião pessoal, que em qualquer país europeu é este o vencimento auferido pela “classe média baixa”. Esta mesma situação transposta para os reformados de uma “classe média baixíssima” é agravada pelo facto de longe ir o tempo em que a “velhada” não suportava o encargo dos filhos no desemprego ou o auxílio prestado à educação dos netos. E pior do que isso, em que, devido aos achaques próprios da idade, para salvar os dedos passou a deixar os anéis no pagamento mensal de dispendiosas contas de médicos e de farmácia.

Mas porque é de reformas que estamos a falar, torne-se esta temática bem mais abrangente encarando a injustiça criada para quem mais tempo trabalhou, mais investiu na sua preparação académica e quem mais descontou para o efeito. Tomemos o exemplo de dois professores do ensino não superior. Um, de posse de uma licenciatura, reforma-se ao 70 anos de idade. Outro, de posse de um curso médio, um ano antes de se reformar, aos 52 anos de idade, compra, em meia dúzia de meses, uma "licenciatura" numa escola “superior” privada. Por mais incrível que pareça, se ambos aposentados no mesmo ano terão "direito", exactamente, ao mesmo valor de reforma mensal. Encare-se a analogia com dois indivíduos que tenham feito os seus depósitos bancários com diferentes quantias mensais: o primeiro com mensalidades menores e a duração de 32 anos; o segundo durante 40 e tal anos com mensalidades maiores. Seria justo que no final destes depósitos a quantia levantada por ambos da instituição bancária pudesse ser exactamente a mesma?

Por esta e por outras, assistimos ao facto da Caixa Geral de Aposentações se encontrar em situação difícil ao presentear - os que menos tempo trabalharam, menos investiram na sua formação académica e menos descontaram para a sua aposentação - com a mesma reforma dos que mais tempo trabalharam, mais investiram na sua formação académica e mais descontaram para a sua aposentação. A acrescentar a este facto, dever-se-á ter em conta de que a esperança de vida do primeiro depositante, depois de reformado, é bem maior do que a do segundo depositante. Poder-se-ia ter esta aberrante situação como sendo da mais elementar justiça?Mesmo aqueles que, deserdados da fortuna deste favorecimento, como diria Garrett, com “pesares que os ralam na aridez e secura da sua desconsolada velhice”, resolvessem sair à rua para reivindicar os seus direitos, mancando de uma perna ou de outra, anquilosados com doenças reumáticas, arquejantes com o “os bofes a saltar-lhes da boca para fora”, nem sequer conseguiriam merecer a compaixão do seu semelhante preocupado com os seus próprios e difíceis problemas.Para além disso, o desastroso destino económico do país - com as suas implicações na bolsa do zé-povinho (…) está traçado pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Ou seja, a opinião ou simples alvitre do eurodeputado Paulo Rangel em cortar nas reformas acima dos 1500 euros faz dele mais papista do que os papas que nos emprestarão dinheiro sob condições por eles previamente ditadas. Ora, em mau augúrio, Portugal parte para estas negociações na posição desvantajosa de ter os credores a baterem-lhe insistentemente à porta dos cofres vazios da Fazenda Nacional”.

Para maior desgraça desde povo, nesta hora, com a agravante de Portugal ter passado, em pouco mais de três décadas e meia, de país colonizador a país colonizado pela senhora Angela Merkel.

6 comentários:

Dis aliter visum disse...

Foi uma enorme injustiça que Diplomas de Estudos Superiores Especializados (DESE) adquiridos em ESE’s tivessem permitido aos professores do 1º ciclo o acesso ao 10º escalão pelo governo Guterres que desbloqueou o acesso ao topo da carreira.
O ECD, de um governo Cavaco Silva, já permitia a estes docentes a aposentação ao fim de 30 anos de serviço, como compensação do desgaste por não poderem usufruir da redução da componente lectiva, possível no caso dos docentes do 2º e 3º ciclos e do secundário porque, tendo várias turmas, pode reduzir-se o número de turmas com o decorrer do tempo.
Estas duas medidas deram azo a que os docentes formados nos cursos de dois anos das escolas do Magistério Primário, onde entravam com o antigo 5º ano, atingissem o último escalão da carreira e o tempo de serviço para aposentação aos 50 anos ou até menos.
O ministro Oliveira Martins não teve consciência do que estava assinar.

Educadores de infância, professores do 1º ciclo e do 2º ciclo oriundos das ESE’s constituem o grosso dos sócios da Fenprof.

Também é uma injustiça que estes professores e educadores formados nas ESE’s sejam pagos por tabela retributiva idêntica à dos professores formados nas universidades (a prova de acesso à carreira docente vai separar o trigo do joio entre públicas e privadas).
Mas garanto ao Dr. Rui Baptista que, quem se atrever a dizer isto num dos actuais agrupamentos com jardim de infância e escolas do 1º ao 3º ciclo, será pendurado no mastro da escola se for homem e lapidado se for mulher.

Anónimo disse...

A LOUSÃ... dispensa a progenitura! JCN

Rui Baptista disse...

Caro Professor: Já emendei. Incondicionalmente de acordo! Essa belíssima vila da Lousã que me desculpe o desaforo.

Um Santo Natal.

joão boaventura disse...

Caro Dis aliter visum

Fazendo uso da expressão latina com que se identifica, e eu também, proponho então que examine o problema ao contrário, e que me é sugerido por um diálogo curioso que ouvi entre duas professoras - uma do ensino primário e outra do secundário -, à mesa de um café, e que reproduzo laconicamente:

Prof.ª Ensino Secundário - A Senhora não pode ter esse escalão, que é quase igual ao meu, ou para lá caminha...

Prof.ª Ensino Primário - Desculpe, mas deve ver o problema ao contrário, isto é, que os escalões do secundário é que devem ser mais altos do que os do primário... porque certamente não me pode ver a reclamar para baixarem os nossos escalões...

A Prof.ª do Secundário calou-se.

Rui Baptista disse...

Meu Caro Dis Aliter Visum:

Começo por lhe agradecer o seu comentário que tem o condão (mesmo sem a necessidade de qualquer varinha) de eu poder esclarecer a minha posição que, apesar do espírito natalício de paz e boa vontade que atravessamos, não pode justificar que se não diga a verdade por menos pacífica que ela possa ser, ou mesmo que o seu proclamador corra o risco, como escreve, de “quem se atrever a dizer isto num dos actuais agrupamentos com jardim de infância e escolas do 1º ao 3º ciclo, será pendurado no mastro da escola se for homem e lapidado se for mulher”. Bem eu sei o perigo de se viver numa sociedade em que, segundo Raymond Polin, ” “se reivindicam direitos sem proclamar obrigações”.

Mas, antes de prosseguir este meu comentário, debruço-me sobre matéria processual relativa a antigas aposentações (Decreto-Lei 139 A/90):

- Professores de Educação Pré-Escolar e do 1.º ciclo do ensino básico: 30 anos de serviço e 55 anos de idade, ou 32 anos de serviço e 52 de idade.

- Professores do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do secundário, 36 anos de serviço e idade idêntica aos funcionários públicos.

Mas eu nem sequer abordei esta singularidade processual sobre reformas diferentes para os diversos graus de docência em que os primeiros são mais bafejados do que os segundos. Fiz-me, apenas e como tal, crítico dos professores (do 1.º ciclo do básico) que muito menos descontaram para a caixa geral de aposentações tendo ascendido ao 10.º escalão próximo da idade de reforma pela frequência de cursos privados criados para o efeito.

Transcrevo o que escrevi no meu post:
“Por esta e por outras, assistimos ao facto da Caixa Geral de Aposentações se encontrar em situação difícil ao presentear - os que menos tempo trabalharam, menos investiram na sua formação académica e menos descontaram para a sua aposentação - com a mesma reforma dos que mais tempo trabalharam, mais investiram na sua formação académica e mais descontaram para a sua aposentação. A acrescentar a este facto, dever-se-á ter em conta de que a esperança de vida do primeiro depositante, depois de reformado, é bem maior do que a do segundo depositante. Poder-se-ia ter esta aberrante situação como sendo da mais elementar justiça?”
Mas para melhor se compreender a “justiça” desta situação, atentemos nestes dois exemplos:

1.º exemplo: Um professor, pouco tempo antes da aposentação, com o curso médio das antigas Escolas do Magistério Primário pela frequência de um curso de meia dúzia de meses numa escola privada ascendeu ao 10.º escalão da carreira docente e aí se reforma.

2.º exemplo: Um outro professor em idênticas circunstâncias académicas daquele, resolve tirar o antigo 7.º ano do liceu (o acesso às Escolas do Magistério Primário exigia o 5.º ano dos liceus) e tirar uma licenciatura universitária para, depois deste ingente esforço, ascender ao 10.º escalão.

A pergunta que faço ao leitor, é a seguinte: não teria razão Aristóteles quando nos legou que “a pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais”?

Claro que isto nem sequer mereceria demasiada atenção não se desse o caso de situações como esta redundarem num prejuízo de efeitos perversos e tremendos para as reformas futuras dos nossos filhos.

Aproveito a oportunidade para lhe endereçar os votos de um Feliz Natal que desejo extensivos a quem me tem honrado com os seus comentários, sejam favoráveis ou desfavoráveis

Rui Baptista disse...

Meu Caro João: Embora correndo o risco de meter a colher onde possa não ser chamado (uma vez que o seu comentário tinha como destinatário Dis Aliter Visum), os brasileiros têm uma expressão que sintetiza o que escreveu sobre o diálogo entre as duas professoras: "Eu não ganho muito, você é que ganha pouco!"

Mas aqui a questão não se põe entre ganhar muito ou pouco: é a de ganhar o mesmo em situações diferentes.

Um abraço amigo, sabendo eu de antemão que não me levará a mal este pequeno comentário.

Rui

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