Agora que os alunos candidatos ao ensino superior estão colocados, em resultado, pelo menos em parte, de exames nacionais, e que os novos exames estão a começar a ser preparados, é bom lembrar que o GAVE, o Gabinete do Ministério da Educação que é responsável pela elaboração dos ditos exames, tem deixado passar erros nas provas e, pior que tudo, tem uma dificuldade extrema em admitir erros, mesmo quando eles são de palmatória.
Um bom exemplo é o caso recente, que me foi transmitido por uma professora de Biologia e Geologia, referente à questão 2 do grupo III do exame de Biologia e Geologia (702) da 1ª fase do ano de 2010:
"2. Seleccione a única opção que contém os termos que preenchem, sequencialmente, os espaços seguintes, de modo a obter uma afirmação correcta.
No basalto da crosta oceânica, um isótopo radioactivo desintegra-se espontaneamente a uma taxa _______ ao longo do tempo e a sua percentagem, na rocha, tende a _______ com o afastamento da rocha à crista oceânica.
(A) constante ... diminuir
(B) variável ... aumentar
(C) constante ... aumentar
(D) variável ... diminuir"
(O exame e critérios de correcção podem também ser encontrados aqui )
A opção considerada correcta pelo GAVE é a opção A, isto é, julga que a taxa de decaimento radioactivo é constante. É um erro! Como muito bem diz a professora: "esta opção está em contradição com a abordagem que é feita nos manuais de 10º ano e livros da área."
De facto, a taxa de desintegração radioactiva, também chamada actividade, é variável com o tempo. É até, se assim se pode dizer, muito variável. A derivada de uma função exponencial, a função que descreve a evolução no tempo de uma amostra de núcleos radioactivos, é ainda uma função exponencial. Taxa de desintegração ou de decaimento é a medida da variação no tempo do número de isótopos radioactivos, que é proporcional ao número de isótopos radioactivos presentes. A opção correcta correcta era, portanto, (D). Assim, e cumprindo o seu dever, antes de se iniciar a correcção das provas a professora contactou o GAVE no sentido de alertar para o erro. Na véspera da afixação das notas recebeu uma resposta cheia de erros científicos. Tive acesso a esta resposta, que é um chorrilho de disparates, misturando conceitos distintos, que só pode vir de quem sabe pouco sobre processos radioactivos. Após nova argumentação pela professora citando um livro que é considerado uma referência pedagógica em todo o mundo, veio a resposta final do GAVE, pretendendo pôr uma pedra na questão. Desta vez, dizia pura e simplesmente que a argumentação "não estava no âmbito da disciplina de Biologia e Geologia" (sic). Quer dizer, o significado de taxa de desintegração seria variável: seria um em Biologia e Geologia e outro em Física! O autor de semelhante dislate não teve a coragem de assinar, escondendo o seu anonimato por detrás das iniciais GAVE. Mas deve haver um responsável nessa casa. Ou não há? Razão tem Nuno Crato e outros mais, cada vez mais, que pretendem que o GAVE saia da alçada do Ministério da Educação, para se tornar um órgão verdadeiramente independente e idóneo.
Pasme-se: os alunos que dominavam a matéria e responderam correctamente tiveram uma resposta considerada errada e, se calhar, não puderam entrar no curso que queriam. E os outros, que sabiam pouco (tão pouco como o GAVE) foram premiados com uns pontos e, quiçá, aí estão colocados. Assim vai o ensino em Portugal...
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24 comentários:
Mas, Professor, afinal
que será que em Portugal
não deixará de estar mal?
JCN
Agradeço ao Professor Carlos Fiolhais a atenção e o tempo dedicado à mensagem que lhe enviei relativa ao erro do exame de Biologia e Geologia da 1ª Fase.
Para a minha formação como professora de Biologia e Geologia, tal como todos os docentes desta disciplina, tive cadeiras de outras áreas cientificas, por exemplo, Física. Atendendo a este investimento, quer do país, quer dos professores, este conhecimento não deveria ser negligenciado. Para além de educadores, os professores do ensino secundário têm sobretudo a nobre missão de ensinar. A sua formação científica é fundamental.
Nós, professores, não podemos nem devemos fugir às responsabilidades que decorrem da formação científica que temos. Lamentavelmente, faltou ao GAVE a atitude científica de fundamentar o seu critério de correcção, não respeitando deste modo a formação científica que os professores têm.
A inadequação dos exames não se limita a questões simplesmente erradas. Pelo menos em biologia/geologia, toda a sua concepção, o modo de fazer as perguntas e os critérios de correcção são altamente discutíveis. Não é por acaso que os diferenciais entre as classificações finais das escolas e as notas de exame divergem tanto desde a reforma dos programas de 2003. Parece que há horror em fazer perguntas curtas, claras e objectivas, facto que colidiria com o espírito dos programas. Programas que se tornam difíceis de executar, particularmente o do ano I de biologia e geologia...
Para não me alongar dou só este exemplo: em 2008-09, uma aluna minha recorreu da classificação que obteve a uma pergunta cujos critérios de correcção exigiam a referência a dois tópicos para se obterem dez pontos (cinco mais cinco). Na 1ª correcção, a aluna teve zero, após o primeiro recurso teve cinco, zero no 1º tópico mais cinco no segundo, e em novo recurso, voltou a ter cinco, mas agora com cinco pontos no 1º tópico mais zero no segundo. Cansada, aluna não quis continuar a recorrer...
E não se pense que situações destas são raras...
Se se duvidar oiçam-se em privado os professores correctores, e pergunte-se-lhes como decorrem as reuniões, de quatro mais quatro horas, no intervalo de uma semana, para aferir os ditos critérios.
O mal de quem nos governa,
muitas vezes pura escória,
é não saber, à moderna,
dar a mão à palmatória!
JCN
O mal de quem nos governa,
de maneira peremptória,
é não saber, à moderna,
dar a mão à palmatória!
JCN
Uma história bastante elucidativa sobre o que se passa com os erros nos exames nacionais. Obrigado por a partilhar.
Isto que aqui se conta é verdade?
Apetece-me chorar.
Não só, porque sei que (mesmo desejando que fosse uma mentira ou uma brincadeira do Doutor Fiolhais) isto é mesmo verdade, como tenho a certeza apodíctica que, obrigado a pronunciar-se sobre o assunto, o GAVE aqui viria jurar que sim senhor, que a verdade em física pode não ser a verdade em geologia, porque, como ensinou Einstein, tudo é relativo. A estupidez arruma sempre a questão com citações de Einstein.
Reconhecer os seus erros
é sinal de inteligência:
quem não possui competência
reagir costuma aos berros!
JCN
Na vida dos estudantes
às vezes basta um rastilho
para arranjar um sarilho
de proporções relevantes!
JCN
"Exponential decay
A quantity is said to be subject to exponential decay if it decreases at a rate proportional to its value. Symbolically, this process can be modeled by the following differential equation, where N is the quantity and λ (lambda) is a positive number called the decay constant:
dN/dt=-λN.
The solution to this equation (...) is:
N(t)=N_(0)e^(-λt)
Here N(t) is the quantity at time t, and N_(0) = N(0) is the initial quantity, i.e. the quantity at time t = 0."
- Wikipedia
http://en.wikipedia.org/wiki/Exponential_decay
Pode não ser respeitoso, nem cordial, mas é crítico e verdadeiro:
- GAVE: (G)abinete de (A)selhas (V)ilipendiadores e (E)nergúmenos!
(As minhas desculpas às almas idóneas, mas aparentemente impotentes, que possam lá haver!)
Viva a santa liberdade:
o respeitinho, porém,
para falar a verdade,
não fica mal a ninguém!
JCN
As letras desenvolvendo
do vocábulo em questão,
brinca brincando eu emendo,
quanto ao V, para vilão.
Caro rgc: cuidado com o verbo haver. Confessa o erro ou reage à GAVE? Nestas coisas do verbo haver muitos reagem à GAVE. Cumprimentos.
Os "cientistas" e "especialistas" da educação que mandam no GAVE e em todo o sistema de "ensino" português consideram a ciência e o conhecimento como algo muito relativo e demasiado complexo para que os simples professores (por vezes apelidados de professorzecos por esta gente) dos ensinos básico e secundário os possam compreender... por vezes até berram nos seus gabinetes sobre como podem professorzecos colocar em causa o produzido por suas excelências...
Nos dias de exame nacional, costumam dizer algo como: "preparem-se para as perguntas estúpidas dos professorzecos"!
"possam haver": efectivamente, ainda aí não chegámos! JCN
Dúvida minha: a «a taxa de desintegração radioactiva» está definida com exactidão matemática nos «nos manuais de 10º ano»?
Correcção ortográfica:
Dúvida minha: a «taxa de desintegração radioactiva» está definida com exactidão matemática nos «manuais de 10º ano»?
Quem tem razão não se altera,
como manda a educação;
quem a não tem vocifera
com a força do trovão!
JCN
Caro Anónimo das 14:59, bem haja pela correcção. Ao escrever o comentário bem duvidei se seria "possam" ou "possa", mas escrevi "possam" poça!:)
Agora, para tornar este comentário relevante para o assunto do artigo (e não para me desculpar do meu erro), devo dizer que sou "filho" destes GAVEs do Eduquês, mas felizmente tive mais bons do que maus professores! De qualquer forma, procuro ter pensamento próprio e continuar a aprender (e a corrigir/re-aprender o que foi mal aprendido). Oxalá ainda haja gente (em particular professores) suficiente(s) para fomentar e manter um pensamento crítico.
Aproveito para deixar aqui o meu bem haja a todos os bons professores que, diariamente, por todo o país, procuram incutir esse espírito crítico nos seus alunos. Professores esses que "não sabem, nem sonham" o enorme impacto que têm na vida dos alunos!
PS: Caro JCN, curiosos os seus poemas (e a sua facilidade de poetar), tem algum blogue onde os regista?
Caro rgc:
Meus poemas vão surgindo
um pouco por todo o lado
à medida que acho lindo
qualquer assunto versado.
Muito grato me sentindo,
dizer me cumpre: OBRIGADO!
JCN
Julgo que uma explicação possível para o disparate possa ser os “cientistas” do GAVE terem ouvido falar em “constante de tempo”, logo “taxa constante”…
Se não fosse trágico, era uma boa anedota…
Achei piada à segunda justificação: não estava no âmbito da disciplina de Biologia e Geologia.
Isto do GAVE e afins faz-me lembrar a máquina de lavar. Gira para um lado e para o outro, volve e revolve mas sempre dentro do programa.
No entanto, existe uma diferença essencial. Da máquina sai roupa lavada.
Expliquem-me, em que medida a separação do GAVE face ao ME permite que tais erros não ocorram. Expliquem-me porque é que o GAVE, que há anos se comporta assim, não é, simplesmente avaliado, e aqueles que assim erram responsabilizados e punidos pelos seus erros.Porque é que o Dr Fiolhais parte do suposto que a incapacidade do GAVE em aceitar que os professores que fazem os exames (e os professores universitários que analisam e sancionam as provas de exame e respectivos critérios de avaliação), também erram e podem ser cientificamente pouco credíveis tem a ver com o ME? Sabe como é que funciona o GAVE? Conhece quem lá trabalha? Sabe como são constituídas as comissões que fazem os exames e as que sancionam a validade científica das provas?
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