Outro excerto do Relatório de Mestrado de Valter Martins, apresentado à Universidade de Coimbra, desta vez sobre os liceus nacionais durante a 1.ª República (na imagem o Liceu Pedro Nunes em Lisboa):
Durante a 1.ª República aumentou da população liceal. Em 1910 existiam 32 liceus frequentados por 9740 alunos, mas em 1926 existiam 33 liceus frequentados por 12604 alunos. O número de professores do ensino liceal acompanhou naturalmente esse crescimento: de 512 em 1910 passou para 836 em 1926.
Em 1905, cinco anos antes da República, ocorreu uma importante reforma do ensino secundário em Portugal executada por Eduardo José Coelho (1835-1913), então Ministro do Reino. A reforma atenuou a contribuição da formação clássica, onde o Latim surgia como a disciplina de maior carga horária, passando a existir um efectivo reforço na carga lectiva das disciplinas científicas no Curso Geral. A Física, a Química, assim como as Ciências da Natureza foram promovidas a disciplinas independentes no curso complementar de ciências. A reforma deu consideração especial às línguas como o Inglês, o Alemão e o Francês, aumentando-lhes a carga horária. Assim, a República valorizou o ensino secundário. Dotou-o de ferramentas para uma futura inserção dos alunos na vida do país. Esta reforma acabou ainda com o regime de manual único. A reforma foi de tal modo decisiva que nova mexida no ensino secundário só se viria a verificar em 1917, sobrevivendo assim, ao espírito reformista do início da 1.ª República. O curso liceal era, em 1905, de sete anos, existindo nos últimos dois uma separação entre as áreas de ciências e de letras. A Química e a Física eram ensinadas nas 3.ª, 4.ª e 5.ª classes, bem como na 6ª e 7ª classes do Curso Complementar de Ciências.
O Programa de Química da 3.ª classe em 1914 ainda era o elaborado em 1905:
“Apresentação de algumas experiencias que provem que o ar atmospherico e a agua se podem dividir noutros corpos com propriedades differentes, deduzir d’ahi a noção de corpo simples e de corpo complexo.
Phenomenos physicos e phenomenos chimicos; propriedades physicas e propriedades chimicas, combinações e misturas. Indicação nominal dos mais importantes corpos simples, dividindo-os em metalloides e metaes, baseando a divisão nas propriedades physicas. Leis da conservação matéria e das proporções definidas. Representação de pesos determinados dos elementos por meio de symbolos; representação dos compostos por meio de formulas e das reacções por meio das equações chimicas. Analyse e synthese. Objecto da chimica. Estudo do hydrogenio, oxygenio, azoto, ar atmospherico e agua.”
Apesar de ter sido mantido o carácter da anterior reforma, observou-se nesta nova mudança, regulamentada pelo decreto nº 3091, de 17 de Abril 1917, com a introdução no Curso Complementar de Letras, das disciplinas de ciências, assim como da disciplina de Filosofia no Curso Complementar de Ciências. A remodelação tinha por base a proposta de uma comissão nomeada para o efeito, que partiu da experiência do Liceu Pedro Nunes, em Lisboa. A reacção a esta alteração foi de tal modo enérgica que obrigou a uma suspensão das aulas nos liceus por alguns meses.
No final de 1917, com a chegada de Sidónio Pais ao poder, foi nomeada uma nova comissão para a reforma do ensino chefiada por Francisco Miranda Costa Lobo, presidente de então do Instituto de Coimbra. O decreto-lei que reformulou a instrução secundária foi aprovado no dia 14 de Julho de 1918, tendo a sua rectificação ocorrido no dia 8 de Setembro de 1918. O decreto n.º 5002, de 28 de Novembro de 1918, aprovou os novos programas, uma vez que, no momento, ainda estavam em vigor os programas de 1905. A aprovação deu-se cerca de duas semanas antes do assassínio de Sidónio Pais, na estação dos Restauradores em Lisboa. Nesta reforma, o Governo assumiu a especificidade do ensino secundário devido à sua longa duração tentando adequar o papel formativo das disciplinas. O decreto que saiu da Secretaria de Estado da Instrução Pública destacou ainda, no seu preâmbulo, o papel do professor para proporcionar não só o conhecimento necessário aos alunos, mas também fornecer a adequação necessária “às realidades possíveis todo o mecanismo da nova organização do ensino secundário”.
A Física e a Química passaram agora a ser ensinadas a partir da 1.ª classe do ensino secundário. Na reforma, mantiveram-se os Cursos Complementares de Letras e de Ciências. Estes cursos têm a duração de dois anos. No curso de Letras surgiu uma disciplina de Ciências Físico-Químicas. No curso de Ciências constava a cadeira de Matemática, assim como as de Física, Química e de Ciências Naturais, todas elas independentes entre si. As disciplinas de Literatura Portuguesa e Português, Geografia e língua estrangeira (Alemão ou Inglês) seriam comuns a ambos os cursos. Deu-se portanto a entrada da disciplina de Filosofia, em 1918, no Curso Complementar de Ciências, bem como as matérias de Ciências Físico Naturais, no Curso Complementar de Letras, no mesmo ano. A disciplina de Ciências Físico-Naturais, foi substituída, em 1919, no Curso Complementar de Letras, pela de Matemática. Fazia parte do programa da 7.ª classe, na disciplina de Matemática, um capítulo de Cosmografia, onde eram estudados os movimentos dos astros, bem como a constituição do Sol e da Lua. Também no ensino secundário, o estudo da Astronomia, passava pela matemática e não pelas chamadas Ciências Físico-Químicas. Hoje, a parte correspondente à constituição do Sol e da Lua é estudada no 10.º ano, na parte de Química.
O Curso Complementar nos liceus, só poderia ser leccionado se as escolas estivessem devidamente apetrechadas. Era obrigatório a existência de gabinetes e laboratórios com equipamento para a realização dos trabalhos práticos individuais de Física, Química, Mineralogia, Geologia, Ciências Biológicas e Geografia.
O ensino das ciências, no Curso Geral, era principalmente prático, realizando o professor bastantes experiências durante as aulas. No Curso Complementar Científico, além das aulas expositivas, onde o principal recurso seria as experiências, assim como os exemplos, existia semanalmente, um período de hora e meia, onde os alunos se dedicavam aos trabalhos práticos das disciplinas de Física, Química, História Natural e Geografia. Estas actividades, segundo José Leonardo escreveu em O Instituto de Coimbra e o Ensino Secundário em Portugal na Primeira República, O ensino das Ciências Físico–Químicas, tinham uma grande aceitação por parte dos alunos. Era frequente que estes pedissem autorização para trabalharem, nos laboratórios, fora do horário previsto.
O Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, era a principal referência nacional para o ensino secundário. Dispunha de aparelhos de manuseamento simples, facilitando aos alunos a sua compreensão e utilização. Além de ser dotado de um laboratório para a disciplina de Física, contava ainda com um anfiteatro apetrechado com uma mesa para experiências, uma oficina para reparações. Para a área da Química dispunha de laboratórios devidamente equipados, um anfiteatro, com a adequada disposição, para a realização de experiências. Contava ainda de uma sala de fotografia. Existia pois a preocupação de estimular os alunos e uma prática activa na aprendizagem.
No resto do país, contudo, apesar de estarem estruturados da mesma forma, os liceus sentiam o peso da inadequação das instalações ao seu bom funcionamento. A dinâmica das escolas de província era, portanto, menor que a da sua congénere de Lisboa. O estado físico geral dos liceus da província era de alguma degradação.
O golpe de estado de 28 de Maio de 1926 não provocou desde logo, alterações essenciais no ensino secundário em Portugal. O escritor João de Barros (1881-1960), que era o director-geral do Ensino Secundário, manteve-se no cargo até Outubro de 1927, quando foi suspenso. O seu afastamento definitivo apenas se deu em Novembro de 1928.
Válter Martins
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
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2 comentários:
Como julgo ter sido referido por um dos elementos do Júri: "um trabalho que nos faz pensar e isso vale bem a pena."
Sérgio Rodrigues
Olá! Encontrei este post na sequência de uma pesquiza para um trabalho de mestrado de ensino de biologia e geologia- aliás descobri que adoro História da Ciência- e do Ensino- estive no Colóquio do Pólo II - História das Ciências para o Ensino) na passada quinta e sexta feira. Espero que este tipo de iniciativas se possa repetir (e eu participar :-) e espero voltar a ver o Prof Carlos Fiolhais e outros colegas- foi muito bom!
Cristina
PS espero que haja ainda muitos temas e figuras históricas das Ciências Naturais para descobrir e explorar na Universidade de Coimbra!
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