terça-feira, 7 de setembro de 2010

O processo kafkiano a Carlos Queiroz


“Todos os erros humanos são impaciência, uma interrupção prematura de um trabalho metódico” (Fanz Kafka, 1883-1924).

Pelo interesse da análise feita por João Boaventura num comentário ao post, aqui publicado, com a transcrição do artigo de Luís Filpe Menezes, saído no “DN” (04/09/2010), intitulado “Em defesa de Carlos Queiroz”, aqui se reproduz o referido comentário:

“O que se passa no caso Queiroz é um processo kafkiano que consiste em substituir a presunção de inocência pela de culpa, ou seja, procurar a todo o transe a culpa com a finalidade de fechar todas as vias de reintegração e permitir a exclusão do seleccionador. Se se quiser saber, quais os passos que Queiroz está a dar, a leitura das páginas 227, 228 e 229 d’ O Processo de Kafka (a minha edição é da Colecção Mil Folhas, Público, Lisboa, 2004) é elucidativa:

“Diante da Lei há um porteiro. Um homem do campo chega junto deste porteiro e pede para entrar. Mas o porteiro declara que por agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem reflecte, depois pergunta se então poderá entrar mais tarde. «É possível», diz o porteiro,«Mas não agora». Como a porta da Lei estava como sempre aberta, o porteiro afasta-se e o homem debruça-se para olhar para o interior, através da porta. Ao ver isto, o porteiro começa a rir e diz: «Se te atrai assim tanto, experimenta entrar apesar da minha proibição. Mas cuidado: eu sou poderoso. E não passo do último de todos os porteiros. Porque de sala para sala, há porteiros, cada um mais poderoso que o anterior.”

Para não alongar a transcrição, apresento a parte final na p. 229:

“O porteiro é obrigado a inclinar-se para ele, porque as diferenças de altura modificaram-se muito em detrimento do velho: «Que queres tu saber ainda?», pergunta o porteiro, «tu és insaciável». «Toda a gente se esforça por alcançar a lei», diz o homem, «como é que ninguém, excepto eu, solicitou a entrada todos estes anos?». O porteiro apercebe-se que o fim do homem está próximo, e como é quase surdo, berra-lhe ao ouvido para se fazer ouvir: «Ninguém mais podia obter a autorização de entrar, porque esta entrada se destinava só a ti. Agora, vou-me embora e fecho-a».” (fim da transcrição)

Kafka, como homem do Direito, limita-se a retratar, n' O Processo o absurdo, pelo qual o cidadão é obrigado a submeter-se a uma regra viciada do jogo jurídico cuja dinâmica pende para o lado do mais forte.

O que se passa com o Processo Queiroz passou-se com os Processos do actual Primeiro Ministro, ao qual foi sempre negada a Lei, perdão, o ser ouvido, o que levou o actual Bastonário do Direito a declarar, para quem o quisesse ler e ouvir:

- Estamos a assistir a uma vergonhosa actuação da justiça que parece mais preocupada em culpabilizar o Primeiro Ministro, em vez de partir da presunção de inocência.

Este é o retrato do Processo Queiroz, em companhia do Primeiro Ministro, porque ao primeiro foi negada qualquer audição pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), e ao segundo, ou deixaram prescrever o prazo, ou deixaram esgotar o tempo e a paciência para o ouvir.

Para Cândida Almeida não valia a pena ouvir o Primeiro Ministro porque não vinha aduzir matéria nova; e para o Instituto do Desporto de Portugal (IDP) não valia a pena ouvir Queiroz porque a audição feita pelo Conselho Disciplinar da FPF era suficiente, e porque, ouvi-lo, também não vinha aduzir matéria nova.

O kafkianismo do processo sinuoso reside neste facto que o tempo não apaga. A ADoP foi, no dia 16.05.2010, à Covilhã fazer o controlo antidoping à selecção, que foi perturbado pelos impropérios do seleccionador, o que não impediu a recolha, e o Governo silenciou, possivelmente para apagar o incidente se a selecção chegasse às meias finais ou às finais. Como os desejos não se concretizaram, passados dois meses e meio,é que o secretário de Estado revela que se passaram “factos muito graves”, no controlo antidoping. A paciência de Job não tem melhor representante.

Portugal não chegou aos quartos de final mas no cômputo geral ficou em 11.º lugar (Inglaterra 13.º - Dinamarca 24.º - Grécia 25.º - Itália 26.º - França 29.º). Os três primeiros são os únicos europeus (Espanha, Holanda, Alemanha), 5 da América Latina, 1 africano (Gana) e um asiático (Japão). E a representação portuguesa foi vergonhosa ?

Isto para dizer que há muitas maneiras limpas para dispensar um seleccionador. A escolhida pelo governo não tem classificação”.

João Boaventura

Na imagem: Franz Kafka

5 comentários:

Anónimo disse...

Tem razão, Dr. João Boaventura: "não tem classificação", porque efectivamente não tem classe. JCN

Anónimo disse...

E a triste sina de um povo que só sabe idolatrar o que não é nosso e que rapidamente esquece os seus heróis,infelizmente sempre assim foi e assim será e desengane-se aquele que porventura ainda pensa que algum dia isto vai mudar "erva daninha não precisa de cuidados para existir" em relação a alguns membros da FPF fazem lembrar aquele antigo slogan publicitário "A Toyota veio para ficar,e ficou mesmo" dêem lugar a outros o vosso tempo já lá vai.Ai Amândio Amândio.

Anónimo disse...

Lembre-se, caro amigo, que o que tem "classe"... nunca deixa de ser actual: é como a Toyota! So o lixo... fica para trás. JCN

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura:

Diz-se, não sei se com razão ou não, que os media têm intoxicado a opinião pública no caso da Casa Pia.

Ontem à noite, num jornal sobre desporto da SIC,com um moderador cujo nome não fixei, fiquei com a certeza que essa tentativa de intoxicação no caso Queiroz foi mais do que evidente.

Um dos jornalistas presentes, de seu nome, Jorge Batista, que teve uma cena de pugilato com Carlos Queiroz, em que ao que se con(s)ta, não marcou qualquer ponto, deleitava-se em sorrisos, e risinhos, de puro gozo como se tratasse de um segundo "round" fora do ringue do anterior desforço, sempre que os restantes intevenientes, de forma mais moderada, faziam as suas análises, também elas, pouco favoráveis ao seleccionado nacional, no direito que assiste a qualquer cidadão em manifestar a sua opinião.

Num critério meramente pessoal, e como tal subjectivo, a opinião mais equilibrada pareceu-me ser a do comentador da SIC sentado ao lado de Jorge Batista. Numa coisa houve concordância geral: no assacar de responsabilidades a todo este processo aos actuais dirigentes da FPF e ao secretário de Estado dos Desportos, Laurentino Dias.

Anónimo disse...

"Wie ein Hund"...
Portugal precisa de uma Metamorfose... já!
JCSilva

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