quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A FORMIGA, A ACÁCIA E O ELEFANTE


Nova crónica de António Piedade saída n'"O Despertar":

Um majestoso elefante do Parque Nacional do Serengueti (no norte da Tanzânia) contempla, pensativo, os olhares esfomeados de algumas leoas dirigidos à passagem migratória de gnus e zebras, nesta atmosfera quente e seca da estação. Gostava de coleccionar estas recordações da savana. E fazia-o debaixo da sombra protectora daquela acácia (Acacia drepanolobium) que estendia frescura ao tapete dourado de gramíneas sob o sol abrasador. A visão despertou a sua fome voraz. Mas e apesar de mesmo ali, à distância da sua tromba, se encontrar uma densa copa de folhas da majestosa acácia o elefante respeitava uma regra insuspeita e não colhia o fresco alimento.

A sua memória de elefante alertava-o para a experiência gastronómica mais desagradável da sua já longa vida. Uma vez, há muito tempo, quando era um elefante jovem e incauto a gozar da recente libertação do leite materno, tinha-se afastado do seu grupo atraído pela vistosa imagem de uma acácia que prometia sombra e alimento. Cego pelas folhas frescas da acácia, enrodilhou um ramo com a sua tromba em direcção à boca faminta. Mas, uma primeira sensação de frescura foi subitamente substituída por um intenso ardor picante e vivo na sua sensível tromba. Formigas! As folhas estavam povoadas por formigas que lhe ferraram uma impressiva e douradora mensagem: esta é a nossa casa e aqui não comerás. Uma mensagem de cinco miligramas de formiga dirigida a cinco toneladas de elefante!

A recordação fez com que olhasse com respeito para um formigueiro construído sobre um ramo da acácia. A visão das miríades de carreiros com trânsito formigueiro atropelou qualquer desejo de folha fresca e arrepiou-o no calor intenso da savana. Sobranceiro, o seu olhar desviou-se de novo para o horizonte de zebras e gnus que passavam atentos, não às formigas, mas às leoas.

Uma equipa de biólogos da Universidade da Florida (USA) estudou este bioma africano e confirmou que a colonização das acácias por formigas, que nelas constroem os seus formigueiros, protege estas ilhas arborícolas na savana do apetite voraz dos elefantes. Esta aliança evolutiva, convivência cooperativa e sinérgica entre formigas e acácias, permite fixar grandes quantidades de dióxido de carbono em biomassa na savana e modela a paisagem com acácias de uma forma estável. O estudo foi publicado na Current Biology de 2 de Setembro (aqui).

António Piedade

10 comentários:

Anónimo disse...

Quem havia de supor
que entre a acácia e a formiga
haveria de se impor
este género de liga!

JCN

Anónimo disse...

Mistérios da Natureza
ou, se quisermos, de Deus,
que o ser humano despreza
por não poderem ser seus!

JCN

Anónimo disse...

Por vezes uma formiga
pode mais que um elefante,
que nas garras de uma intriga
deixa de ser um gigante!

JCN

Anónimo disse...

Nos seus jardins Adriano
parava ante uma formiga:
apesar de soberano,
a respeitá-la se obriga!

JCN

Anónimo disse...

Em tudo que Deus criou
deve existir respeitinho,
seja um berço, seja um ninho
ou a pessoa... que eu sou!

JCN

Anónimo disse...

Caro Doutor Piedade,
os seus artigos invejo:
pela sua qualidade,
melhor entendo o que vejo!

Anónimo disse...

Outra versão, mais consentânea com a veracidade histórica... hiperbolizada:


Marco Aurélio em seus passeios
cedia o passo à formiga,
utilizando os arreios
caso fosse de quadriga!

JCN

platero disse...

entre formigas e acácias
há perfeito entendimento
-nada de intrigas, falácias
assim fosse o Parlamento

Anónimo disse...

Se dizer assim se pode,
estes contos de formigas
não são mais do que cantigas
para entreter o pagode!

JCN

Anónimo disse...

Se assim fosse o parlamento,
não tinha piada alguma:
toda a graça, que é nenhuma,
vem do seu desfasamento!

JCN

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