Nova crónica de António Piedade, saída no "Diário de Coimbra":
Os ovários humanos são órgãos onde são produzidas e amadurecidas as células germinativas, ou gâmetas, femininas. Cada ovário, como qualquer outro órgão, é constituído por diferentes tipos de tecidos, cada qual com uma função anatómica e/ou fisiológica específica.
Em termos muito gerais, distinguem-se em cada ovário uma zona interna e central designada por medular, muito irrigada por vasos sanguíneos, e uma zona cortical, periférica, contendo inúmeros folículos ováricos em diferentes estádios de desenvolvimento.
É no interior de cada folículo, futuras enseadas de ovulação, que se encontram os oócitos (gâmetas femininos). No momento do nascimento do ser feminino, os ovários possuem cerca de quatro milhões de folículos, cada um, por sua vez, albergando um oócito primário. Destes, só 400 se desenvolverão em gâmetas capazes de serem fecundadas por um único espermatozóide.
No folículo primordial, o oócito primário encontra-se rodeado unicamente por um folheto de células designadas por granulosas. Parte destas, conjuntamente com a zona pelúcida, formarão a última barreira para a penetração do espermatozóide no óvulo. Mas as células da granulosa possuem uma actividade hormonal e reguladora insubstituível. Num sincronismo sussurrante com o oócito, espalham a notícia do estado do seu desenvolvimento, secretando para o resto do corpo feminino a hormona estrogéneo e sublinhando, com pequenas quantidades de progesterona, a etapa libertatória da ovulação.
A granulosa secreta ainda uma outra hormona, a inibina, e outras substâncias que mantêm o oócito num determinado estado de desenvolvimento (paragem meiótica em metáfase II) numa cândida e imaculada espera.
Com o crescimento do oócito, as outras células foliculares expandem-se e formam a teca. Esta circunda o futuro óvulo, rodeado pela granulosa, e estimula esta última a secretar estrogéneo. Com o crescimento folicular, forma-se um antro líquido marginado pela teca, como se o futuro óvulo estivesse a ser treinado para “navegar”.
Diga-se, de passagem, que estas actividades secretoras estão em sintonia e dependem da concentração sanguínea de outras hormonas secretadas pela hipófise como sejam a FSH e a LH; que a granulosa desempenha papéis importantes nas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário e na sua nidação no útero.
Neste contexto, entende-se que qualquer perturbação anormal sobre os folículos pode comprometer o desenvolvimento de células reprodutoras femininas e levar a uma situação de infertilidade. É o caso de mulheres sujeitas a tratamentos anticancerígenos que podem inviabilizar a função folicular ovárica e logo a reprodutiva. Nestes casos, a prévia criopreservação de tecidos ováricos e posterior implante autólogo já permitiu o nascimento de crianças em mães entretanto sujeitas a químio- ou radioterapias.
Outra estratégia é a que foi agora publicada na revista Journal of Assisted Reproduction and Genetics por investigadores da Universidade de Brown e do Women & Infants Hospital em Rhode Island (USA). Através de novas técnicas da engenharia de tecidos, mostram terem conseguido construir a arquitectura tecidular característica do folículo ovárico humano num molde 3D de gel de agarose e que este designado “ovário humano artificial” é potencialmente funcional para o amadurecimento de oócitos.
Estaremos perante uma nova esperança para a infertilidade feminina?
António Piedade
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
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10 comentários:
Lanço a questão (que para a maioria dos especialistas, é tão somente uma questão de semântica: sabendo que a estrutura que é fecundada recebe o nome específico de oócito II (ou ovócito secundário), é incorrecto apelidar os óocitos de óvulo?...
Em termos científicos, oócito I, oócito II e óvulo são estruturas celulares diferentes. Um oócito II só depois de penetrado por um espermatozóide, e ainda antes de haver cariogamia (fusão dos núcleos masculino e feminino), se transforma no que cientificamente se chama óvulo.
O que é curioso: um óvulo é afinal uma célula com um grande citoplasma (o conteúdo celular que rodeia o núcleo) onde existem dois núcleos haplóides (com metade da informação genética de cada progenitor) que ainda não se fundiram. Logo que ocorre a fusão dos núcleos o óvulo deixa de o ser para passar a ser uma célula diplóide (com o número total de cromossomas da espécie) a que chamamos ovo ou zigoto. O ovo ou zigoto é a primeira célula, da qual se formarão, por divisão (chamada mitótica), todas as outras células do organismo.
Para a maioria dos especialistas (e em especial obstetras e ginecologistas), o termo "óvulo" não significa forçosamente "oócito maduro" (portanto, ao fim e ao cabo, correspondente à célula com dois núcleos, como descreve o José Baptista). Repare-se, se "óvulo" é o óocito maduro, e se a maturação de um óocito (e de um espermatozóide, inclua-se de passagem...) só se completa após o estímulo da fecundação (que, mais concretamente, desencadeia um sinal de cálcio que, por seu turno, irá induzir o término da maturação do óocito; note-se que não é propriamente a fecundação que induz o término da maturação, mas sim, o sinal de cálcio - que pode ser simulado in vitro, tanto no caso do óócito como do espermatozóide, sem que ocorra fecundação), então... o óvulo nunca tem uma existência propriamente dita, a não ser sob a forma que o José Batista tão bem descreve. Qual o interesse, então, de classificar uma estrutura que, ao fim e ao cabo, não existe?...ou, melhor, qual o interesse de tornar o termo dessa estrutura o mais disseminado e utilizado por inúmeros especialistas?
A questão, portanto, reside (a meu ver, obviamente, e segundo vários especialistas) no facto de "óvulo" ser um termo generalista, empregue para nomear qualquer dos óocitos em qualquer das suas fases de maturação. O termo óócito é empregue quando está em causa a nomeação da fase de maturação. Os termos óocito I ou óócito II são termos mais específicos, quiçá científicos. O termo óvulo é um termo generalista que pretende abarcar todo o tipo de gâmetas humanos femininos sem olhar ao estádio de maturação do mesmo. Pela mesma razão se utiliza o termo espermatozóide indiscriminadamente! e o espermatozóide também só termina a sua maturação pelo estímulo do sinal de cálcio induzido pela fecundação.
Portanto, o termo óvulo não é incorrecto. É, sim, generalista. E a verdade é que é empregue por inúmeros especialistas e inúmeras revistas das especialidades [por exemplo, leia-se o final do texto "transformations cytoplasmiques de l'ovocyte" do fascículo "La fecondation" da especialidade de obstetrícia da Encyclopedie Medico-Chirurgicale 5001 A10 de 4.0.06. Ao descreverem os processos de maturação do óocito, dado ser necessária a especificação dos seus estádios, utilizam a terminologia especifica. Contudo, no final, afirmam: "l'ovulation correspond à la rupture du follicule (...). L'óvule est liberté entouré de son cumulus(...)]". O termo óvulo é empregue precisamente por a afirmação ser generalista.
Se se trata de uma questão de se ser mais específico, contudo, a verdade é que as ditas massas não estão a par do processo de maturação de um oocito para poder compreender a sua nomenclatura.
Acrescento que o termo óvulo está disseminado, sim, mas enquanto termo genérico e não significando gâmeta maduro. É utilizado por especialistas médicos, embriologistas, biólogos e revistas específicas das especialidades.
Enfim, no fundo... será uma questão de semântica?
Para a maioria dos especialistas (e em especial obstetras e ginecologistas), o termo "óvulo" não significa forçosamente "oócito maduro" (portanto, ao fim e ao cabo, correspondente à célula com dois núcleos, como descreve o José Baptista). Repare-se, se "óvulo" é o óocito maduro, e se a maturação de um óocito (e de um espermatozóide, inclua-se de passagem...) só se completa após o estímulo da fecundação (que, mais concretamente, desencadeia um sinal de cálcio que, por seu turno, irá induzir o término da maturação do óocito; note-se que não é propriamente a fecundação que induz o término da maturação, mas sim, o sinal de cálcio - que pode ser simulado in vitro, tanto no caso do óócito como do espermatozóide, sem que ocorra fecundação), então... o óvulo nunca tem uma existência propriamente dita, a não ser sob a forma que o José Batista tão bem descreve. Qual o interesse, então, de classificar uma estrutura que, ao fim e ao cabo, não existe?...ou, melhor, qual o interesse de tornar o termo dessa estrutura o mais disseminado e utilizado por inúmeros especialistas?
A questão, portanto, reside (a meu ver, obviamente, e segundo vários especialistas) no facto de "óvulo" ser um termo generalista, empregue para nomear qualquer dos óocitos em qualquer das suas fases de maturação. O termo óócito é empregue quando está em causa a nomeação da fase de maturação. Os termos óocito I ou óócito II são termos mais específicos, quiçá científicos. O termo óvulo é um termo generalista que pretende abarcar todo o tipo de gâmetas humanos femininos sem olhar ao estádio de maturação do mesmo. Pela mesma razão se utiliza o termo espermatozóide indiscriminadamente! e o espermatozóide também só termina a sua maturação pelo estímulo do sinal de cálcio induzido pela fecundação.
Portanto, o termo óvulo não é incorrecto. É, sim, generalista. E a verdade é que é empregue por inúmeros especialistas e inúmeras revistas das especialidades [por exemplo, leia-se o final do texto "transformations cytoplasmiques de l'ovocyte" do fascículo "La fecondation" da especialidade de obstetrícia da Encyclopedie Medico-Chirurgicale 5001 A10 de 4.0.06. Ao descreverem os processos de maturação do óocito, dado ser necessária a especificação dos seus estádios, utilizam a terminologia especifica. Contudo, no final, afirmam: "l'ovulation correspond à la rupture du follicule (...). L'óvule est liberté entouré de son cumulus(...)]". O termo óvulo é empregue precisamente por a afirmação ser generalista.
Se se trata de uma questão de se ser mais específico, contudo, a verdade é que as ditas massas não estão a par do processo de maturação de um oocito para poder compreender a sua nomenclatura.
Acrescento que o termo óvulo está disseminado, sim, mas enquanto termo genérico e não significando gâmeta maduro. É utilizado por especialistas médicos, embriologistas, biólogos e revistas específicas das especialidades.
Enfim, no fundo... será então uma questão de semântica?
Poder-me-iam fornecer referências concretas de embriologia nas quais o significado correcto, exacto e científico dos termos esteja discriminado?
(uma pequena adenda: os tópicos avançados de embriologia não são o meu domínio; no entanto, o saber não ocupa lugar, certo? e tenho reparado na "polémica" que tem ressaltado quanto ao uso generalista do termo óvulo).
Resumindo, no fundo, a minha questão é tão somente esta (gametogénese à parte): estará meio mundo (incluindo diversos especialistas) equivocado ao designar por óvulo aquilo que na verdade é um oocito secundário, ou ao generalizar e tomar como óvulo uma estrutura com dois núcleos prestes a se fundirem num só e que, assim sendo, terá um tempo de vida bastante limitado?
Ou, afinal, é um preciosismo?
Ui... peço desculpa pelos comentários repetidos... tive dificuldades com a minha ligação e pensei que fosse melhor repartir o comentário...o resultado está à vista e não abona a meu favor... não queria sitiar o post! :)
Só uma pequenina achega:
Existem óvulos (óvulos mesmo, com meiose concluída) que são fecundados noutras espécies (animais e vegetais), nomeadamente espécies animais marinhas(como o ouriço-do-mar) onde estes fenómenos foram primeiro estudados a fundo, por ser fácil obter muitos gâmetas e a fertilização ser externa (no mar) e facílima de observar. Na verdade muitos dos filmes/animações e imagens disponíveis e difundidos sobre o tópico são de ouriço-do-mar (apesar de muitas vezes identificadas como humanas), o que pode levar a alguma confusão quanto a pormenores específicos (coisas que não ocorrem em humanos).
Ou seja, é possível que o termo "óvulo" se tenha generalizado porque o processo inicialmente foi muito estudado em espécies onde, de facto, a meiose feminina é completada pré-fertilização, algo que, como muito bem referido acima, não ocorre em humanos (e mamíferos em geral).
João Ramalho Santos
João Ramalho, pela parte que me toca, muito obrigada pelo interessante dado! :))
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