terça-feira, 7 de setembro de 2010

Naturalmente, extinguir-se-á...

Há uns tempos encontrei uma pessoa adulta que me perguntou como poderia voltar à escola básica. A história era típica: no início do terceiro ciclo tinha abandonado os estudos, mas, agora, com a vida encaminhada, muito legitimamente, queria recomeçá-los onde tinha ficado, ou um pouco antes, pois já havia esquecido muita coisa.

Lembrei-me do ensino recorrente mas também me lembrei que há muito não ouvia falar dele. Ainda assim, referi-o. "Praticamente não existe", respondeu-me a pessoa, "na minha zona nenhuma escola abriu turmas". E as Novas Oportunidades? "Foi o conselho que me deram mas o que eu quero é aprender..." E, assim ficámos na conversa...

Confirmo no jornal Público a concordância desta conversa com a realidade: o ensino recorrente não foi extinto por decreto, mas terá um lugar cada vez mais reduzido até se extinguir. Nas palavras da Ministra da Educação:
“O ensino recorrente é uma modalidade que tem vindo a desaparecer naturalmente porque já vem de longa data e não se articulava com a vida de uma pessoa que trabalha (...) as pessoas estão a ser aconselhadas - quando não é possível abrir uma turma porque não há alunos em número suficiente - a optarem por outras formas de realizar o ensino secundário.”
Fica a pergunta no ar: quem trabalhar e não tiver tido possibilidade de estudar e estiver mais interessado em aprender do que em obter um diploma, o que deverá fazer?

10 comentários:

Anónimo disse...

"Fica a pergunta no ar: quem não teve possibilidade de estudar e estiver mais interessado em aprender do que em obter um diploma, o que deverá fazer?"

Estudar autonomamente.

Anónimo disse...

Para quem puder, há a possibilidade de estudar de dia.
Quanto às palavras citadas acima, a ME mente (mais uma vez). O ensino recorrente não está a desaparecer, o ministério é que por vias travessas tem feito de tudo para o eliminar .

Helena Damião disse...

Caro Anónimo das 20:32
Sim, quem tem um nível de escolaridade muito baixo pode sempre estudar autonomamente (e há casos de pessoas , por sua conta e risco, conseguiram chegar a um nível elevado de cultura) mas, na generalidade dos casos dificilmente conseguimos aprender determinados assuntos, com a rapidez e destreza que nos sirvam (não necessariamente de modo imediato) em vida... A função dos professores é despertar interesses que possivelmente nunca teríamos, usar caminhos directos para chegar ao conhecimento, sem nos perdermos em becos sem saída, controlar as nossas aprendizagens, informando-nos se estamos a ir bem ou mal, incentivar-nos quando estamos prestes a desistir... Não, a aprendizagem sem ensino não vai, por regra, longe.

Fartinho da Silva disse...

Cara Helena Damião,

Já faltou mais para, em Portugal, se declarar como crime a vontade de aprender... e/ou de ensinar!

Anónimo disse...

É minha convicção de que o ME pretende acabar com o ensino recorrente por questões meramente economicistas e substituí-lo por aquilo que considero ser a maior burla cometida em Portugal desde que Alves do Reis falsificou notas de 500 escudos nos anos 20: as Novas Oportunidades.
Todavia, é bom não endeusar o ensino recorrente. Este sempre apresentou taxas de sucesso muito baixas (em 2007 rondava os 21%). Neste momento era impossível continuar a funcionar face à concorrência desleal dos CNO's. Mas se estes não existissem o ensino recorrente carecia de uma reforma profunda de forma a aumentar a sua confrangedora taxa de sucesso.

PJ

Anónimo disse...

Helena Damião disse "... Não, a aprendizagem sem ensino não vai, por regra, longe."
De facto assim é!... e se for longe quem o reconhece? Há alguma entidade patronal que dá emprego a alguém que, embora muito culto, não apresente o "canudo" que comprove a tal cultura?

José Batista da Ascenção disse...

O ensino recorrente foi criado há largos anos como um ensino de "segunda oportunidade". Creio que foi assim que formal e legalmente lhe chamaram. Nesses inícios também eu dei aulas a alunos do ensino recorrente e procurei sempre ensiná-los e deles exigir como o fazia com os alunos dos cursos diurnos. E o rendimento era satisfatório, porque havia realmente muita gente que voltava à escola com o desejo de aprender.
Mais tarde aconteceram coisas estranhas: alunos do ensino secundário anulavam as matrículas e inscrevia-se em cursos do ensino recorrente ministrados em certos estabelecimentos de ensino e conseguiam classificações que terão feito entrar centenas deles em cursos de medicina. A coisa havia de ser travada, mas ficou no historial como mais uma das muitas tortuosidades em que o nosso sistema de ensino tem sido fértil...

Nan disse...

«Todavia, é bom não endeusar o ensino recorrente. Este sempre apresentou taxas de sucesso muito baixas (em 2007 rondava os 21%).»
Durante muitos anos dei aulas no Ensino Recorrente. Primeiro porque era a última a escolher horário e tinha que me contentar com o que havia e depois porque gostei muito do trabalho. Uma das coisas que lhe dirá quem tenha trabalhado na escola nocturna é que a taxa de desistências é sempre alta e a taxa de sucesso é sempre baixa.
Primeiro, porque são pessoas que trabalham durante o dia e estudam à noite: chegam à escola cansadas, têm vidas familiares, por vezes complicadas...
Segundo, porque as escolas sempre trataram os cursos nocturnos como «cursos de segunda», não fazendo esforço algum para que os alunos se sentissem bem na escola: é frequente que não haja onde comer, que não haja reprografia, que nem sequer possam comprar uma caderno ou um lápis...
Terceiro, porque os alunos destes cursos estão já a fazer um esforço tão grande, muitas vezes sem um bom apoio familiar, que qualquer pequena alteração nas suas vidas os faz desistir.
Qualquer sistema de ensino que se use no ensino nocturno sofrerá sempre destes problemas. Claro que fica caro, mas deixar as pessoas sem formação ou dar-lhes formação a fingir é bastante mais caro, certo?

Anónimo disse...

Eu também fui aluno do ensino recorrente; fui protagonista e testemunha do imenso esforço que obriga a aprendizagem fora de tempo e de horas e, neste esforço, o recurso ao "desenrascanço" prolifera. Mas também vi alunos com muita força de vontade e muita dignidade tal como alguns professores: verdadeiros exemplos para alunos que anulavam as suas matrículas diurnas e recorriam ao ensino recorrente. Mas aqui não posso deixar de mencionar alguns professores que tinham os seus "trabalhinhos" durante o dia (alguns bem rentáveis) e, de tão extenuados, metiam atestado médico por longos períodos ou quando iam dar aulas (e que era um favor que faziam aos alunos) estavam tão cansados que se limitavam a ditar aos alunos um conjunto de possíveis perguntas e respectivas respostas, dentre as quais seria composto o teste de avaliação, "coisa" bem mais fácil do que estar a explicar os respectivos assuntos.
É por esta e por outras que nunca simpatizei com a causa dos professores e nunca ergui os punhos em gesto de solidariedade nas suas famosas greves e manifestações. Muitos deles nunca dignificaram a sua profissão e alguns deles deveriam até ser despedidos como qualquer outro profissional que não cumpre devidamente a sua função.

Anónimo disse...

"Qualquer sistema de ensino que se use no ensino nocturno sofrerá sempre destes problemas. Claro que fica caro, mas deixar as pessoas sem formação ou dar-lhes formação a fingir é bastante mais caro, certo?"

Existem problemas estruturais subjacentes ao ensino nocturno que referiu e que dificilmente poderiam ser solucionados. Mas existem outros que elencou que deveriam ser abordados (cultura escolar que desvalorizava o ensino recorrente, a atribuição de horários para os professores "do fim da lista", a falta de serviços nas escolas, etc.). Seria mais caro? Nalguns casos sim; noutros trata-se de uma mudança ao nível organizacional dentro das escolas; noutros, por fim, bastaria desenvolver todos os esforços que os professores que o último comentador referiu fossem seriamente advertidos ou, no limite, afastados da docência.

PJ

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