A preocupação com a segurança de pessoas e bens e com a qualidade de serviços e instituições tem constituído argumento necessário e suficiente para se justificar a instalação duma panóplia de sofisticados sistema de vigilância e controlo em espaços exteriores e interiores, em contextos reais e virtuais: aeroportos, hospitais, tribunais, lojas, recintos desportivos, laboratórios, escolas, ruas, prédios, bibliotecas, correio electrónico, telefones… As câmaras de filmar, os cartões electrónicos, as impressões digitais, a leitura da retina, os chips, os satélites... entraram no nosso vocabulário e no nosso modo de ver e estar no mundo.
Poderíamos pensar que se trata de uma imposição por parte de instâncias com poder, correlativamente, aceite pelas pessoas comuns, numa atitude conformista, de quem nada pode fazer a não ser sujeita-se à autoridade.
Pelo que me é dado perceber, não é bem assim… As próprias pessoas, letradas e não letradas, de esquerda, de direita ou do centro, das cidades ou das aldeias, velhas, de meia-idade ou novas… não só aceitam de boa mente essa vigilância e controlo, como os reivindicam se não existem e onde existem querem-nos redobrados.
De modo que se me afigura ligado ao que acima disse, as solicitações de televisões, de revistas e jornais, da internet… para disponibilizar dados particulares, para se retratar, para contar o seu caso, para mostrar o seu quotidiano, para dizer o que faz, o que pensa, o que lhe vai na alma, de si e dos outros, entrou nos hábitos sociais.
Mais uma vez aqui se podería pensar que se trata de coerção mais ou menos dissimulada, que as pessoas comuns, por necessidade económica ou outra, por constrangimento ou desejabilidade social, por serem apanhadas desprevenidas, ou por falta de preparação intelectual, aceitam mas a contra-gosto.
Mas, também pelo que me é dado perceber, a explicação está longe de ser esta… As próprias pessoas, seja qual for a sua condição, disponibilizam amostras de comportamentos e sentimentos privados e até íntimos, partilham acontecimentos que só a si e aos seus dizem respeito, contam o seu dia-a-dia e daqueles com quem se cruzam, ilustram os discursos com imagens da sua casa, do seu quarto, publicam fotografias suas, de amigos, dos filhos…
Assim, neste início de século, tudo e todos parecem estar a ser observados, a todo o momento, em relação a todas as dimensões da vida…
Todas estas considerações a propósito de um livro que me parece dissonante da tendência opinativa. Problematiza, apresenta teorizações e estudos, leva a pensar na nossa identidade e no modo de nos relacionarmos.
Tem por título: A Sociedade Vigilante - Ensaios sobre identificação, vigilância e privacidade, foi organizado pela antropóloga Catarina Fróis e publicado em 2009 pela Imprensa de Ciências Sociais.
Trata-se de uma obra que "reúne um conjunto de ensaios de proeminentes cientistas sociais, nacionais e internacionais, que procuram problematizar a implementação e legitimação de vários mecanismos de controlo vigentes na sociedade contemporânea. Aqui são abordados temas como a videovigilância; o policiamento; a introdução de novos cartões de identificação; a regulação das politicas de protecção da privacidade individual; o uso e recolha de dados pessoais (estatísticos e genéticos) para fins governamentais ou comerciais. Os autores deste livro propõem-se mostrar que estar alerta, ser-se vigilante, é uma preocupação pertinente para a academia, para decisores políticos e para a sociedade civil, procurando contribuir para um debate lúcido e informado em torno destas matérias."
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3 comentários:
Doutora Helena... tem razão, acho que é como diz a minha mãe, que já tem alguma idade e já viveu muitas coisas e passou épocas diversas: é o fim dos tempos!
Não são apenas coisas do progresso, e não é por ser retrógrada que o digo, pois até me parece que o progresso, em mitos aspectos, é positivo.
Parece-me sim que alguém inventa um meio de multiplicar o dinheiro através do desenvolvimento da ideia de que é preciso "estar a par", é preciso estar na actualidade e, para isso, tem de se mostrar tudo: o que se mostra na rua, o que antes se deixava no recôndito do lar, o que se pensa, o que se gosta e não gosta... mostra-se o corpo e a alma. Nada significa mais nada. O que me incomoda ainda mais são as contradições de tudo isto: os pais dizem que querem proteger os filhos, e depois escancaram as suas fotos através dos meios que sabemos, o Estado (esse ser estranho que eu gostava de conhecer cara a cara e não se mostra, a não ser para nos tornar infelizes) na "ânsia" paternal e protectora de nos defender de todos os males, coloca câmaras e "chips" em todo o lado: nas ruas, nas escolas, nos monumentos, nas autoestradas, visita as nossas contas bancárias, etc., etc. E, estranhamente, para mim, muitos acham bem. Pois, eu não acho. Aquilo que entendo por democracia... a tão falada democracia... não dá o direito a ninguém de me atravessar a vida com um olhar radiológico, obrigando-me à tirania da observação constante, em todos os aspectos da vida. Se existir Deus, esse será o único Ser a quem darei esse direito.
Em conclusão: acho que estamos a caminho de um "embrutecimento" colectivo, seguimos como "paus mandados" e mostramos a nossa alegria a todos através de todos os meios mais modernos que conseguimos... Não podemos ficar para trás. Que me desculpem os que se sentirem ofendidos!
Cara anónima das 22:39, Só dá esse direito a Deus? Essa é boa, e se não der? Não adianta, não é? É como com o Estado.
Caro anónimo das 06:40, É "PURO DESPERDÍCIO DE DINHEIROS PÚBLICOS. Em muitos casos não é (Fisco, crime, etc. pode ser lucrativo). O problema é saber se há coisas que não são uma questão de dinheiro.
A este propósito parece oportuna a ocasião para dar uma leitura à referência, de 2009, Lugares de criança: shopping centers e o disciplinamento dos corpos infantis, que é uma adaptação da dissertação de mestrado de Karine Dias Coutinho.
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