segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sobre a Teoria Quântica


Novo texto do nosso colaborador habitual António Piedade saído no "Diário de Coimbra":

Mais de cem anos depois de ter sido formulada a teoria quântica, que permite a mais exacta descrição e predição do comportamento das partículas atómicas e subatómicas (electrões, quarks, mesões, protões, neutrões, etc.), verifica-se um grande desconhecimento sobre o seu conteúdo, limites e aplicações. Por outro lado, a teoria continua a “dar-nos” aplicações tecnológicas surpreendentes e que tendem a tornar o nosso mundo mais seguro contra os usurpadores e abusadores da liberdade e dos direitos humanos.

Um bom exemplo é o artigo que agora acaba de ser publicado na Nature Photonics (aqui). Investigadores noruegueses conseguiram abrir uma chave de segurança, baseada em propriedades quânticas, entre dois equipamentos comerciais remotos ligados através de fibra óptica. Comunicaram a sua descoberta ao fabricante dos equipamentos, supostamente invioláveis, que de pronto corrigiu o problema para garantir a segurança de informações partilhadas. Assegurada essa segurança, os investigadores publicaram o seu trabalho, alertando para a infalibilidade destes sistemas julgados infalíveis, tudo isto em resultado da inteligência e do profundo conhecimento da teoria e suas aplicações.

Contraste antípoda é o desconhecimento generalizado na população, de facto transversal a todo o espectro de formações (poder-se-ia falar de uma iliteracia quântica), que permite aos modernos negociantes de “banha da cobra” utilizarem o adjectivo quântico para iludir a eficácia do efeito placebo: o mesmo produto (frasquinho de elixir, geleias encapsuladas, tiras de plástico para pulseiras feitas em qualquer fábrica oriental, muito provavelmente por trabalho infantil) causa o mesmo efeito do que aquele que seria obtido pela mesma pessoa se esta se convencesse que iria melhorar do seu desânimo, da sua falta de equilíbrio, da sua baixa autoconfiança e por aí fora, sem gastar um só cêntimo. O mesmo efeito resultaria se a pessoa mudasse do modo sedentário para outro mais móvel, ou se reflectisse sobre a causa real do seu estado. Mas reflectir, pensar, raciocinar, fazer uso do cérebro, órgão que é capaz das normais funções cognitivas para além das simplesmente reflexas, dá muito trabalho, cansa muito. É muito mais fácil pagar (normalmente exige-se dinheiro) e acreditar reflexamente que um produto “vazio”, mas embrulhado com as palavras “que quero ouvir”, vai resolver os meus problemas, sem qualquer esforço.

Neste contexto, muito actual, importa dizer que a teoria quântica é válida e útil para estudar e descrever o comportamento dos átomos e das partículas que os compõem e que, por isso, se dizem subatómicas. Para descrever e entender o comportamento de corpos a escalas humanas e superiores, a mecânica clássica newtoniana (pré-relatividade) continua a ser válida e suficiente. Aliás, a mecânica clássica continua a ser útil e bastante para colocar um satélite em órbita geoestacionária ou mesmo para enviar uma sonda até Saturno. Mas, em rigor, será mesmo assim? Nem por isso. Se o corpo teórico clássico é suficiente para descrever o comportamento do satélite ou sonda, tendo em conta as forças gravíticas envolvidas entre ele, a Terra e os outros planetas, para o enviar e para controlar o seu movimento são necessários inúmeros equipamentos electrónicos, são necessárias tecnologias da informação. E estas últimas foram e são o resultado de aplicações da teoria quântica que descreve as propriedades dos electrões na matéria e dos fotões na radiação, assim como as respectivas interacções. Sem este conhecimento não é possível, por exemplo, entender as propriedades dos semicondutores. E, por isso, não teria sido possível inventar o transístor, os circuitos integrados, os “chips” electrónicos, etc. E, sem estes, não haveria a informática e as telecomunicações que hoje nos envolvem e trespassam.

Paradoxalmente, a teoria quântica é imprescindível para que o comando da sua televisão (uma hoje banal aplicação tecnológica) funcione e, sob a ordem do seu polegar todo-poderoso, assista a uma operação de “marketing" dito quântico, no novo palco feirante, agora hertzianamente difundido, dos vendedores de ilusões. Nem precisa sequer de se mover do sofá para aumentar o estado da sua ignorância.

António Piedade

Na figura: Réplica do primeiro transístor.

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