quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ver para crer!

No De Rerum Natura temos chamado à atenção para uma prática que se generalizou nos manuais escolares de Língua Portuguesa do Ensino Básico: as supressões e adaptações dos textos de autores clássicos. Os poucos textos de autores de qualidade que (ainda) são dados a conhecer às crianças, como Erico Veríssimo, Sophia de Mello Breyner Andersen, e Matilde Rosa Araújo, apesar da sua escrita límpida, encantatória não escapam a esta regra.

O que eu nunca tinha visto em manuais do 1.º Ciclo (apesar de não assegurar ser prática recente) é a adaptação de textos que... já são para o 1.º Ciclo. Repare o leitor no exemplo que escolhi:

Sim, é isso mesmo: um texto retirado de um livro que tem por título Leituras para o Ensino Primário foi adaptado para o agora designado 1.º Ciclo, mais concretamente, para o 3.º ano de escolaridade!

4 comentários:

Anónimo disse...

Tive recentemente a oportunidade de ter em mãos um manual do equivalente ao 11º ano de Matemática, publicado pela Universidade de Cambridge e fiquei, ao mesmo tempo, maravilhado pela simplicidade, pelo rigor e economia de palavras para explicar os assuntos e envergonhado por em Portugal não termos a mesma mentalidade prática, curta em palavras e eficaz. E dizemo-nos europeus...

José Batista da Ascenção disse...

A supressão de textos faz-se em língua portuguesa e noutras disciplinas. Escrever simples e bem, respeitando a gramática, parece coisa para esquecer. Em Ciências, por exemplo, é comum em vez de um texto introdutório ou de um resumo escritos com objectividade e clareza apresentar-se um mapa de conceitos. E, claro, quando se trata de um esquema com meia dúzia de caixinhas e outras tantas setas, convenhamos que as ideias até podem ser mais fáceis de apresentar e de intuir. Agora quando numa página, e às vezes em duas, há uma profusão de caixinhas e mais caixinhas, setinhas, muitas setinhas, umas a contornar as outras, e as outras a contornar as primeiras, assim a modos como os manuais de instrução de sofisticados equipamentos electrónicos, as coisas tornam-se inacreditáveis. E isto é sugerido aos alunos como se fora um grande exercício, quer para interpretar quer para realizar, como metodologia de aprendizagem. Entretanto, se pedirmos às pessoas que nos apresentam os conteúdos dessa forma ou aos alunos a quem tentamos entusiasmar no mesmo método, para nos passarem essas matérias para um texto, verificamos que não sabem escrever...
Quem sabe se, no futuro, a língua portuguesa acaba transformada numa amálgama de sinalefas, caixinhas e setas..., como estádio prévio àquele em que, segundo o meu amigo António Bastos, professor de português aposentado, apenas comunicaremos por gestos, estalidos e grunhidos.

Fernando Nabais disse...

Dentro desta busca obsessiva pela simplificação, descobri, há uns anos, um livrinho em que se oferecia a alunos julgo que do terceiro ciclo alguns contos do Eça adaptados, ou seja, contos do Eça sem o Eça.

Helena Damião disse...

Na sequência do comentário de Fernando Nabais, relembro que sobre a adaptação dos nossos escritores clássicos, publicaram-se no "De Rerum Natura" pelo menos dois textos: http://dererummundi.blogspot.com/2008/02/ei-intelectuais-deixem-as-crianas-em.html
http://dererummundi.blogspot.com/2008/04/d-lhe-contos-de-fadas.html

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