quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O ensino superior durante a 1ª República

Excerto do Relatório de Valter Martins apresentado no âmbito do Mestrado em Ensino da Física e da Química, na Universidade de Coimbra, intitulado "O Ensino da Física e da Química em Coimbra durante a 1.ª República":

Todas as revoluções têm como característica comum o desejo do desenvolvimento do país por parte dos seus protagonistas. Nesses momentos é natural que os diagnósticos sejam feitos com paixão, chegando por vezes a ser dogmáticos, e que as terapêuticas sejam administradas com a pressa que a ocasião impõe. De certo modo foi o que sucedeu na educação em Portugal após 1910.

Para ilustrar esta afirmação transcreve-se a certeza expressa por Sidónio Pais na Oração de Sapiência que proferiu a 16 de Outubro de 1909, aquando da abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra, onde era professor de Matemática:

“A Universidade de Coimbra precisa de tomar um partido - ou é pelo passado, pelo espirito de rotina, pela reacção enfim, e tem de morrer; ou é pelo progresso, pelo espirito scientifico, e pela liberdade, e tem de buscar em si propria a potencia creadora, que há de, por uma transformação radical, torná-la o primeiro centro de educação da mocidade portuguesa.”

A educação e a ciência não estavam muito bem quando foi estabelecida a 1.ª República e, quando esta terminou, os avanços tinham sido relativamente escassos. Para o testemunhar, refira-se que a 11 de Março de 1925, Einstein, na altura já Prémio Nobel da Física (tinha ganho o Prémio de 1921), desembarcou em Lisboa a bordo do navio Cap Polonio, vindo de Hamburgo a caminho do Rio de Janeiro. As suas duas passagens por Portugal, tanto à ida como à volta na sua viagem à América do Sul, passaram, porém, completamente despercebidas tanto à comunidade científica portuguesa da altura como ao resto da sociedade nacional. Em contraste, Einstein foi recebido com todas as honras na América do Sul, em particular no Brasil.

Houve decerto alguns avanços da educação e na ciência durante a 1.ª República. O ano de 1925, nas vésperas do golpe militar de 28 de Maio de 1926, foi o ano da inauguração do espectroheliógrafo no Observatório Astronómico de Coimbra, um aparelho que ainda hoje se mantém em funcionamento e permite a Portugal a posse de uma das maiores colecções de fotografias solares existentes no mundo. Mas esses avanços ficaram aquém do desejável numa época que, no mundo desenvolvido, foi de grande progresso para a ciência.

Para se perceber o contexto cultural e educativo do tempo da 1.ª República, é bom invocar alguns dados estatísticos sobre o analfabetismo de 1911 e de 1930. Verifica-se que, entre essas datas, o número absoluto de analfabetos aumentou, embora o seu valor percentual tenha baixado: passou de 4,5 para 4,6 milhões enquanto a população portuguesa, entre estes anos, cresceu de 6,0 para 6,8 milhões.

Em 1910 estavam matriculados na Universidade de Coimbra 1262 alunos. E, em 1926, existiam 1294, praticamente o mesmo número nessa Universidade. Mas o alargamento do número de alunos deu-se por virtude da fundação em 1911, em Lisboa e Porto, de novas Universidades, as duas incluindo uma Faculdade de Ciências tal como Coimbra. No ano de 1926, na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra estavam inscritos 388 alunos, sendo que o número de alunos nas três Faculdades de Ciências do país (Coimbra, Lisboa e Porto) era de 1247.

O corpo docente universitário em 1910 era formado por apenas 78 professores, todos eles na Universidade de Coimbra. Em 1926 nas três universidades nacionais já integrava 465 docentes, distribuídos da seguinte maneira: 195 em Lisboa, 141 no Porto e 129 em Coimbra. Mas estes números devem ser comparados com o total de docentes do ensino superior antes da República, incluindo o ensino politécnico, pois as Universidades de Lisboa e Porto não surgiram do nada, antes resultaram de escolas politécnicas e escolas médicas pré-existentes.

Valter Martins

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