quarta-feira, 1 de setembro de 2010
MAIS COMENTÁRIOS SOBRE O EDUQUÊS
Guilherme Valente reviu os seus últimos comentários a comentários que afixámos numa caixa de comentários e pediu-nos para os publicarmos como post, para que a sua posição fique ainda mais clara e a discussão possa prosseguir:
1. Finalmente mexeram-se. Vão chegando alguns comentários ao meu texto (é pena que continuem anónimos), aparentemente mais elaborados. Aparentemente, porque, na realidade, nada apresentam de substantivo. Andam à volta, fazem sempre uma leitura fragmentária do que temos escrito, como se num texto de um blogue pudéssemos estar sempre a repetir tudo, a fazer um livro. E sempre o recurso ao expediente ou à autoridade: O Desidério Murcho disse, a Helena Damião afirmou isto, o David Justino (que devia, aliás, estar calado) escreveu aquilo. Até o Karl Popper, meu Deus, que se ouvisse chamar ciências ao que as «ciências» da educação produzem teria um badagaio.
Aproveito a deixa, aliás, para dizer o que é mais do que óbvio. As «ciências» da educação, mesmo quando, eventualmente, aconteça produzirem trabalhos com interesse no seu âmbito, não são, por todas as mais do que evidentes razões, ciências. Serão estudos sobre educação, isso aceita-se. Mas, quase todos os que conheço, muito banais, muito fraquinhos, alguns deles mesmo muito ridículos. E quase sempre na tal linguagem que oculta a mediocridade do conteúdo. Teses de douramento? De modo nenhum. Só no reino do «eduquês»…
2. Claro que os governantes têm culpas. Por serem convertidos ou porque se deixaram comandar pelos «especialistas» e a nomenclatura instalada (pelo mecanismo que tenho explicado). E deixaram-se comandar porquê? Por não terem espírito crítico, por incompetência, falta de conhecimento e de projecto (entre nós aceita-se ser ministro mesmo sem a mais leve interrogação sobre se se estará em condições de assumir essa responsabilidade), por não quererem «chatices», etc.
3. Nunca em nenhum dos meus escritos responsabilizei aquilo que designo por «eduquês» (que já expliquei em vários escritos o que é, e, aliás, este anónimo bem reproduziu) por ter estragado a escola que havia. Responsabilizo-o, sim, «por ter impedido a construção da escola que com a liberdade há muito poderíamos ter».
A escola do salazarismo tinha aspectos horríveis e eu próprio fui vitima deles. O mau nunca deve ser, nem é para mim, uma referência comparativa. Quando penso e defendo o que deveríamos ser, a escola que deveríamos ter, não estou a pensar, a comparar, com a escola que tivemos. Mas, se me colocam a questão, não tenho dúvida em dizer que. do ponto de vista dos seus efeitos na sociedade, a escola do «eduquês» é muito mais perversa, mais devastadora, do que a escola salazarista. De modo simplificado, direi apenas, por agora: o salazarismo queria instrumentalizar as consciências, ensinava para doutrinar, mas ensinava. A escola do «eduquês» não ensina, não quer que se aprenda o conhecimento, os saberes que contam, apaga o desejo de saber (que é o que nos torna humanos), aniquila a autoexigência, o desafio do mérito, apaga a consciência, impede, afinal, a liberdade, porque um homem só é livre se for culto e, por isso, poder ser crítico. Não se deixa de ser livre por se estar preso…
A escola do salazarismo ensinou-nos a ler, por exemplo, para lermos a História que nos queriam impingir, mas nós… pudemos ler a História que eles não queriam que lêssemos. Por isso pudemos revoltar-nos. Percebe-se o que quero dizer?
Quanto à escola do «eduquês», depois de mais de trinta anos, sabe-se e vê-se aquilo em que quer e em que tem transformado a generalidade dos alunos que não podem (sobretudo por razões sociais) fugir dela: zombies. Preparadinhos para qualquer ditador…
Guilherme Valente
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11 comentários:
Estou completamente de acordo. Alguém disse que se uma disciplina tiver na designação a palavra "ciência" é porque não é ciência. Interrogo-me se o sucesso do 'eduquês' não se deverá à apetência pela retórica em detrimento do estudo da realidade. É que é tão fácil mascarar a ignorância com palavras! Conheci tantos colegas (os melhores professores segundo os seus alunos)que defendiam brilhantemente disparates gritantes, coisas do género "o estudo linguístico da obra de X revela que são textos da melhor qualidade literária". Ou: "Como disse Einstein (ou Fernando Pessoa)... " -- sempre incapazes de indicar onde é que tal afirmação estava.
A haver algum fundamento nesta minha ideia, ela radicará no ensino tradicional português, com a sua aversão às ciências e o predomínio da retórica e, por outro lado, na entrada massiva de alunos nas universidades no pós 25 de Abril, muitos dos quais mais interessados em terminar rapidamente o curso do que em aprender qualquer coisa -- os quais vieram a formar fornadas de alunos à sua imagem e semelhança.
Nem todos os estudos que se realizam em educação – a minha área é no ensino das ciências – têm por base o denominado eduquês. Existem grupos de investigação a realizarem trabalhos bem fundamentados teoricamente e com uma metodologia coerente, ou seja, a realizarem investigações rigorosas. Veja-se o exemplo do grupo ESSA (Estudos Sociológicos na Sala de Aula) http://essa.fc.ul.pt. O trabalho desenvolvido pelos membros deste grupo tem procurado encontrar respostas para o importante problema de melhorar a aprendizagem dos alunos, particularmente dos desfavorecidos, sem baixar o nível de exigência conceptual.
Ó José Cipriano (espero que não leve a mal este modo de me dirigir a si):
Mas uma retórica muito circular, muito sem ponta por onde pegar, enfim, uma retórica que nem retórica chega a ser. Porque a retórica, suponho eu, tem que se lhe diga. Agora afirmar, e levar a um encontro de pedagogia o trabalho "notável" de criancinhas que "descobrem", em pleno século XX, que a queda dos graves é directamente proporcional à massa, é coisa digna de indignar a mente menos exigente.
Então não era de os prender?, não as crianças, entenda-se...
Eu lamento muito mas, mesmo sem querer tomar parte neste debate, tenho de chamar a atenção para algo: como é que alguém que fala em rigor, exigência, trabalho, etc., se detém na primeira pedra, i.e., no facilitismo de utilizar um termo absoultamente impreciso, vago e de tom preconceituoso («eduquês») para designar o alvo das suas críticas? Haja decência! Quer-se com certeza significar a existência de um linguajar comum, um senso comum mais ou menos erudito? Se é isto, precisem-se posições e utilize-se linguagem que honre os pergaminhos do «rigor», etc. É que não há paciência para este diálogo de surdos? Ou o propósito não é esclarecer?
Concordo com tudo o que o senhor diz. Neste texto e nos anteriores.
Hoje li um queixume , não sei dizer de quem , não liguei , qualquer coisa de sindicato , no Público : as universidades estão a formar professores para o desemprego. E o Estado assim e assado.
E eu pergunto : que culpa têm as universidades negócio das más decisões dos clientes ? esses consumidores que tomam a decisão de se formar para o desemprego têm a cabeça onde? não conseguem fazer um simples balanço de custos/benefícios ?
È estranho culpabilizarem o Estado como se as pessoas não fossem responsáveis pelas suas escolhas. Penso que têm suficiente informação disponível para tomarem decisões.
E agora um queixume meu : o défice de saber fazer é que me anda a preocupar mesmo. Com a overdose de doutores , desempregados em potência , cheios de letras inúteis na cabeça e zero capacidades nas mãos ...tenho imensa pena de não saber fazer mais coisas : uma cadeira , criar uma alface , arranjar um autoclismo , mudar uma torneira , encadernar um livro ,recuperar um móvel ... é o que lhe digo.
E penso ( vai sair disparate ) que não era difícil - requeria apenas professores mesmo bons- aprender a fazer ao mesmo tempo que se aprende a analisar: o "estudo do meio" podia ser feito a agricultar. Podia , não podia ?
A química , então , acho que até a cozinhar se aprende... E a física ? a ciência está presente em tudo o que se faz . Estou a pensar errado?
Nas escolas por onde tenho passado tenho assistido a diversos "trabalhos de campo" na área da educação. Todos com uma característica comum, e única: aplicação de inquéritos escritos, alguns com dezenas de páginas. E posso dar testemunho de várias situações reais:
Numa delas, a minha estimada colega Cândida, empenhada e distinta professora de Português-Francês, perante o carácter abstruso de muitas perguntas, passou anotar-lhes ao lado: "o que diz?", "importa-se de ser claro?" "Como diz?", etc, e entregou o dito inquérito com a maior parte das questões por responder.
Num outro caso, uma investigadora procurou a minha escola porque nela conhecia várias pessoas e supunha que lhe seria mais fácil arranjar colaboradores. E então foi curioso, como alguns a viram entrar ficaram no extremo do corredor e quando ela descia ao piso de baixo subiam eles as escadas, já quando ela subia eles desciam de novo, de modo a ficarem ocultos. E preferiram não lhe aparecer, e ficar sem intervalo, e não ir ao quarto de banho, do que passarem pelo desagrado de ter que lhe fazer o frete. Esta situação contou-ma a minha colega de grupo Manuela.
Num outro caso, um investigador, encimou os inquéritos com um quadro onde constava um severo apelo à então Presidente do Conselho Executivo, para ordenar aos professores que entendesse o preenchimento do seu inquérito. Dessa vez foi um regabofe: uns disseram claramente que não eram criados de ninguém, outros afirmaram que estavam fartos de preencher papéis de que haviam de ser extraídas conclusões que já estavam na cabeça de alguém, contrárias ao que viviam como professores, e outros ainda preencheram diligentemente os mesmos inquéritos, de modo puramente casuístico, colocando as cruzes em qualquer quadrado.
Ora, estes investigadores, talvez devessem procurar outros meios de investigação, suponho. E para conhecer bem o terreno não haverá como pegar em turmas, especialmente as mais difíceis, e mostrar como se faz. E depois sujeitar os alunos a exames decentes. Agora assim...
Falamos, falamos, falamos e ficamos todos fartos de nos ouvirmos. E depois, como em cada família portuguesa há pelo menos um especialista em educação, embora sejam muito menos os que dão aulas, trabalhando directamente com os alunos, é difícil podermos abordar com clareza estes assuntos. Temos que ter cuidadinho, como me têm recomendado. Para além de nos saturarmos de nos ouvirmos a nós próprios, como é o meu caso (que importa que eu grite por socorro se só consigo importunar os bem instalados?...), criamos antipatias até naqueles que gostaríamos de ver sair e de ajudar a tirar do meio da lama. Mas Portugal foi sempre o que é. E até admira como um espaço destes tem estado aberto tanto tempo à opinião daqueles que já não estão para calar mais. É que até os próprios promotores do blogue podem vir a sentir incómodo por se discutir tão abertamente. E depois, se o país é mesmo uma "choldra" ou uma "piolheira", por que hão-de os melhor instalados sujeitar-se a tão grandes maçadas. Os pobres que continuem pobres, e ignorantes e tanto quanto possível contentes, porque assim sempre é possível que uns poucos difrutem melhor dos parcos recursos do país. Ao menos que esses, embora poucos, o possam fazer.
Desculpem alguma coisinha, amigos.
Caro José Batista da Ascenção,
Concordo com tudo o que disse. Mas tudo mesmo.
Infelizmente, temos muita gente que lava as mãos como pilatos porque não se está para maçar com estas "pequenas" coisas e os nossos governantes dão ao povo aquilo que o povo quer, ou seja uma escola pública muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito fácil, muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito gira e que guarde os meninos muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito tempo.
Como os "cientistas" da educação oferecem como solução o referido acima formaram um lobby que só com muito trabalho e determinação se pode vencer, mas como uma boa parte das nossas elites não está para grandes maçadas...
Adoro o seu raciocínio coerente e realista, sem ir pelo facilitismo dos resultados "fáceis". Continue a nos brindar com os seus textos brilhantes.
José Batista da Ascenção:
(Faço questão de ser tratado por José Cipriano, ou mais simplesmente por Zé:
http://jose-catarino.blogspot.com/2010/06/ze-simplesmente.html)
"Mas uma retórica muito circular, muito sem ponta por onde pegar, enfim, uma retórica que nem retórica chega a ser." Inteiramente de acordo. Eu diria: colada com cuspo, como boa parte do "conhecimento" que transmitimos nas escolas. Uma das consequências da promoção do estudo das "ciências" da educação foi o abandono do estudo das áreas específicas do ensino por parte de cada professor: para o que tenho de ensinar, até sei de mais!, disseram e dizem muitos. Ora uma licenciatura era, como então se dizia, um licença para aprender. Mas para a generalidade dos professores, foi o fim do estudo na sua área específica. Este é um dos problemas de que julgo responsáveis as "ciências da educação".
1. Ninguém gosta de comparações com um sistema ditaturial. Quando faz sentido comparar o sistema educativo actual com o de Salazar... é bastante mau! Mas, o que é certo é que parece ser uma comparação pertinente, não para enaltecer Salazar, que seria irracional, mas para depreciar o "eduquês", o que deveria ser demolidor.
2. Sabemos hoje como a ciência pode estar, apesar de todos os esforços em contrário, mais ou menos contaminada de ideologia, pelo menos influenciada mais do que seria de supor pelos sistemas sociais. Assim, muito natural seria que as "ciências da educação" também estivessem sujeitas a tais influências. Acresce, no entanto, que, graças ao seu estatuto epistemológico altamente precário, como também é sabido, bem mais sujeitas estão, sobretudo, a uma contaminação ideológica, hoje em Portugal altamente promíscua e bem clarividente. Ciências ou não -- provavelmente não, mesmo --, contaminadas estão.
Infelizmente, Valente de Oliveira (como muitos outros) tem razão naquilo que escreve. Mas, pior, é que o facto de existir hoje uma consciência alargada da decadência do sistema de ensino em Portiugal, às mãos de políticos sem o mínimo de escrúpulos e escandalosamente manietados ou por inércia ignorante ou por interesses pessoais próprios e de clã (senão pelos dois), pior é mesmo o facto de tal consciência crítica ainda não ter sido capaz de interromper esta queda para o caos. Sinal de que a educação e o ensino -- a falta deles -- é mesmo fundamental.
http://www.nationalreview.com/articles/243481/harvard-wimps-out-testing-chester-e-finn-jr
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