sexta-feira, 15 de maio de 2009

O VOO DE ROBERTSON FILHO NA GAZETA DE LISBOA


Com renovados agradecimentos ao nosso leitor João Boaventura publico aqui o relato que a Gazeta de Lisboa fez da subida em balão de Robertson filho nos céus de Lisboa em 14 de Março de 1819. Foi a segunda viagem em balão tripulada em terra portuguesa. O mesmo balonista haveria de realizar pouco depois a primeira descida em paraquedas realizada em Portugal. A grafia foi actualizada, incluindo mudanças de maiúsculas e pontuação, mas conservou-se o "sabor" do texto antigo. Na imagem, o balão "Minerva", concebido por Robertson pai em 1804, mas nunca construído (Robertson, E.G., La Minerve. Paris: S.V. Degen, 1804).

"Lisboa, 21.03.1819 - Havia 24 para 25 anos (desde 24 de Agosto de 1794) que esta capital não gozava do magnífico espectáculo de uma viagem aerostática, que é sem dúvida um dos mais maravilhosos efeitos dos progressos das ciências nos últimos tempos, quando no dia 14 do corrente Março se viu renovado este esplêndido divertimento de um modo o mais brilhante que neste género se tem visto.

Tendo há tempos Mr. Robertson, bem conhecido na Europa por seus conhecimentos práticos de Física experimental, chegado de França com seu filho, mancebo de coisa de 20 anos, a esta capital, e tendo pedido e alcançado licença para fazer uma ascensão aerostática, aumentando com esta o número de muitas que tem feito em diversos países, designou executá-la a 28 de Fevereiro; mas não o permitindo o tempo chuvoso, ficou transferida para o dia de domingo 14 de Março, o qual amanheceu com todo o brilho que neste delicioso clima se goza em tempo de estio, e particularmente na Primavera.

Era o sitio destinado para esta operação a formosa Quinta da Excelentíssima Condessa de Anadia, a S. João dos Bem Casados, que S. Exa. generosamente se dignou prestar a Mr. Robertson para este fim, e cuja situação elevada oferecia um excelente ponto para a partida do aeronauta, desfrutando-se esta ao mesmo tempo de diversos lugares eminentes. Em uma área espaçosa desta Quinta se tinham destinado lugares de primeira e segunda ordem para um avultado número de subscritores que desejavam presencear de perto à operação de encher a máquina, para cujo fim estabeleceu no centro o hábil físico um aparelho pneumato-químico formado de 14 tonéis, de 8 dos quais só precisou extrair o gás, começando a trabalhar das nove e meia para as dez horas da manhã. Por volta da uma hora encheu o dito Professor um globozinho, que tinha as armas reais, e o levou à Excelentíssima Condessa de Anadia para S. Exa. se dignar de o soltar, e elevando-se ao ar, tomou a direcção do Noroeste, o que deu a conhecer aos espectadores qual deveria ser o rumo que seguiria o aeronauta, cujo balão grande, de 21 pés de diâmetro, já então estava cheio e pronto a partir. Para entreter porém mais os espectadores até à partida do seu balão, lançou Mr. Robertson mais alguns pequenos aeróstatos, tendo o último o feitio de um avultado peixe. Tocavam de vez em quando os músicos da Guarda real da Polícia, que se achavam no recinto, lindas sonatas, que animavam mais o vivo interesse que se divisava naquela conspícua assembleia.

Esperava o público que seria Mr. Robertson, pai, o que subiria aos ares, e tal fora sempre a geral expectação, quando seu filho, o mancebo Robertson, desejando segui-lo nesta carreira, testemunha da maior parte das ascensões aéreas de seu pai, e tendo já subido com ele aos ares em Viena, instou lhe concedesse datar deste dia, e em tão brilhante ajuntamento a época da sua primeira ascensão aerostática em que fosse ele só. Tendo o pai anuído aos seus rogos, e certo de que se achava capaz de bem desempenhar esta arriscada empresa, entrou na barquinha o mancebo Robertson pelas duas horas e um quarto, e elevando-se um pouco a máquina, ainda preza por algumas guias, girou em torno da assembleia que ocupava o recinto, espalhando por cima dos espectadores vários papéis de versos análogos ao espectáculo. Baixou depois disto, e marcando os grãos do termómetro e do barómetro que levava, e as horas do seu relógio, se elevou pelas duas horas e três quartos, e na altura de coisa de 15 braças, lançando abaixo a bandeira, e descobrindo-se, bradou três vezes Viva El Rei, ao que respondeu o imenso concurso dos circunstantes. Foi-se o globo entre vivas e aplausos elevando majestosamente com grande serenidade, e quase perpendicularmente por grande espaço, indo entretanto o aeronauta deitando, até já ir em grande altura, mãos cheias de papéis de várias poesias impressas para esse fim.

Um quarto de hora depois da partida, vendo o aeronauta debaixo de seus pés uma bela povoação (que era Benfica), abriu a válvula do balão para descer, e falando, apartado do chão a altura das casas, com o povo que ali se apinhara, espalhou alguns papéis, e aliviando de algum lastro a barquinha, bradando Viva El Rei, tornou a elevar-se a maior altura, calculada em três quartos de légua nesta segunda subida, na qual, muito mais alta que a primeira, deu o jovem físico grande prova de sua intrepidez e talento.

Vendo-se já quase iminente ao mar, abriu de novo o registo do balão para subir o gás, e foi descendo contrariado pelo vento, chegando a terra pelas 4 horas e meia, num campo lavrado perto do sitio de Galamares (meia légua ao poente de Sintra), onde lhe prestou o mais oportuno auxílio para subjugar o balão o R.P. Fr. Carlos da Conceição, dos Capuchinhos da Serra. Os habitantes do campo correram também a qual mais desvelado o havia de ajudar, e foi conduzido o intrépido aeronauta como em triunfo a Sintra entre clamores de júbilo, e não se farta de expressar quanto o seu coração se acha penhorado pelo obséquio que ali de todos recebeu.

Se quiséssemos pintar com expressões o lindo quadro do brilhante espectáculo deste dia, ou elas nos faltarão, ou quando pudéssemos vencer esta dificuldade, seria julgada hiperbólica a sua descrição pelos que o não viram, e inútil pelos que o gozaram, pois sempre a sua vista lhes deixara muito mais viva impressão. Figurem-se pois os que não presenciaram este espectáculo, o mais formoso dia, e o mais sereno, uma reunião de não menos de 50% habitantes desta capital em todos os sítios próximos ao do lugar da ascensão, e neste lugar a maior parte da fidalguia, alguns dos Excelentíssimos membros do governo, o excelentíssimo Marechal General, e outros Generais do Exército, enfim, um sem número de pessoas nacionais e estrangeiras de diversas hierarquias, brilhando com o maior gosto, riqueza, e primor os enfeites e adornos da mais luzida assembleia que se hajam talvez jamais visto do belo sexo; e sobre tudo dito, a belíssima ordem e sucesso que houve, as acertadas medidas tomadas pela Polícia, cuja Real Guarda ali se postou, e nos lugares mais convenientes, para a expedição do inumerável concurso das carruagens, que cobriam as estradas daqueles contornos; e assim se terá uma ideia aproximada, mas muito débil, da grata sensação que deixou nos ânimos dos que viram este lindíssimo espectáculo. Só uma circunstância a podia fazer mais completa nos corações portugueses; o leitor a conhecerá no fim do penúltimo verso do seguinte soneto, que, como os outros versos que o aeronauta espalhou, passamos a transcrever por satisfazermos a vontade do público que os deseja ler.(...) [poemas num "post" a publicar].

(Em casa de Mr. Robertson se há de achar brevemente impressa a Relação desta Viagem, com os cálculos que por esta ocasião se fizeram)."
(Gazeta de Lisboa n.º 69, 22.03.1819).

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