terça-feira, 18 de dezembro de 2007

PISA e Novas Oportunidades


Já tardava a publicação aqui do último texto de Rui Baptista. Aqui vai:

“A miséria subsiste. Como outrora. Eliminá-la completamente não podes. Mas vais torná-la invisível”. (T. Adorno)

Foram há pouco divulgados os resultados do PISA (“Programme for International Student Assessment”), relativos ao ano de 2006, que colocam Portugal em 54º lugar, apenas à frente da Grécia, da Turquia e do México. Uma vez mais e sem ser por boas razões, o sistema educativo português passou para as páginas da comunicação social dos 57 países da OCDE que participam nestas provas avaliativas do rendimento escolar no âmbito da Matemática, das Ciências e da Leitura (ver este post e este post).

É este, portanto, o desolador panorama do nosso país em que “até dá pena ver o esforço das autoridades portuguesas para desvalorizar o PISA e, quando não o desvalorizam, o esforço para desculpabilizar um sistema que assim se vê tão cruamente retratado e, claro, abalado” (Carlos Fiolhais).

E se no sistema educativo regular dos jovens portugueses com a idade de 15 anos, pois é neste escalão etário que incide o PISA, há maus resultados impossíveis de esconder, no programa "Novas Oportunidades”, destinado a indivíduos maiores de 18 anos que deixaram de frequentar a escola por reprovações sucessivas, os resultados transformam-se em êxitos estatísticos oficiais de uma desastrada política educativa.

A réstia de esperança que pudesse haver sobre a bondade de uma segunda oportunidade, para quem desperdiçou uma primeira, foi abalada em seus frágeis alicerces pela leitura de uma extensa reportagem, sobre os Cursos de Educação e Formação, publicada no “Expresso” (8.Dez.2007), um semanário de referência não enfeudado ao poder político, quer antes quer depois de 25 de Abril. Por ela se ficou a saber que estes badalados cursos para aumentar as percentagens estatísticas de portugueses que terminam os 6.º, o 9.º e 12.º anos de escolaridade, não espelham uma situação minimamente verdadeira, credível ou séria.

Não querendo, de forma alguma, generalizar a todos estes cursos efeitos perversos, tenho razões para pensar que em sua grande maioria sirvam apenas de recreio buliçoso para passar o tempo de quem procura um diploma avalizado pelo Estado para cumprir o destino de um país europeu em que, segundo a Associação Comercial do Porto, “se ensina pouco, se educa menos e se exige quase nada”.

A título de mero exemplo, extraio daquele semanário este elucidativo pedaço de prosa da autoria do professor que denunciou ao Presidente da República o verdadeiro escândalo que se acoberta por detrás destas actividades curriculares: “Estes frequentadores da escola aparecem nas aulas sem trazer uma esferográfica ou uma folha de papel. Trazem o boné, o telemóvel, os ´’headphones’ e uma vontade incrível de não aprender e não deixar aprender.”

Tristemente propagandeados, estes cursos de ensino profissional, ministrados numa espécie de colónia de férias, não cumprem os requisitos de um ensino minimamente exigente que deve preparar para o mundo sério do trabalho. Numa sociedade tradicionalmente submissa a pergaminhos de diplomas universitários, a questão que se levanta é esta: não será preferível ser um eficiente operário especializado que trabalha por gosto a ser um licenciado no desemprego, desmotivado no desempenho das suas funções ou em tarefas para que o antigo diploma da 4.ª classe capacitava?

Seja como for, já é tempo de interiorizar na população portuguesa que a escola deve criar e desenvolver no aluno qualidades profissionais, humanas e cívicas que o tornem útil a uma sociedade que investiu dinheiros públicos na sua formação. Ora, isto não está ao alcance de uma escola permissiva que alberga em seus muros quem não quer estudar, em permanente cumplicidade com a cabulice, a violência, a indisciplina, a simples falta de boa educação.

Continuando a consentir “que se estejam a fabricar ignorantes às pazadas” (Medina Carreira, 13.Dez.2007), o Ministério da Educação corre o risco de ruir ao peso das “Novas Oportunidades” ressurgindo com o nome de Ministério da Ignorância, designação, aliás, bem mais apropriado às circunstâncias actuais!

14 comentários:

Anónimo disse...

Outra treta que de util só traz a vantagem de haver portáteis a 150€
Essa coisa das novas oportunidades é outra treta bem como as tretas dos cursos profissionais, como a treta da maior parte da formação do IEFP, dos pseudo cursos tecnologicos nas escolas para os entreter até ao 9 ano por lá, tretas, tretas e mais tretas.
Eu sou a favor da obrigatoriedade do ensino até ao 9 ano, obrigatoriedade real com ensino de rigor e exigencia, não sabe não passa e ponto final.
Caiu-se num tal facilitismo que o sistema de ensino não ensina nada, parece mais um sorvedouro de dinheiros públicos, não se admirem se daqui a menos de uma decada se começar a questionar o mesmo e a defender a sua extinção e substituição pelos privados.
Só se dá valor ás coisas quando se perdem.
E infelizmente o povo portugues no seu geral, é burro, ignorante, não instruido, não ilustrado e as instituições são um reflexo da sociedade que temos.
Como é que em pleno séc. XXI as pessoas não se apercebem que a educação é um dos pilares da democracia e que deve ser estimulada e levada a serio, cambada de palermas que habitam este pais, todos se queixam e ninguem faz nada, devem estar à espera que sejam os espanhois ou outros a fazerem por nós não?

Anónimo disse...

A Educação deve ter um caracter de oportunidade e não de certificação. O Estado garante a possibilidade de o cidadão estudar até ao 12º ano e o aluno-cidadão aproveita se desejar. Quantas a programa "novas oportunidades", resumo a minha opinião ao nome: É uma nova oportunidade. Acham que os Portugueses não merecem ?

O problema de muitos portugueses é que acham que a graduação académica garante só por si um determinado estatuto hierárquia e não a competência. Esse tipo de pessoas tem medo da concorrência.

Anónimo disse...

O comentário do anónimo anterior merece-me uma crescento. Não se trata de os portugueses não merecerem uma mova oportunidade. A questão coloca-se a outro nível. As Novas Oportunidades não acrecentam nada a não ser o diploma.
Não aunmentam a formação em termos dr vida prática, nem acrescentam conhecimentos académicos.
É aí que está o falhanço da medida.
Seria muito bom se as pessoas voltassem à escola para aprenderem algo. Apenas lá vão para irem receber o diploma.

purpurina disse...

"não sabe não passa e ponto final"?!
e descobrir porque é que não sabe não será também importante?

talvez melhor do que uma política de nãosabenãopassa seja uma de descobrir mais cedo quem não sabe e tentar resolver problema de outra forma que não seja empurrar o aluno para uma turma desconhecida e de diferente faixa etária que o vai marginalizar ainda mais e que poderá, eventualmente, afastá-lo da escola cedo.

por alguma razão é comum que a um chumbo se siga outro - e não acredito que seja tudo burrice.

não acredito numa solução facilitada em que se exija menos dos alunos de maneira a evitar percentagens desonrosas, mas nãosabenãopassa não resolve problema nenhum.

Anónimo disse...

No post e nos comentários aqui colocados sobressai para mim o mais importante desta questão: O que queremos para o nosso país em termos de educação? Se for só qualificação académica ao desbarato estamos no bom caminho. Se quisermos um povo eticamente bem formado, educado e respeitador dos seus direitos e deveres, então estamos no mau caminho.

Manuel Rocha disse...

Vejamos se percebi bem .

Os governantes cultivam o oportunismo facilitista. E os cidadãos são obrigados a consumi-lo!

É isto ?

Desresponsabilizar-se sistemáticamente a má cidadania e as pessoas concretas pelos seus percursos atribulados e procurar-se para isso culpas nos governos quaiquer que eles sejam, já não seria tese a merecer revisão?

Anónimo disse...

De facto, como é muito difícil, senão mesmo impossível, esconder (qual avestruz) que alguma coisa vai mal, mesmo muito mal, no ensino que temos, ou melhor, nos é impingido por pessoas insuspeitas e com provas dadas, talvez seja altura de reconhecer que "os outros" é que devem estar mal e nós é que sabemos. Basta!!!
Sendo assim, fica a sugestão: Não deixar participar os nossos alunos, sempre se evitaria ter que justificar o falhaço do eduquês e das pseudociências da educação.

Anónimo disse...

Vários erros: Portugal não ficou em 54º lugar em 57 países. Em Ciências, o pior resultado das três áreas, Portugal ficou em 37º lugar entre 59 países. Atrás de Portugal ficaram: Grécia, Israel, Chile, Sérvia, Bulgária, Uruguai, Turquia, Jordânia, Tailândia, Roménia, Montenegro, México, Indonésia, Argentina, Brasil, Colômbia, Tunísia, Azerbeijão, Quatar, Quirguistão. Além do mais ficou ex-aequo com a Federação Russa e Itália. Em leitura e em Matemática os resultados foram melhores (à frente de Espanha e Itália no primeiro caso e ex-aequo com os Estados Unidos no segundo caso).
Um pouco de rigor não faz mal a ninguém!

Anónimo disse...

Relativamente ao comentário anterior, poderíamos até dizer mais: Não ficámos em último!
Se isto fosse um campeonato de bola, até ficarámos bem classificados...
É pena não se ter outro tipo de ambições e jogar para outro tipo de campeonato, onde, aliás, dado o estado a que se chegou, nem vale a pena pensar no assunto...
Sem querer prognosticar o futuro (qué é muito difícil de prever), piores dias virão!

Rui Baptista disse...

Caro anónimo: Na verdade, cometi o engano de não ter especificado que o lugar ocupado por Portugal dizia respeito apenas aos 30 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Aqui fica feita a devida correcção. Agradeço o seu reparo. Seja como for, esta correcção não invalida, de forma alguma, os maus resultados alcançados por Portugal. Ter Portugal ficado à frente de países como a Tunísia, Azerbeijão,Montenegro, Quantar e Quirguistão (alguns dos exemplos por si apresentados) não pode constituir, de forma alguma, motivo de orgulho para adormecermos sobre os “louros conquistados”. Somos maus, com o lenitivo de haver outros piores que nós como o Quirguistão, uma triste comparação que não invalida que "estejamos a fabricar ignorantes às pazadas".

Anónimo disse...

Quantos dos comentadores são professores do 1.º, 2.º ou 3.º ciclos?

Não, não perguntei por professores universitários...!

Se não se importam... é só para poder "situar" os comentários e as opiniões que se emitem por aqui relativamente à Educação.

Fernando Martins disse...

Texto excelente, com o qual concordo na íntegra. O que o Ministério da Educação está fazer, através da sua Ministra e da sua cabeça pensante (pensante é um exagero...) Valter Lemos é criminoso.

Sou um professor do 3º Ciclo...

Rui Baptista disse...

Caro Manuel Rocha: É difícil, ou mesmo impossível, exigir do povo anónimo lições de cidadania para "não consumir o oportunismo facilitista" quando os maus exemplos vêm de cima com a chancela estatal.Como diz o povo: "Ou há moralidade ou comem todos!" Não concorda?

Rui Baptista disse...

Agradeço a todos os comentadores a colaboração prestada a uma temática em que se joga o nível cultural de um povo que se tem vindo a degradar de governo para governo, de ano para ano. Vivemos num país a duas velocidades: uns viajam em comboios a vapor,com incomodidades pelo caminho e paragens em vários apeadeiros, outros na comodidade do TGV que os transporta, à velocidade de um raio, rumo à obtenção de diplomas universitários ou não. O TGV é representado pelos exemplos da Novas Oportunidades para maiores de 18 anos e do acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos, com o respectivo e escandaloso facilitismo subjacente. Por exclusão de partes, e como é óbvio,quem faz o seu percurso escolar normal viaja em combóios ronceiros. Claro que, com isto, não estou contra as Novas Oportunidades ou acesso ao ensino superior de quem, por motivos vários,se viu obrigado a desistir dos respectivos estudos, mas...desde que esta forma de obtenção de diplomas se não torne num prémio para quem não quer estudar, decididamente. E com isso exigindo direitos sem cumprir deveres, defendendo num atitude egoísta os direitos para si e os deveres para os outros! Foi isso que quis transmitir com o meu post. Nada mais. A exemplo de Edgar Morin, "peço que me ataquem frontalmente, mejulguem pelas minhas ideias e não por aquilo que queriam que fossem as minhas ideias"!

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