sábado, 1 de dezembro de 2007

Arte e Ciência: velhos mestres, novas lições

O pintor inglês JMW Turner afirmou que o seu trabalho destinava-se não a ser entendido mas «a mostrar o que uma cena é na realidade». Acreditando que a sua obra é de facto fiel à realidade, as aguarelas e óleos de Turner representando o pôr-do-sol assim como quadros de mais 180 pintores, num total de 554 telas, foram examinados por cientistas que pretendiam aprender com a obra dos velhos mestres.

A equipa, dirigida pelo físico e presidente do Observatório Nacional de Atenas, Christos Zerefos, analisou o pôr-do-sol visto por mestres de um período de 400 anos, entre 1500 e 1900, para avaliar o impacto climático de grandes erupções vulcânicas. Os cientistas pretendiam usar o efeito de causas naturais no clima para melhorar os modelos utilizados na simulação do aquecimento global.

Erupções vulcânicas como a do Krakatoa na Indonésia em 1883 enviam toneladas de poeiras para a atmosfera e provocam magníficos tonalidades no pôr-do-sol uma vez que a luz é dispersa por estas partículas. Estudando as cores do céu tal como os mestres as viam após essas erupções, mais concretamente analisando as razões vermelho/verde, os cientistas consideram poder calcular a quantidade de poeiras no ar.

O estudo, publicado este ano nas revistas científicas Nature e Atmospheric Chemistry and Physics, forneceu «informações importantes sobre a concentração de partículas atmosféricas» nas épocas estudadas e, na opinião dos cientistas envolvidos, pode contribuir significativamente para o estudo sobre a poluição atmosférica e alterações climáticas.

Turner «assistiu» a três destas grandes erupções vulcânicas, Tambora, na Indonésia, em 1815, Babuyan nas Filipinas em 1831 e Cosiguina na Nicarágua, em 1835. Os cientistas verificaram que, nos três anos após as erupções, o pôr-do-sol pintado por Turner apresentava uma drástica alteração na razão vermelho/verde, o que indica uma maior poluição atmosférica.

Para além de Turner, os cientistas estudaram, entre outros, quadros de Titien, Tintoretto, Copley, David, Breton, Degas, Turner, Munch, Rubens, Rembrandt, Gainsborough e Hogarth.

Embora apreciadora da obra de Tintoretto - classificado durante muito tempo como o último pintor renascentista tendo posteriormente sido considerado o primeiro mestre da pintura barroca; actualmente é apontado como grande vulto do maneirismo - não me tinha apercebido de qualquer nuance nas cores com que tingia o céu. Jacopo Robusti, que mereceu o nome Tintoretto porque o seu pai Battista Robusti, era tintore (tingia seda), impressiona-nos ainda hoje pelos seus efeitos de luz e fez notícia o mês passado por se pensar ser sua a enorme pintura a óleo que se encontra no Mosteiro beneditino de Singeverga - onde permaneceu o historiador José Mattoso até abandonar a vida monástica -, em Santo Tirso, e que representa a Adoração dos Reis Magos.

Mas o próprio nome do pintor indica um dos perigos da análise efectuada pela equipa grega: os pigmentos utilizados na preparação das tintas sofrem alteração de cor com o tempo, devido a uma enorme variedade de processos químicos e fotoquímicos que dependem do pigmento utilizado e dos ambientes a que os quadros foram expostos.

Por outro lado, como recordou Kevin Trenberth, que dirige o Climate Analysis Research Center no National Center for Atmospheric Research em Boulder, Colorado, «Os pintores não são cientistas tentando reproduzir uma imagem rigorosa da Natureza». De facto, embora este estudo me pareça muito interessante, as suas conclusões quantitativas merecem algumas reservas não só devido à inevitável degradação química dos pigmentos utilizados como à natureza do objecto em estudo: a visão artística da Natureza não pretende ser uma análise científica da mesma.

29 comentários:

Fernando Dias disse...
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Fernando Dias disse...

Isto é um abraço transdisciplinar entre arte e ciência no seu melhor, Palmira, é uma fecundação. Aceder ao mundo ou abordá-lo sem os constrangimentos dos compartimentos estanques.

Com esta sua vontade de partilha e de entrelaçar a análise quantitativa da ciência com a síntese qualitativa da arte, fecunda uma nova arte de descoberta que nos abre os horizontes. Isto leva consequentemente a novas formas de vontade de verdade, vontade de saber…sem preconceitos.

SATANUCHO disse...

Lembro-me de ter lido algures que gaugin pintou uns magnificos crepusculos verdes no taiti, fruto da erupção de krakatoa, e tambem relatos do por do sol verde em portugal mais ou menos por essa altura, não me lembro onde li isso mas acho que se falava que durante seis meses o por do sol em portugal era verde , uma clara evidencia de que se deus existisse seria certamente sportinguista.

ali_se disse...

Olá Palmira!

«Os pintores não são cientistas tentando reproduzir uma imagem rigorosa da Natureza»

Exacto… E porque os pintores não são cientistas nem jamais em tempo algum pretenderam sê-lo, prende-se exactamente com essa necessária e despropositada precisão de ficcionarem o real através das imagens que os ficcionam muito anteriormente e porque de tão fortemente interiores feitas de uma rebeldia ou oposição que será demonstrada e potenciada através dessa mesma acção e em suas obras.
Agora esta obcecada cientificidade e em seus especialistas, de se associarem a ver em tudo, e também na Arte e em seus artistas, e em que logradas tentativas de uma qualquer possível descoberta a que ela própria (a arte) auto-repele. Prende-se pois, com uma visão demasiadamente exteriorizante, mesquinha e psicanalítica da actual ideia da «coisa» (ciência) e dos «coisos» (cientistas) que se auto-veneram por jamais se conseguirem colocar nessas mesmas profundezas.
Neste caso de William Turner existe uma liberdade interior que se exprime sublime e enormemente ao romper com todos os conceitos circundantes de ideias preconcebidas e teorizáveis, dando-nos através das suas realizações e Obra, uma verdadeira consciência do que é Ser-se Humano. E ao olhar-se e vivenciar-se as obras destes grandes artistas e neste caso de Turner, colocamo-nos numa posição, de que afinal existe uma Razão-sensível, de janela aberta e até completamente escancarada, com novos e imensos horizontes para o Possível, através das emoções, no Sentir e Pensar!

Um abraço
Alice

Anónimo disse...

Uffa Alice, você escreve difícil, né ?!
Tresli e entendi não !!!
Kadê você para um bate-papo mais profícuo e menos risível ?

Vou ficar seu fã !!

Inté !

Dorivaldo !

ali_se disse...

Caro Dorivaldo anónimo

Fica a leitura sem comentário

Musicologo disse...

Também se conjectura que o céu agressivo do "grito" do Munch, não só fruto de uma atitude expressionista, poderia de certa forma retratar o horror e o céu pós-krakatoa... Isso terá algum fundamento?

Daniel de Sá disse...

Este céu do “Temeraire” (1838) é o mesmo dos “Negreiros” (1840). Estas cores, aliás, são recorrentes no artista, mesmo quando não pinta o céu (v.g. “A teoria das cores de Goethe” ou “O caminho de ferro ocidental”). O extraordinário Caspar Friedrich, seu contemporâneo ,usou muitas vezes a sépia para sensações semelhantes da visão sincrética das coisas.

Manuel Rocha disse...

Muitos dos cometários que por aqui se têm lido, remetem com alguma frequência para a credibilidade de algum conhecimento que aparece rotulado como cientifico, como sucede com o tema deste post.

Se amanhã a ciência se vier a queixar de uma eventual crise de credibilidade, terá que procurar nas causas dessa crise estes autênticos "tiros nos pés" que dispensa a si própria.

O acesso à ciência democratizou-se e ainda bem. Mas parece que sobram "cientistas" e começa a faltar assunto...

João Caldeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Caldeira disse...

Não me parece que, lá por um estudo realizado por cientistas não ter 100% de certeza quanto ao seu resultado, isso descredibilize a ciência. Certamente os autores do estudo também terão noção disso, como qualquer pessoa. Mas se os resultados são interessantes (e mais verdes quando há uma erupção), não vejo porque não estudá-lo.

Não há crise de credibilidade por se fazerem estes estudos - haveria sim se se procurasse esconder as falhas e dúvidas que podemos apresentar sobre ele. Mas isso não é feito.

Unknown disse...

João Caldeira:

O Manuel Rocha é um dos residentes anti-ciência. Ainda não percebi se é New Age ou outra coisa dessas ou romântico de esquerda mas praticamente todas as intervenções dele são ati-ciência.

Unknown disse...

Gostei do post e embora partilhe as mesmas reservas acho que é um excelente exemplo para mostrar aos patetas que acusam a ciência de viver de costas voltadas para as outras actividades humanas que isso não é verdade.

claro que os mesmos que fazem as acusações são os primeiros a dizer que estes estudos descredibilizam a ciência...

José Oliveira disse...

Olá a todos:

Por que razão pensam algumas pessoas que o estudo científico rouba alguma da beleza de uma qualquer obra de Arte?

É certo que a Arte não se esgotará na imagem em si, nem nos materiais ou nas cores que são usadas; afinal o todo é mais do que simples soma das partes... Mas daí a acusar a ciência de querer tirar alguma coisa da dita, parece-me um pouco exagerado...

É um pouco como pensar que estudar cientificamente as emoções (por exemplo o amor) lhe retira alguma da sua beleza - como se fosse modificar de alguma forma o amor que uma mãe sente pelos seus filhos!

Por outro lado também acho que não faz sentido alguém vir dizer que algumas coisas estão para lá do que a racionalidade humana pode conseguir. Não devemos ser extremistas, dizendo que algo está para lá do raciocínio, pelo menos no seu todo, pois haverá sempre algo que lhe escapará.

Não se preocupem os artistas, pois creio que sempre haverá algo nas obras de arte que não pode ser medido, nem fechado em categorias. Penso até que é essa uma das principais características de uma Obra de Arte...

Cumprimentos,

José Manuel Oliveira.

Manuel Rocha disse...

Ao João :

"...haveria sim ( crise de credibilidade)se se procurasse esconder as falhas e dúvidas que podemos apresentar sobre eles . Mas isso não é feito ."

Tem a certeza João ?
Tem a certeza que não são tomadas decisões que se apoiam em estudos precipitados e indevidamente fundamentados ?
Leia nesta mesma rúbrica deste blog o artigo do Jorge Buesco "Lógica e falácia correlação-causalidade". Há outros mas comece por aí, porque é um excelente inicio de conversa.

Ao Pedro:

Não tenha pressa em catalogar as pessoas.
No caso vertente, o que escrevi pode ter outras leituras. Pode querer simplesmente dizer que acho que a ciência vive simultâneamente uma crise de crescimento e de comunicação. Pode querer dizer que considero que alguns "cientistas" andam tão obcecados com o seu ego que não olham a meios para ficar na fotografia. Pode querer dizer que há uma relação promiscua entre os média e a ciência. Pode querer dizer muitas coisas. Mas daí a concluir que é uma posição "anti-ciência", olhe que só com muita criatividade !

Anónimo disse...

Gosto de navigar na internet e desde a muito que gosto de ler este sitio, emobora nunca tenho escrito nada porque não tenho conhecimentos para discutir com as pessoas cultas que aqui escrevem. Mas quando percebo que para certas pessoas que aqui escrevem a ciência nuca se engana, acho que devo testemunhar que não é bem assim. Escrevo isto só com a mão esquerda. Não tenho braço direito. Tenho 49 anos e sou um dos bébés da talidomida.Obrigado. António Silva.

João Caldeira disse...

«Tem a certeza que não são tomadas decisões que se apoiam em estudos precipitados e indevidamente fundamentados ?»

Não percebo onde se pode ver isso naquilo que eu escrevi. Fui relembrar esse post que referiu, e sim, isso que refere acontece. A questão é que não vejo o que tem isso a ver com o artigo que estamos neste momento a comentar.

Aquilo que referiu existe, para além de outras coisas, porque as palavras "um estudo científico" ou "comprovado cientificamente" são para imensa gente um sinal incontestável de verdade, porque a ciência nunca pode errar nem tirar conclusões erradas. O que ambos sabemos não ser correcto.

O que é importante, mais uma vez, é que não nos aproveitemos disso para tentar passar a ideia de que qualquer estudo não pode dizer incorrecções. O que é importante é tentar que não haja desonestidade em tudo isso: que os cientistas apresentem os pequenos erros que podem não ter sido evitados, os efeitos que isso pode ter nas conclusões. E sobretudo que haja discussão sobre os estudos por diferentes pessoas, porque os autores dos estudos são humanos e podem errar. (E podem também, infelizmente, tal como as outras pessoas, ser desonestos se acharem que têm algo a ganhar com isso. Mas isso não é parte do método científico, ao contrário do que está fora dos parêntesis.)

O que eu tentei dizer foi que neste artigo também são focados, além das conclusões do estudo, os motivos pelos quais ele não será certamente 100% conclusivo. Isso também faz parte da ciência, e não a descredibiliza...

Anónimo disse...

Curiosa a forma como, num espaço de qualidade como este, que chama ao debate pessoas com alguma diferenciação, ocorram os mesmos fenómenos tipicos de qualquer discussão de taberna.

De cegos arrivistas a patetas e ignorantes, para não citar casos bem mais sérios, vale tudo.

Ainda assim não creio que se este debate se desenrolasse numa sala normal a coisa descambasse para a chapada. Isto porque estou em crer que quem insulta gratuitamente quem não conhece é demasiado cobarde para chegar perto de vias de facto.

Desculpem-me a "colherada" aparentemente acessória, mas não deixa de ser sintomático do estado social a forma como muitos comentadores ( e alguns bloggers )reagem.

Curioso em particular que quem aparentemente melhor se identifica com a ciência caia no erro elementar de recusar um dos pilares metodológicos da mesma, que é a capacidade de se questionar sempre a si mesma!

Adiante...

No caso do tema deste post, e se eu fosse cientista, detestaria ser confundido com as pessoas que fizeram o estudo em causa. Por uma razão simples: verificar que os pintores do céu num ano de erupções vulcânicas o pintaram de verde porque foi nesse tom que o viram, parece-me curto desafio para a ciência. Vou ao dicionário, e para esse tipo de performance a palavra que encontro é "constactação", coisa acessível a qualquer curioso mais atento.

Muito obrigado.

R. Ferreira

Anónimo disse...

Sem querer entrar de permeio, acho que o João Caldeira não percebeu completamente o alcance do comentário a que responde.

Como o João diz e bem, este post desmonta a fragilidade do estudo. Mas o artigo que surgiu no público e no qual é provável que ele se tenha inspirado, não o faz.

Eu subscrevo o Manuel Rocha porque também sinto que a ciência ( como tantas outras coisas, aliás) andam a ser divulgadas de uma forma pouco esclarecedora ( isto para ser "macio" ).

Para o comum dos mortais não há diferença entre estudo cientifico e verdade cientifica. Desde que tenham a chancela "cientifica", tão credivel é um como o outro.

Isto faz com que os trabalhos mais sérios possam aparecer na opinião pública, lado a lado das piores charlatanices, como coisas do mesmo valor. E isso não é bom nem para a boa ciência, nem para os bons cientistas, nem para a boa identificação pública com a ciência.

É o que se me oferece dizer.

Correia Patricio.

Anónimo disse...

Não resito a cometar o Senhor António Silva.

É óbvio que a ciência se engana. È óbvio que tem direito a isso porque os cientistas são apenas pessoas e têm limitações inerentes a qualquer mortal. É óbvio que esses erros são o preço que temos de pagar pelo progresso que temos. Mas não é menos óbvio que quando se é vitima dos erros da ciência,se tenha dificuldade em diferir a arrogância com alguns dos seus actores a apresentam.

A humildade e a ponderação e o respeito ao próximo, são atitudes de grande valor cientifico, que deviam ser cultivadas nas faculdades antes das matérias próprias da biologia, da quimica ou da fisica. Se eu tivesse sido o Openheimer, teria morrido amargurado. Mas isso seria eu, claro.

Prometo que não volto a incomodar.

Correia Patricio

João Caldeira disse...

Bom, a questão aí é que é benéfico para a comunicação social noticiar verdades, não hipóteses. E se é isso que se quer, é quase impossível não as encontrar...

Não encontrar cientistas que digam que têm verdades para publicitar, ou mesmo, como parece ser aqui o caso em discussão, não encontrar coisas que são apenas estudos interessantes mas que se podem publicitar como fantásticas verdades.

Isto é um problema que afecta a ciência, sem dúvida, e fazem-me ver isso de forma muito clara... Mas é uma luta que não vejo como a ciência poderá ganhar, a não ser que se decrete que divulgação científica só pode ser feita por cientistas honestos.

Anónimo disse...

apenas uma correcção:

...se tenha dificuldade em digerir a arrogância com que alguns dos seus actores a apresentam.

Daniel de Sá disse...

Musicólogo
Há de facto quem pretenda que as cores do céu em “O Grito” se devem aos efeitos da explosão de Cracatoa. No entanto, se se comparar com pinturas da mesma época, nota-se essa preferência por tons de vermelho, sobretudo em “Ansiedade”. Ou até em “Maddona”, retrato sem paisagem. Note-se que o vulcão de Cracatoa foi em 1883 e “O Grito” só foi pintado dez anos mais tarde. E interessaria comparar com pintores naturalistas desse tempo, como os nossos Silva Porto e José Malhoa. Creio que se os poentes houvesse ficado tão sensivelmente diferentes isso teria sido registado por exemplo na literatura, coisa que nunca vi, o que não quer dizer que não tenha acontecido.

Helena Tapadinhas disse...

Sendo este o primeiro comment da minha curta vida de boggista, vejamos como vai decorrer.

Sobre o post:

1. Parece-me que o tema que lhe dá origem é «ciência barata».Associar grandes pintores e alterações climáticas é excelente achado para dar notoriedade a quem se lembrou disso. Para os jornais é optima "cacha" e para o criativo "cientista" publicidade garantida.

2. Confesso que se também eu fosse cientista, não gostaria de ver este tipo de trabalho confundida com este tipo de ciência.

3. Não me parece que a discussão saudável de ideias requeira catalogação prévia dos participantes. Mas parece que também por aqui populam os que ficam baralhados quando lhes aparece pelo ecrã um texto sem um post-it na testa.

4. Para o João, porque revela abertura de espirito:não deve ser o facto de sabermos que não podemos ganhar uma luta, que nos deve levar a desistir de uma causa. Há quem chame a isso principios e são os pilares da integridade.

Boa noite a todos.

Helena

artur figueiredo disse...

Este tipo de abordagem a algumas questões que se colocam à ciência não será semelhante à utilização de relatos de época para melhor perceber fenómenos naturais como sismos ou secas, ou epidemias, etc.? Haverá situações em que a arte até possa ser mais proveitosa. Será sempre indispensável ter precauções relativas ao tipo de fenómenos em estudo e às características do suporte ou do documento conforme alerta a professora Palmira.

Em vastos períodos da História da Humanidade a arte foi sobretudo descritiva por isso não me surpreende a sua utilização como documento histórico. Presumo que a ideia desta equipa não foi formular uma teoria científica sobre vulcões baseada exclusivamente em pinturas.

A ciência não credita ou desacredita arte nenhuma, excepto na questão das falsificações. O que verdadeiramente dá credibilidade à obra de arte são as suas potencialidades estéticas e o verdadeiro juiz é a capacidade de permanência ao longo dos tempos, como, aliás, acaba por acontecer com a ciência e todo o conhecimento.

Turner e Tintoretto com todas as diferenças, são excelentes sugestões :)
O que mais me fascina no Maneirismo foi a enorme capacidade de equilibrar tão ajustadamente a regra e o seu desvio. Conseguir tal coisa, parece ser muito difícil na História da Arte.

artur figueiredo disse...

Este post e outros anteriores sugerem-me algumas observações sobre comunicação e subjectividade.

A linguagem escrita e oral não incorpora a vertente sensível do indivíduo e por isso tantas vezes utilizamos aspas, reticências e muito mais. Mas nem deve conter essa vertente porque deixava de cumprir o seu principal objectivo e seríamos colocados perante o problema de cada um a sua língua da Torre de Babel. A função essencial das palavras e dos signos de uma forma geral é representar o máximo denominador comum das coisas e é natural que entre o emissor e o receptor se instale ruído, poeira que perturba a clareza da mensagem e da intenção.

Costuma dizer quem sabe destas coisas que é por isso que se deve falar claro e conciso. Mas isso não é fácil para muitos de nós e esse é, claro, o meu caso:) Mas muitas vezes um exemplo ajuda. O exemplo da percepção das cores é frequentemente utilizado para falar de linguagem. Nós sabemos o que é a cor e como funciona o sistema da visão mas quando eu digo azul, a questão de linguagem que se coloca não tem a ver com as tonalidades que quem me ouve possa percepcionar. O problema é que cada indivíduo vê uma coisa diferente a que por convenção chama azul. Caso contrário não tínhamos a velha questão e todos gostaríamos do amarelo.

A arte parece de alguma forma procurar resolver ou contornar esta questão recorrendo a simbologias ou significantes menos concretos e definidos e mais do foro dos sentidos, mas é engano. A deturpação existente entre a intenção do artista e a percepção do seu público é tão relevante como noutro discurso qualquer. Nesse aspecto o discurso artístico é tão sujeito como os outros e a diferença que possa existir está mais na substância e conteúdo que, por regra, se pretende comunicar.

artur figueiredo disse...

Mas na realidade, eu não concordo é com a noção comum de artificial. Para mim, a única coisa verdadeiramente artificial que existe são as ideias e são-no só até serem materializadas. A partir daí tudo o que o Homem produz (matérias e objectos) é tão natural como o delicioso mel ou as toxinas de um réptil, os ninhos dos alfaiates ou as belas colunas climatizadas das térmitas e tudo, tudo mais. O facto de termos aprendido e nos termos tornado exímios a servirmo-nos dos objectos não muda nada. E se for verdade que o nosso cérebro entende os objectos como extensões do próprio corpo, como alguns estudos parecem sugerir, mais razões temos para os considerarmos parte integrante da natureza.

Se perdemos a noção do que é bom para nós ou para o planeta, isso é outra conversa. Quem sabe se a causa e a solução para isso não passa pela artificialidade das ideias? É possível, não sei.

A despropósito neste post, sendo deus um conceito, cuja existência está difícil de provar :) então, deus é uma ideia e portanto artificial. Podemos atribuir-lhe as melhores propriedades e as mais eloquentes intenções mas só serve para afastar as pessoas da realidade e para lhes dar um falso sentimento de protecção do que as rodeia. Falso porque a natureza não é nem boa nem má, não é bonita nem feia, não é oportuna nem inesperada, não é só luz nem só trevas e não é amor nem é ódio. Ou é tudo, e acredito que o ser humano tem capacidades para abrir os olhos e VER. Não precisamos de inventar nada para nos impor ou fazer entender esses conceitos. Isso podia fazer sentido há muito tempo atrás, hoje não.

Os autores deste blog são tão simpáticos para todos nós que muitas vezes somos tentados a dizer o que pensamos sem termos lidos as bibliotecas todas por dentro e por fora. As reais e as imaginadas. Da minha parte, obrigado sempre, por todo o vosso tempo empregue neste espaço.

Anónimo disse...

Um bom repositório de artigos:
http://zircon.dcsa.fct.unl.pt/dspace/browse-title

Anónimo disse...

PSF, com muita admiração pelo seu trabalho, direi que este é um dos seus muitos bons artigos.

Concordo com a reserva que aponta em relação à degradação dos materiais.

Colocaria outra em relação à intencionalidade na reprodução dos temas.

Quem pinta 'arranja-se' (Gadamer) com a sua forma própria de transfigurar a natureza por meio dos recursos fisiológicos que possui.

E sabe que a divagação comanda todas as regras que antecipou.

Turner quis ser fiel ao que via? Duvido.

O resultado das suas execuções? Muito sugestivo.

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