domingo, 2 de dezembro de 2007

Acordo ortográfico

Nos países sem grande tradição democrática encara-se com normalidade que os políticos possam decidir como vamos escrever as palavras. Alguns linguistas, incapazes de fazer valer as suas modernices linguísticas pela via orgânica da influência dos seus dicionários, gramáticas e livros (que não escrevem), ajuntam-se, ajoelham-se, rezam e convencem o poder político a mudar por força de lei o modo como escrevemos. O poder político vai na conversa, com as ilusões políticas do costume, que ninguém se deu ao trabalho de estudar cuidadosamente: hoje em dia, usa-se a ilusão de que a língua vai ter maior implantação no mundo, vamos unificar as diferentes ortografias da língua, em vigor no Brasil e em Portugal (os países africanos de língua portuguesa seguem a ortografia de Portugal). No passado, para eliminar o "ph", usavam-se outras ilusões: era por causa do "ph", dizia-se, que o nosso ensino era tão mau e o nível cultural tão baixo. Décadas depois já não há "ph", mas o ensino não melhorou.

Há três aspectos importantes a ter em conta.

Em primeiro lugar, a pouca-vergonha que é o estado legislar sobre a língua. A língua devia ser deixada entregue a si mesma, como acontece em países com sólidas tradições democráticas. O inglês é, em termos práticos, a língua académica, científica e comercial internacional — mas ninguém legisla sobre esta língua e as ortografias do Reino Unido e dos Estados Unidos são diferentes, para não falar dos restantes países de expressão inglesa. Mas nos nossos dois países, Portugal e Brasil, as bestas de políticos que temos bem poderiam fazer uma lei para deixarmos de beber café com leite ao pequeno-almoço, que a intelectualidade aceitaria isso com naturalidade. Como dizia o Ega, isto é uma choldra. Ah, os brasileiros não aceitariam isso — mas unicamente porque no Brasil não se sabe o que é o pequeno-almoço, pois usam a expressão "café da manhã" (e até "traduzem" o Eça, para o leitor não se dar ao incómodo de ir aos excelentes dicionários brasileiros — o Houaiss, o Aurélio ou o Michaelis). O que nos conduz ao segundo ponto.

Em segundo lugar, as ilusões políticas não passam disso mesmo: ilusões. O acordo não vai unir as línguas, nem há qualquer vantagem em unir as línguas. Não vai unir as línguas porque a diferença mais importante entre o português de Portugal e do Brasil não é a ortografia mas a gramática e o conjunto de expressões usadas. No Brasil, as pessoas em geral não sabem o que é o pequeno-almoço, e em Portugal o café da manhã é apenas um café que se toma de manhã e não o pequeno-almoço, que pode ou não conter café; no Brasil, um sítio é uma quinta grande, mas em Portugal é apenas um lugar qualquer. E não há qualquer vantagem em unir a ortografia das línguas, dado que não há qualquer união ortográfica entre os EUA, por exemplo, e o Reino Unido, mas os livros publicados num país são geralmente publicados no outro e vice-versa, sobretudo os académicos. A Blackwell, a Cambridge, a Oxford — algumas das mais importantes editoras académicas — publicam geralmente os seus livros simultaneamente nos dois países, apesar das diferentes ortografias. Não há um só editor académico que faça isso em Portugal e no Brasil, com ou sem acordo. Compreende-se que os editores brasileiros se estejam nas tintas para o mercado português, de apenas dois ou três milhões de leitores, num país que tem muitíssimos mais leitores do que isso apenas em S. Paulo e no Rio, para não falar de outras cidades gigantescas nem do resto do país, com as suas 106 universidades federais (sem contar por isso com as estaduais nem com as privadas). Portanto, não há realmente razões políticas para fazer um acordo ortográfico.

Em terceiro lugar, devemos compreender o que está realmente em causa: uma simbiose entre linguistas que querem ficar na história e fazer currículo, e um estado autoritário que gosta de interferir arbitrariamente na vida dos cidadãos. Como os linguistas têm a incapacidade de se impor pela força das suas ideias linguísticas, impõem politicamente as suas teorias ortográficas preferidas. E o poder político agradece, porque o mais arcaico instrumento político é a interferência arbitrária do poder político na vida das pessoas. Hoje não podemos ler Eça tal como Eça escreveu, nem Pessoa tal como Pessoa escreveu. Mas os ingleses lêem Byron tal como Byron escreveu e lêem Dickens tal como Dickens escreveu. E se não lêem Hobbes tal como Hobbes escreveu, não foi por via de qualquer legislação, mas por força da evolução orgânica da língua — porque os autores de dicionários, gramáticas e obras eruditas foram mudando gradualmente o modo de escrever certas palavras, assim como certas estruturas gramaticais.

Entre o orwellianismo dos nossos políticos, a incompetência dos linguistas próximos do poder e as ilusões dos comentadores — que parecem ingenuamente pensar que há razões políticas para tais acordos que não a mera interferência arbitrária na vida das pessoas — a realidade gritante é esta: não há soluções legislativas para a falta de cooperação académica e cultural entre os nossos povos, não há solução ortográfica que resolva as diferenças linguísticas profundas entre os nossos países, nem há qualquer vantagem em fazer tal coisa. Com ou sem acordo, tudo vai continuar como antes, mas pior. Tal como tudo ficou igual, mas pior, quando deixámos de escrever "possìvelmente" e passámos a escrever "possivelmente", e quando deixámos de escrever "philosophia" e passámos a escrever "filosofia": continuámos a ser um dos povos europeus possivelmente mais incultos e a filosofia continuou a fazer-se no estrangeiro.

Sobre o acordo ortográfico, leia-se a notícia no Público.

36 comentários:

fernando caria disse...

Pois é caro Desidério, continuamos com o mesmo pensamento instalado por Salazar, quando com a sua prática a partir de 1928, conseguiu convencer as gerações seguintes (até ao nossos dias)de que todos os problemas enfrentados por uma comunidade, com fronteiras definidas, uma "Língua" e uma moeda - portanto um país - podem ser resolvidos pela via legislativa!
Parece que ainda ninguém se deu conta de que fazer leis generalistas de aplicação ampla e estável no tempo, mas que depois ninguém controla o seu respeito e rigor, não servem para absolutamente nada.

Esta história do "Acordo Ortográfico" que já roça o rocambolesco, é disto mesmo um óptimo exemplo.

Mas tenho quase a certeza que uma das afirmações do teu "Post", que mais "porrada" vai levar, será a de que "Porugal tem um regime muito democrático" e de que se não for pela via legislativa como é que se vai escrever?. Senão cada um escreveria como bem lhe apetecesse e daí, parece que adviria o "Caos" para a Língua Portuguesa.

A ver vamos.

lino disse...

Já me fazia falta ler um artigo como este. Por mim, nunca irei alterar a forma de escrever na minha esfera privada e, na pública (empresarial ou académica,) só se tal me impuserem.
Um abraço.

Anónimo disse...

Isso é que era bom eu ter que escrever como os brasileiros, aquilo sabe-me a postiço, é mais uma palhaçada para os politicos mostrarem serviço, outros fazerem curriculo e os amigos ganharem o sustento na CPLP.
Eu não preciso que ninguem me diga como tenho que escrever, portugal é o país dos legisladores, legisla-se para tudo, qualquer dia tambem tenho que pedir autorização aos governos civis para casar, mudar de casa, entrar de férias e outras coisas ainda mais intimas do quotidiano pessoal, mas ninguem depois obriga a cumprir a dita legislação que não serve para nada.
Este acordo é treta, não serve para nada, abaixo o acordo ortográfico!

Unknown disse...

Meu Caro Desidério: O seu lúcido e lógico texto, leva-ma ao seguinte comentário.Como diz, em Portugal, à primeira refeição da manhâ, dá-se o nome de pequeno-almoço, no Brasil de café da manhã. Acrescento: em Moçambique -onde vivi saudosos anos - e em Angola de mata-bicho, nome este que a nossa linguagem popular dá à ingestão de um copo de água ardente ao acordar.Que denominação prevaleceria num possível acordo? Toda esta questão seria enterrada com aquilo que Antero teve como "o soberaníssimo bom senso".Que prevaleça o bom senso, portanto, para que os nossos governantes se dediquem às grandes e graves questões nacionais deixando de discutirem o sexo dos anjos em longos conciliábulos "pour épater les bourgeois"!
Um abraço
Rui Baptista

Anónimo disse...

já li alguns bons textos favoráveis e outros contrários ao acordo ortográfico. Não tenho opinião formada mas posiciono o texto acima dentre os piores que já li.

Algumas associações apresentadas me parecem espúrias, senão vejamos:

"Nos países sem grande tradição democrática encara-se com normalidade que os políticos possam decidir como vamos escrever as palavras"..

não seria extamente o contrário ?

"Nos países sem grande tradição democrática encara-se com estranheza que os legisladores possam trabalhar pela unificação da norma escrita da língua" ?

Que estranho ! Acho que uma boa discussão sobre o tema, por linguístas entá no wikipedia. Quem quizer, dê-se ao trabalho...

Anónimo disse...

Concordo plenamente.
Então em tempos em que não havia acordos ou tão pouco regras avulso para toda e qualquer construção linguística, as línguas lá se estabeleceram e lá evoluíram.
Agora, podemos dormir descansados porque há por aí uns especialistas que nos tratam da língua!
Compreendesse, pois hoje vivem de opinar sobre ela... estudaram-na tanto que hoje não sabem fazer mais nada e por isso agarram-se com unhas de dentes às "necessidades de defender a querida língua".
Antes as línguas evoluíam de forma natural; hoje existem por aí alguns que se rogam no direito de definir para e como elas evoluem.
Coincidência ou talvez não, parece haver uma correspondência quase a decalque dos que concordam com o acordo ortográfico com aqueles que acham que as pessoas não aprendem a "capacidade da escrita" porque são estúpidas. E, já agora outro decalque - os que acham que os problemas do ensino se ficam a dever às pessoas (pais, alunos, professores) e nunca, mas mesmo nunca às leis que regem o ensino.

Daniel de Sá disse...

Carta a seu Desidério Murcho ditada por Vanderlei Cucufate
Meu lugar é no Recôndito. Todo mundo desconsidera o pessoal daqui como sujo e vagal, e mais ainda sem cabeça na hora de pensar. Mas se seu Desidério ouvisse Julinho Calçagatos, principalmente depois de feitas suas devoções de cachaça, então ficava sabendo o que é biblioteca mesmo. E isto que ele não sabe ler nem escrever, porque jura que quem sabe tem de usar terno e sapato, e seus pés dele Julinho são assim grossos como unha de jegue. Aqui tem pouco pessoal capaz de ler direito, mas a velha Mariana sabia mais que uma universidade tudo junto, mesmo que ela era mais sábia que Julinho. Porém não admira, que foi o Espírito Santo que ensinou ela, tanto que até podia falar as línguas principais do Mundo, inclusive português, e só não falava porque ninguém ia entender.
Eu só tinha paixão de escola na hora de sair. Se escola fosse só sair dela eu tinha chegado a doutor. Mesmo que professor Jacó não era de sabedorias seguras, não. Ele ensinou isso de alfabeto dando um nome à terceira letra, e logo estava chamando ela de outra maneira. Num dia era cê e no outro era quê. “Mudou de opinião, e a gente sabe que professor não pode ter opinião”, falou meu pai. “O povo devia era tirar os filhos da escola, que para aprender errado não é preciso professor com diploma. Errado a gente sabe.”
Aqui tem igreja, mas é tão pequenina que Nosso Senhor tem de sair quando o povo entra. A igreja quem mais usava era a velha Mariana, mais ainda nos dias que o escrete jogava copa. A gente ponhava ela rezando lá. Quando o time era o dos barrigudos do pampa, ela ia de véspera. Nesses dias o boteco ficava tão empesteado que não cabia nem mosca. Chico Come-Água era Fluminense, acha que pode? Ele era Fluminense carioca, por raiva que tinha do nosso, porque queria ser goleiro lá deles, e o míster disse a ele que não servia nem de gandula pois não agarrava nem bola parada. E quem viu ele pensar que estava jogando confirma.
Depois de minha escola de menino me mudei logo, fui no boteco de seu Adínton. Ele também não sabe ler, mas tem livros com tudo quanto é fiado. Em vez de nome ele faz um desenho das aparências de cada qual, assim que bigode quer dizer Jorginho Filho, sobrancelha grossa é seu Antenor, e os mais consequentemente. Julinho não precisa desenho, pois seu Adínton tem um livro só dele. Pior é o desenho de Raimundo, a quem a mulher planta na testa até doer a alma só de ouvir suas histórias escondidas, que eu nunca vi nem quero ver por medo de assombrações. E diz quem já viu o desenho dele que seu Adínton capricha nos pormenores da armação. Raimundo disfarça, mas a gente vê na cara que está sempre virado no cão, chateado mais que lagosta apanhada no jereré. Dívidas de cachaça são lembradas com um copo cada vez, e quando chega no quinze ele faz uma moringa.
Se Portugal precisa de ministro inteligente, a gente deixa Julinho ir. E, seu Desidério, viu? Eu ditei esta carta sem nenhuma palavrinha dessas que vão virar outras no acordo.

Anónimo disse...

Correcto,
independentemente se o acordo é bom ou não (não sei), o estado deveria incentivar o estudo da língua dando abertura ao progresso da mesma, e não legislar sobre ela.
Abraço
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Desidério
Não seja ingénuo: em França, por exemplo, quem trata do assunto ortográfico - quem legisla - é a Academia Francesa (instituição que de democrático tem pouco). Acordo com os países francófonos, obviamente que não há, é mesmo uma ideia que lhes parece bizarra - porque "obviamente" o que é que o Senegal teria a dizer sobre o Francês? Não se está mesmo a ver que o Francês é a língua da "douce France"? A que propósito as "colónias" teriam que opinar sobre o assunto? Ou seja: em França (na Ingleterra não sei, mas desconfio que é idêntico) é a visão arcaica e imperial da língua que obsta a qualquer mudança (ali os "sábios" não deixam, apesar de, de vez em quanto, o assunto vir à baila na imprensa).
Pessoalmente, não vejo vantagem em introduzir agora novas regras na escrita do Português, as que estão parecem-me bem e suficientes. Mas a simplificação ortográfica definida pela 1ª República, em acordo com a Academia de Letras brasileira (e que definiu a forma como hoje escrevemos) sempre me pareceu excelente (na forma e nos princípios).
Saudações

Desidério Murcho disse...

Olá, Marvl

Falei de "países com uma ampla tradição democrática", o que no meu dicionário não inclui nem os alemães nem os franceses, de onde nós importámos esta mania de legislar sobre a língua.

Anónimo disse...

Caros comentadores,
vou fazer aqui umm comentário mais lateral mas que constitui um reparo que, com razão ou sem ela, não posso deixar de fazer: se o Desidério escreve um post sobre filosofia da religião, de repente, toda a gente, em vez de discutir os argumentos, bate no Desidério porque acha arrogante que o Desidério afirme que em Portugal ninguém discute filosofia da religião, quando, na verdade, ao bater no Desidério, estamos precisamente a dar a prova factual do que ele diz: não discutimos filosofia da religião, discutimos é cenas pessoais. Agora quando se trata do Desidério apontar armas ao poder e a falta de democracia, toda a gente concorda com o Desidério. E esta também é uma mania muito tuga que, já agora, o Eça também se deu conta: dizer mal do poder político para nos armarmos todos numasvitímas perseguidos pelo sistema. Somos todos vitímas, até porque é muito mais confortável ser-se vítima. Na verdade pouco podemos esperar do poder político se na base não existir obra nem vontade para a fazer. Neste post do Desidério chamou-me mais atenção o aspecto relacionado com a falta de publicações e investigação séria e útil por parte dos linguístas. Esta é uma realidade transversal a muitas outras áreas, senão mesmo todas, da sociedade portuguesa. Somos muito treinadores e bancada. E nisso, estamos mesmo mal.
Abraços
Rolando Almeida

RC disse...

Nãum çei para kê tãnta xatisse.
Çe u çinal dich qe nãum çe póde ãndar amáis qe 50 km/h ninggãi liga néin ninggãi cunpre.
Phassçção lá ach lêis qe kizerãi. Eu pur min vou continuár a eskrever komu me dér na telha e nu telhadu. Já a descêndênssia vai ter de cumer o qe lhe metêrãi nu prátu. Néça altura phazemus komu de custume: cumemos e calamus. E máis náda!

Anónimo disse...

Caro Desidério Murcho, embora concorde em geral com os seus argumentos, tenho de lhe apontar um erro de facto: desconheço o caso de Dickens, mas não é verdade que se leiam hoje os poemas de Byron tal como ele escreveu.
A ortografia inglesa no início do séc. XIX ainda apresentava algumas hesitações, mormente no uso do i/y (rime/rhyme, p.ex.), que só seriam decididas com o decorrer do século; e nem falemos da pontuação...
Aliás, se ler a edição crítica das obras de Byron (da responsabilidade de Jerome McGann), facilmente reparará nisso.

Por último, ainda não percebi qual a relação entre a tradição democrática inglesa e a ausência de uma regra ortográfica explícita, porque houve mesmo uma alteração imposta "de cima": o Inglês de hoje decorre de uma norma ortográfica criada pelo Dr. Johnson no seu Dicionário e depois desenvolvida ao longo do séc. XIX pelo eixo Oxford/Cambridge.
Aliás, há poetas canónicos como Blake e Keats que nunca lemos como no original, porque as suas normas ortográficas são bastante diferentes da norma-padrão.

Por último, também me parece, como ao Marvl, que os princípios da reforma ortográfica de Gonçalves Viana continuam bastante válidos, e que este acordo não facilitará em nada a comunicação com o Brasil.
As diferenças entre as duas variantes do Português são sobretudo de ordem lexical, e essas não há acordo que nos valha...

Anónimo disse...

Há muita censura, por aqui...
Talvez fosse conveniente especificar quais são os «países com uma ampla tradição democrática» que servem de referência a quem elimina comentários que se limitam a contestar certas ideias.
Claro que estou a ser irónico... É que acho piada ver certas pessoas dizerem que é essencial a discussão e o abandono de preconceitos (ideológicos, entre outros), e depois o que se verifica é a presença, naquilo que é escrito, de preconceitos de todo o género, a começar pelos ideológicos. É mais do que evidente que para certas pessoas a tradição da liberdade e democracia só se encontra nos países anglo-saxónicos, e que o mesmo se passa com a dita filosofia de qualidade.
Não há dúvidas de que o sr. Desidério é um especialista em dar razão aos pós-modernos...

Desidério Murcho disse...

Caro Mesquita

Aceito a correcção, obrigado! Isto, no que respeita à ortografia inglesa do séc. XIX. (Contudo, quer-me parecer que as diferenças são muitíssimo menores, no caso deles, do que no nosso caso. Ou não?)

Mas há uma diferença crucial. As normas inglesas não foram impostas legislativamente. Foram propostas por um especialista que faz um dicionário e as pessoas adoptam. Em Portugal isso nunca acontece.

Repare como isto se relaciona de perto com a polémica TLEBS. Uma vez mais o que se passa? Um conjunto de linguistas querem impor ao país as suas ideias (correctas ou não é irrelevante). Como é que o fazem? Publicando obras, como Johnson, que depois serão fortemente influentes, acabando por mudar as coisas organicamente? Não. Associam-se aos políticos e fazem uma lei. É esta a diferença fundamental. Seria o mesmo do que eu fazer uma lei para obrigar toda a gente a ler os livros que tenho traduzido, divulgado e publicado em Portugal; há uma grande diferença entre propor coisas às pessoas e deixaá-las decidir, e obrigá-las a fazer as coisas que queremos por via legislativa.

Carlos Medina Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Medina Ribeiro disse...

...deixa'mos de escrever "Philosophia", mas agora temos o "Phone-ix"!

Carlos Medina Ribeiro disse...

Ainda a ptopósito do Phone-ix, aqui fica uma velha "anedota de salão":

Vendo-o em maré de confidências, o jovem vira-se para o avô e pergunta-lhe:

- Ó avô, se não é indiscrição... quando foi que "deu a última"...?

O velhote fica a pensar... a pensar... Pede algum tempo para consultar o velho diário e, depois muito procurar - lá para trás -, exclama:

- Bolas! Quando "dei a última", ainda se escrevia com Ph!
.

Filipe Moura disse...

Eu podia tentar discutir as vantagens do acordo ortográfico, mas com este autor não dá... Cada vez que escreve sobre educação, não pode deixar de referir "os políticos pimba" do ministério respectivo; agora arruma toda a classe política como "bestas". Eu não sou político e nem tenho nada a ver com "ciências da educação", mas acho que há regras de educação. E democracia. Quem é este Desidério para se achar tão melhor que os outros? Ao menos podia ser coerente e dizer que "não valemos nada" enquanto povo. Sempre era melhor que dizer que as bestas são "os políticos", algo digno do Partido da Nova Democracia (ou algo pior). Gostaria no entanto de ver como fala este Desidério na sua amada Inglaterra - se também é tão truculento ou se isto é só para "impressionar o indígena" (eu também li o Eça, e aposto que ele seria favorável ao Acordo Ortográfico).
Isto foi só um desabafo. Eu vou continuar a fazer o que sempre fiz neste blogue - já que o Jorge Buescu não escreve, leio o Carlos Fiolhais e a Palmira, que fundamentam (e muito bem) as suas posições, são bastante polémicos mas não precisam de distribuir insultos. Lá está - não são filósofos... Ao Desidério Murcho, uma vez que ele gosta tanto da Inglaterra, recomendo um bocadinho de chá.

Filipe Moura disse...

Já agora: nunca se escreveu "possívelmente". A sílaba tónica assim seria "síl" (mas é "men"). Escrevia-se "possìvelmente".

Desidério Murcho disse...

Caro Filipe

Obrigado pela correcção, tem toda a razão quanto à acentuação. Vou corrigir o artigo.

Anónimo disse...

Eu gostei do post e do apodo de bestas aos políticos.
Por mim, um abraço ao Desidério e a velha recomendação do pessoal da Reserva Naval : Força na verga!

Anónimo disse...

Caro Desidério Murcho, infelizmente não conheço nenhum estudo que faça uma comparação quantitativa das alterações ortográficas no Inglês e no Português durante os últimos 200 anos.

Sim, de facto nunca houve qualquer acto legislativo sobre a ortografia inglesa, mas de qualquer forma não diria que a actual ortografia resulta de um acto "democrático", da livre vontade das pessoas; pelo contrário, a elite cultural usou um pouco da sua "mão de ferro" até que a norma-padrão fosse consensual.
Repare por exemplo que as bibliotecas ambulantes recusavam livros como os do poeta John Clare, porque a ortografia era "irregular".

Anónimo disse...

Subscrevo. Também gostei do post e quero agradecer ao Desidério a possibilidade de aprender alguma coisa com os seus posts e de saber bem divulgar a filosofia, que é coisa que realmente não se faz em Portugal. Divulgar um saber é uma boa prática porque dá a liberdade às pessoas comuns de compreenderem problemas mais complexos que, sem a divulgação, dificilmente os compreenderiam. Nesse aspecto o trabalho do Desidério, não tem comparação.
Mili

Anónimo disse...

Como "Nos países sem grande tradição democrática" se incluem a França e a Alemanha, o único país que sobra é a Inglaterra (não, não estou a ver que Itália, Japão ou Russia possam estar no lote, Espanha também não, Estados Unidos não - 200 anos não são grande tradição); então o enunciado "Nos países com grande tradição democrática" aplica-se apenas a um país? Simplista.
Nos países de segunda "encara-se com normalidade que os políticos possam decidir como vamos escrever as palavras"; mal? Logo devem ser as empresas editoras a decidir? Quando uma decidir criar um novi-dicionário e retirar os outros do mercado (possível, com a quase concentração editorial actual) aí mudará tudo! Fraco.
Não sei como é que já tivemos tantas reformas ortográficas em Portugal! Somos fracos!

Anónimo disse...

Concordo de maneira geral com o artigo e apenas queria fazer um reparo. De maneira geral, as edições inglesas e norte-americanas são diferentes, usando cada uma a sua ortografia. Até os títulos das obras são muitas vezes alterados. Nos livros universitários é quase regra haver uma International Edition quando o original é americano (se bem que as razões são predominantemente económicas e não ortográficas).

Anónimo disse...

Concordo com o texto! Mais uma unificação da língua, pra que? Já tiraram tantas letras das palavras, tiraram e colocaram acentos tantas vezes e agora querem fazer outra vez, pra que? Já tiveram a audácia de estragar tanto a língua e ainda a querem destruir mais? Não sei em que ano numa dessas unificações disseram que os nomes da língua portugeusa não poderiam mais ser grafados com "z", quem era "Souza", "Luiz", etc, viraria "sousa", "Luís" e os professores de português insistem nisso, que os nomes estão escritos errados, imagina, até nomes seculares por causa de uns "sem-serviço" são considerados erros ortográficos. Aqui no Brasil dizem (os lingüístas) que a língua evolui, por isso necessita ser "reestruturada", eu penso que a língua evolui sim, mas não da maneira que esses "estudiosos" pregam, por exemplo, em Portugal diz-se, "dá-me isto", aqui dizemos, "me dá isto", sei que para os ouvidos portugueses soa mal a nossa maneira de falar, até nomes diferentes dados em um país ou noutro, como, "pequeno almoço" ou "café da manhã", isso sim é uma maneira de evolução da língua! Agora que diferença faz escrevermos "bahia" ou "baía", "geographia" ou "geografia", "assembléia" ou "assembleia", no falar soa igual, os nossos especilaistas em língua portuguesa dizem que os lusófonos não aprendem a escrever com tantas letras em português, na "cabecinha" deles só conseguimos escrever com tantas letras assim quando escrevemos em outro idioma! Como um cidadão "são" pode pensar que conseguimos escrever "theater", "contact", action" e não conseguimos escrever theatro, contacto, acção? Só querem, por falta de amor à língua e falta do que fazer, colocarem os seus nomes na "istória"!!!

Anónimo disse...

[Comento com a resposta que dei por email a uma amiga que me indicou este post]

Não sou contra nem a favor, pra te dizer a verdade. Não é a primeira nem vai ser a última vez em que isso acontece. E não concordo com o texto, a não ser em alguns momentos (principalmente quando ele diz que nossas diferenças com relação ao português de Portugal e África está além da ortografia).

[O post (fui no blog ler) teve vários comentários, tanto contra quanto a favor do texto dele. O que eu escrevi daqui pra frente outras pessoas também disseram. Até vou publicar o que eu escrevi pra vc como comentário lá no blog].

Sobre o Estado interferir na língua, isso não é privilégio nosso: a Academia francesa (que deu os moldes da nossa Academia de letras), no período neoclassicista, expurgou milhares de palavras da língua francesa, arbitrariamente, por serem consideradas "supérfluas". Eles pensavam que não havia razão para duas ou mais palavras na língua se referirem à uma mesma coisa (como se isso fosse realmente possível).

Ainda hoje a Academia francesa, junto com o Office de la langue do Québec dizem o que deve ou não ser dito. Publicam no Diário oficial palavras criadas artificialmente; daí veio courriel, que substitui o anglicismo e-mail. E de pensar que a palavra mail foi adotada pelos ingleses da língua francesa - malle, mala postal...

Fazendo uma busca no google.fr , vemos que courriel é menos usado que e-mail.
A reforma ortográfica da língua francesa, dos anos 90, até agora não está sendo aplicada no uso cotidiano: mesmo livros didáticos de FLE não usam as novas grafias.

O que acontece, então? Acontece que as línguas são ao mesmo tempo partilhadas pela sociedade e instrumentos de poder, coletivas e individuais.

Não acredito que devemos imaginar o mundo e as línguas sem as instituições (elas estão aí nos governando em tudo... há como se negar isso?). Talvez não esteja aí o problema. Talvez o que nos falte é mais consciência de nossa língua, nossas histórias, e de como elas moldam quem somos.

Murilo Cunha disse...

Em relação ao acordo ortográfico a minha opinião é de que se deva deixar a nossa lingua sem tantas normas legais. O que precisamos discutir, com urgência, é aumentar o percentual de textos digitais em português hospedados na internet. Isto sim seria um bom combate, uma verdadeira defesa daquilo que une tantos paises, não é mesmo?
Murilo Cunha

Anónimo disse...

Parabéns Sr. Desidério, também sou contra esse acordo absurdo, aliás, não conheço nenhum lingüista brasileiro que o o defenda. Onde já se viu sumir com o trema, eu não falo sekência, mas sim seqüência. Eu sou a favor de se criar a língua brasileira e assim mudar o que for necessário, seria bem menos traumático e melhor para os dois lados do atlântico. Eu não entendo porque querem aproximar ‘duas’ línguas tão diferentes, não vejo nenhuma vantagem nisso. Tenho que agradecer aos portugueses pela resistência em não assinar essa palhaçada. Obrigada. Juliana Zimmerman Brasilia/DF

EGP disse...

Há exemplos no acordo que, por mais que tente, não consigo entender. Por exemplo “pára”, forma verbal, que, ao deixar de ser acentuada, vai ser escrita como “para” (preposição)... Criei um texto cheio de preposições e formas verbais para/pára com grafia indiferenciada para demonstrar o quão confuso pode ser o resultado… Enviei até o texto ao portal Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, e a resposta que me enviaram (a favor do acordo) é tão hilariante quanto estúpida… Vale a pena ler: http://neofarpas.blogspot.com/

Ailton Marques disse...

Caros amigos,
Espero ser objetivo:
Sou brasileiro e já até escrevi um texto em 2004 propondo uma nova ortografia (http://www.brazzilbrief.com/viewtopic.php?p=206228&sid=f7cb0db33fb85f8753a12eab153a47ed). Claro que é somente um esboço, que precisa ser discutido e aperfeiçoado.
Quando exponho tal idéia, as pessoas tendem a não entendê-la - até acham que estou propondo que falemos como índios ou dementes; quando, na verdade, estou propondo simplesmente uma escrita mais fiel ao som que emitimos, sem "equities" ortográficos desnecessários ou que somente servem para dar à língua um ar de tradição, de elegância ou de arrogância.
Defendo uma ortografia baseada na lógica (por favor, antes de me dizer que lógica é para matemáticos, pense um pouquinho): não há porque usar dois "erres" se basta um. Não há porque usar letras que não têm som! O trema, por exemplo, pode até parecer arcaico, mas tem lógica: serve para mostrar que o U deve ser pronunciado. Por outro lado, para que serve a letra C em contacto? Se for para marcar a sílaba tônica, basta saber que "contato" é uma paroxítona terminada em O e que, por isso, não leva acento - e ninguém falaria contatô ou côntato, oras.
A cultura de um povo deve ser medida pelas idéias que são discutidas, não pela forma com que são transmitidas.
Portanto, é claro que uma normatização gramatical entre os países de língua portuguesa só faz sentido se for quanto à ortografia. Idéias não dá para padronizar.

SM disse...

Caro encantadesign,

A mim não me convenceste. Seguindo um exemplo teu: eu pronuncio o "c" de contacto. Como eu muitos portugueses. Como fazemos a partir de agora? Enrolamos a língua ou a escrita?
Sinceramente, este acordo ortográfico não tem razão de ser. A ser para ajustar o português que por aí se fala, e como por aí se fala, temos que começar logo pelo território dentro das nossas fronteiras. E os PALOP como ficam? Não têm eles uma correcçãozinha a fazer (perdoem-me: correçãozinha - até tenho que parar para pensar...-). Não terão pois são poucos, não é?

Anónimo disse...

Meu caro,
Se apesar das reformas ortográficas anteriores nada mudou de substancial, como diz e que tudo continuará péssimo como diz, então não há nenhuma razão para não levar este acordo para a frente. Se nada mudará, melhor. Ficamos com uma ortografia mais homogénea e podemos escrever igual em qualquer parte do mundo apenas com um número de variantes semelhantes ao que hoje acontece com o inglês e francês. Ainda bem que nada tem a opor ao acordo ortográfico.

Unknown disse...

o acordo ortográfico tem importância estratégica para o futuro do nosso país! Olhando para a nossa história vemos que o nosso país só conseguiu sobreviver devido à sua dimensão global. A fragmentação da língua conduzirá a que Portugal perca essa vertente e poderá ter consequências muito negativas. Por isso acho que o acordo é importantissimo!

Wanderley disse...

Todus si lenbra kun saudadi, amor i karinhu du nosu idulu Ayrton Senna (DU BRAZIU).
Eli foi, na minha opiniãu, u mais patriota dus brazilerus da atualidadi. Un ezenplu di perseveransa, dedikasãu i, asima di tudo, un gerreiru apaixonadu pelu seu paiz.

Será posiveu ki nós brazilerus nãu podi segí u mesmu ezenplu?
Esa istória di abaixá as orelhas i dizê sin senhô, nãu faz parti da minha personalidadi. Akreditu eu, ki na di voses tanben nãu.
Enkuantu nós vivê sôbi u jugu di Portugau, nós nunka será un paiz konpletamenti independenti.
Nós ten a nosa propria lingua, ki é ben diferenti da portugeza, entãu nós devi lutá pur ela.

Todu u aprendizadu si inisia kun a aufabetizasãu. Mais da metadi da nosa popu-lasãu é anaufabeta. Ken axa ki uma pesoa ki fala, lê i iskrevi tudu erradu é aufabetizada, está pensandu komu u governu, tentandu tapá u sóu kun a penera.

Esta luta é di todus nós. Nós nãu devi fiká di brasos kruzadus isperandu ki u governu gasti, u ki ten i u ki nãu ten, pra tentá aufabetizá toda esa jenti, kun uma lingua inviaveu i ki nãu é a nosa.
Senpri ki a jenti ké (mesmu) uma koiza, a jenti luta i akaba konsegindu. Nãu é u kazu du nosu governu. É muintu mais fasiu manipular un povu anaufabetu du ki un povu kultu i politizadu.
Si voses axa ki a edukasãu é un dever somenti du governu, é purke voses estãu iludidus, akomodadus i kun un pensamentu egoista. Nós devi partilhá us nosus konhe-simentus kun akelis ki nesesita, i nãu guardá elis somenti pra nós mesmus.
Nós devi sê mais patriotas i umanus, segindu u ezenplu du nosu idulu, ki tantu lutou ajudandu ken nesesitava i elevandu u nomi du nosu paiz.
Tá na ora di nós sê mais patriotas, tomá vergonha na kara i opitá pela Lingua Brazilera.
WANDERLEY GRAZIANO FORCIONE (brazileru)

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