sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

A extinção das escolas técnicas e dos liceus


Do nosso colaborador habitual Rui Baptista:

A universidade revela todas as capacidades, até a incapacidade” (A.Tchekov)

Tem sido atribuída a génese da extinção das escolas técnicas e dos liceus a um projecto de reforma de Veiga Simão, ministro da Educação do governo de Marcelo Caetano. Prefigurava-se, assim, no horizonte uma sociedade igualitária pela criação galopante e sem tino de universidades e escolas politécnicas, públicas ou privadas, de duvidosa idoneidade e nas quais, em comentário de Vasco Graça Moura, “a escola que temos passa o tempo a pôr pó de talco e a mudar as fraldas dos jovens até ao 17 anos”.

Seja a que título for – ainda mesmo que para efeitos meramente estatísticos que coloquem Portugal a par dos índices de graus académicos dos países europeus que levaram várias décadas a lá chegar -, o ensino superior português não pode continuar a ser o escoador sem qualquer ralo de todos os diplomados saídos do ensino secundário e, muito menos, o sítio da recepção escandalosa de indivíduos que apresentem como habilitação necessária pouco mais que o bilhete de identidade que comprove serem maiores de 23 anos!

A este propósito, no “Diário de Coimbra” de 26 de Julho de 2001, aduzi o seguinte testemunho de uma prestigiada figura socialista, com elevada audição no sistema educativo francês: “O collège único é uma ficção, um igualitarismo funcional que nada tem a ver com a igualdade real” (Jean-Luc Melénchon, L’Express, 22/Março/2001).

Com a extinção das escolas comerciais e industriais, que tão boas provas deram na formação de técnicos competentes (contabilistas, carpinteiros, electricistas, mecânicos de automóveis, etc.), ficou o país sem a mão-de-obra qualificada e de crédito reconhecido que representava a espinha dorsal do seu desenvolvimento tecnológico e económico. Actualmente, com raras excepções, os alunos do ensino básico encontram-se mal preparados quando chegam ao ensino secundário e encontram escolhos sem fim que os tornam náufragos do mar proceloso do ensino universitário. Ou então, quando incapacitados por motivos variados de prosseguir estudos, não estão, de forma alguma, preparados para exercer capazmente um ofício que os ventos de novo-riquismo de uma democracia (elitista no mau sentido da palavra!) desvalorizou socialmente em nome de uma “diplomacracia” de cursos superiores, na feliz expressão de António José Saraiva.

A escassa percentagem de indivíduos com formação para exercer uma profissão manual (como opção em idades jovens em que melhor se adquirem as habilidades motoras e não como recurso tardio de todos aqueles que se mostram incapacitados de prosseguir estudos secundários com destino ao ensino superior) tem conduzido a um estado calamitoso de falta de mão-de-obra especializada. Em perfeita demagogia, em vez de se possibilitar a toda a comunidade escolar uma enxada para ganhar a vida distribuem-se à mão cheia diplomas do ensino secundário a alunos dispensados de assistirem às aulas mesmo sem ser em caso de doença declarada ou por qualquer outro motivo imperioso.

Ainda mesmo em Dezembro de 2003, aquando da abertura do “Congresso Educação/ Formação”, o então ministro da Educação David Justino lamentava o facto de, no pós 25 de Abril, “se ter morto o ensino técnico e profissional, tendo-se perdido com isso quase 30 anos”. Felizmente, notícias recentes dão-nos conta que o número de alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário tem crescido à custa daqueles que se encontram a frequentar cursos públicos e privados de formação técnico-profissional.

Assim, entendo ser desígnio nacional continuar a ministrar a este tipo de ensino a expansão e a dignidade de que ele carece: em escolas próprias, devidamente apetrechadas em oficinas e com professores convenientemente habilitados para um ensino com características e necessidades específicas que o diferenciem do ensino só para prosseguimento de estudos superiores.

O texto constitucional que diz que todos os cidadãos têm direito à educação reza, por outro lado, que todos têm direito ao desporto. Mas daí a entender-se que todos os portugueses podem jogar em equipas que disputam a superliga de futebol sofre de idêntico vício de forma ao de admitir que todos os alunos devem frequentar os muros universitários independentemente de terem ou não capacidade para isso. Anos atrás, o sociólogo António Barreto atribuiu este “statu quo” ao facto de ter sido passada publicamente a mensagem de o acesso à universidade ser um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice!

14 comentários:

Anónimo disse...

Não percebi nada deste post! Então não há por aí fora montes de escolas técnicas e profissionais?! Eu conheço alguns putos que ainda há pouco tempo acabaram o 12 ano em áreas como a de barista e electricista. Se calhar essas ecolas não estão a trabalhar bem, mas existem!
luis

Unknown disse...

Não percebi nada deste comentário! Então eu não escrevi:"Felizmente, notícias recentes dão-nos conta que o número de alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário tem crescido à custa daqueles que se encontram a frequentar cursos públicos e privados de formação técnico-profissional"(de quando em vez, é natural que o ministério da Educação, resolva dar umas tréguas às medidas negativas que tem tomado).Não quererá isto dizer que se está a fazer um tabalho válido na implementação de necessárias escola técnicas? Razão tinha o Padre António Vieira: "Quando se olha com simpatia para o rato preo até rato preto nos parece branco; quando se olha com antipatia par o cisne branco até o cisne branco nos parece preto". Consequentemente, gostaria que interpretassem os meus textos nem com antipatia, nem simpatia. Apenas com isenção!

Assim, entendo ser desígnio nacional continuar a ministrar a este tipo de ensino a expansão e a dignidade de que ele carece: em escolas próprias, devidamente apetrechadas em oficinas e com professores convenientemente habilitados para um ensino com características e necessidades específicas que o diferenciem do ensino unicamente para prosseguimento de estudos superiores.

Manuel Rocha disse...

É evidente que explicou bem e fica claro que é favor do ensino técnico-profissional.

Julgo que uma das razões que terá estado na origem de a sociedade portuguesa ter "marginalizado" esse tipo de ensino, terá sido a consciência de que de algum modo ele estaria também ao serviço da manutenção de uma certa estrutura de classes. E se não era assim, parecia !

O facto é que não foi a democratização do acesso ao ensino superior que alterou isso. As classes sociais continuam e vão continuar de boa saúde, e as mais altas encontrarão sempre dentro do sistema liberal alternativas para se auto-pertetuarem.

Não é pela via da unificação do sistema de ensino que isso se resolve, como de resto os resultados revelam à saciedade. E é evidente que atribuir às empresas a única responsabilidade de formar técnicamente quem quer entrar mais cedo no mercado de trabalho, não parece razoável.

Concordo pois com o reforço do ensino técnico. Espero é que se consigam projectos curriculares e corpos docentes habilitados para não fazer dele mera variante do ensino convencional. Preocupa-me isso porque os bons profissionais resolvem muito melhor a sua vida na órbita empresarial que dando aulas no ensino público. E quando os professores são sempre recrutados entre o que "sobra"...

Anónimo disse...

Por favor não se deixem enganar nem um só momento pelos nossos actuais governantes! O crescimento do dito ensino técnico-profissional é uma enorme aldrabice. Salvaguardando possíveis honrosas excepções a coisa foi montada nestes moldes:

1) é preciso manter na escola a qualquer custo uma rapaziada que não vai lá das pernas nem à porrada;

2) coloca-se bem à frente dos professores a perspectiva do desemprego (tornando o mais irrelevantes possível a filosofia, a física e outras áreas mais complicadas, entre outras estratégias);

3) sob a ameaça implícita descrita em 2) o ME diz aos professores: inventem para aí uns cursos técnicos-profissionais se querem ter alunos.

Parece-me claro que desta encenação de ensino profissional só pode sair mais do mesmo: alunos enganados, professores frustrados e bons resultados estatísticos para enaltecerem o glorioso trabalho do ME.

Não estou a olhar com antipatia para nenhum cisne branco mas parece-me desejável que na análise destas questões não fiquemos pelos pomposos anúncios das medidas ministeriais mas que se vá ver com atenção como é que o ME as aplica nas escolas.

Manuel Rocha disse...

Ao Paulo:

Desculpará se considerar que começo a achar que o ME tem costas largas mas não dá para tanto. Há dias escrevi isso mesmo aqui, ao comentar um post do Sr Rui Baptista sobre a educação fisica.

Há imensa coisa que pode ser feita para melhorar o sistema de ensino que tem pevide a ver com politicas do ME. Desde logo o que se faz em casa, se é que está de acordo, porque a educação de uma criança não pode ser responsabilidade de um governo, seja ele qual for.

A pressão social para que a escola faça as vezes de mãe, pai, professor, entretainer e não sei que mais é um disparate, porque quando pretende fazer tudo isso tem que lhe faltar tempo para ensinar.

Depois, dentro da escola, convirá que há autonomia bastante e recursos bastantes para fazer melhor. O problema é que quem não é disciplinado, pode ter dificuldade em disciplinar; quem não sabe, pode ter dificuldade em ensinar; quem é individualista, pode ter dificuldade em cooperar.

No que me toca não são as médias nem os rankings que me impressionam! O que me impressiona é ser convocado para uma acção de formação com professores e à hora marcada só lá estar eu. Também me impressiona que estando a acção agendada até às 17, às 15 já só esteja presente metade do grupo. Impressiona-me ainda o desplante com que se atende o telemóvel e muito mais coisas pequenas mas enormes, mas chega...

Culpo dos professores?
Não !
Mas também não os desculpo.

A escola que temos é o reflexo da sociedade que somos, e não há Ministério que altere isso por decreto.

CA disse...

"A escola que temos é o reflexo da sociedade que somos, e não há Ministério que altere isso por decreto."

Os ministérios da educação em Portugal andam há pelo menos 20 anos a trabalhar apenas para as estatísticas.

Anónimo disse...

"Com a extinção das escolas comerciais e industriais, que tão boas provas deram na formação de técnicos competentes"

Se deram excelentes provas porque foram extintas? Eu acho que foi para criar a treta dos politécnicos e darem tachos por ai..
Parece que os politecnicos iriam ministrar cursos tecnicos mas ficou-se pelo parece, estão a ministrar cursos universitários sendo para-universidades e o mais estupido é quando os politecnicos do estado concorrem com as proprias universidades do estado em termos de alunos e de fundos do proprio estado.
Encerrem de uma vez por todas esses politécnicos que ai andam e voltem a abrir as escolas industriais e comerciais, nem tudo o que havia antes do 25 de abril e nem tudo o que havia à duas decadas atrás era mau, claro que foi um retrocesso a destruição do ensino técnico.
Parece que voltamos ao antigo regime onde trabalhar manualmente era sinal de classe baixa em que a nobreza por mais decadente e falida que estivesse não podia trabalhar pois era contra o preceito de classe.
Queremos ser muito grandes quando na verdade somos muito pequenos..

Anónimo disse...

Ó Rui, estás a gozar comigo ou quê?
Primeiro, quem escreveu foi o Rerum Natura e não tu!!
Segundo: as escolas técnicas não são novidade para ninguém, existem há mais de 10 anos, e agora tu vens com a conversa de "notícias recentes", e eu pensei que estavas falar que só agora, este ano, passou a haver escolas profissionais! 2003???!! Em 2003 já havia montes de escolas profissionais!
Se aprendesses a escrever sobre o assunto de maneira correcta não tinhas levado o meu comentário!
Quero lá saber se és um rato preto ou branco, foda-se, nem te conheço, pá! Se fosses uma gaija boa ainda me podias interessar, mas assim...
luis

Unknown disse...

Anónimo: Claro que não estou a gozar consigo: "Vade retro, Satanas"! E para o demonstrar, aconselho-o a ler o artigo de hoje no Expresso sobre escolas de formação profissional que servem de refugo para quem não quer estudar e só busca um papelucho do Estado que ateste a sua incapacidade para se integrar numa sociedade que, apesar de tudo, deve apelar ao civismo e à simples boa-educação. As escolas técnicas que defendo devem ter o mesmo estatuto das outras de tradição liceal, a mesma dignidade e não serem parentes pobres de um ensino exigente.E principalmente, devem ser frequentadas por vocação. Nunca como segunda escolha. É preferível ser um bom operário especializado a ser um licenciado sem preparação para nada. A dignidade das pessoas não está nos diplomas que ostentam. Unicamente nas suas qualdades humanas e na sua capacidade em viver em sociedade. Uma sociedade de homens corajosos que assumam a responsabilidade dos seus Actos.
Rui Baptista

Anónimo disse...

As escolas profissionais já existem há mais de 15 anos, cursos tecnico-profissionais nas escolas publicas há mais de 15 anos mas as pessoas falam sem ligar nada à realidade e deitando as culpas sempre para cima do Governo (sempre o actual que tem obviamente culpa de tudo apesar de ter conseguido aumentar o número de alunos nestas vias!!!). Já enjoa. O Sr Batista fala do que não sabe nem conhece!
Funcionam bem ou mal? Produzem bem ou mal? Vão visitá-las (por exemplo, perto do Sr Batista fica a de Sicó em Avelar, Fig. Vinhos e Penela) e falem depois (não vale ler as reportagens sensacionalistas e intencionalmente distorcidas do Expresso).
Ainda mais: o estudo do PISA mostra que entre os paises com mais dificuldades relativas (como a França e a Alemanha estranhamente a meio da tabela) estão aqueles que fazem selecção mais precoce dos alunos pelas diferentes vias...

Unknown disse...

O anonimato dá para tudo!!!Ponto final, parágrafo.
Rui Baptista

Anónimo disse...

Nos posts sobre religião ou análogos, é o que se sabe...
Aqui não deveria ser necessário o anonimato
lol

Anónimo disse...

Os comentários valem independentemente de ser o João ou o Manel a fazê-los; quer desconversar? Se eu fosse antigo ministro começava logo a dizer "Pois, você fez isto e aquilo..." Isso não!
Se não quer responder aos argumentos, cada um tira as suas conclusões.

Unknown disse...

Que argumentos?"Não vale ler as reportagens sensacionalistas e intencionalente distorcidas do Expresso",anónimo "dixit".
Só porque é um jornal de referência e independente dos poderes políticos (antes e pós-25 de Abril) e, consequentemente, não "his master voice" das acções do Ministério da Educação?
Pessoalmente, ou sob o anonimato, outros assumem, de bom grado, essa posição. Só resta saber as intenções com que o fazem e porque o fazem. Repito, o anonimato dá para tudo! Até para pretender que 3 simples execepções confirmem uma regra.Não caio nesse embuste, até porque não possuo dados
que me permitam confirmar ou duvidar da bondade das escolas de Avelar, Figueiró dos Vinhos e Penela que exeptuem o panorma geral descrito em páginas inteiras do Expresso e confirmado por centenas de professores que nelas leccionam. Com diz a canção, uma andorinha não faz a primavera em nuvens plúmbeas que anunciam a borrasca que s abateu sobre um ensino que dá diplomas académicos como quem distribui um bodo aos pobres para que eles enriqueçam os dados estatísticos oficiais e intenções governativas que querem que os portugueses exibam diplomas que transformam analfabetos em burros diplomados, na expressão amarga do falecido Francisco de Sousa Tavares.
Rui Baptista

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