quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

O que é a ciência?

Respondendo a uma resposta de uma resposta, o Ludwig define assim a ciência:

“Ciência é usar informação para obter descrições correctas e detalhadas.”

Esta definição não parece funcionar por ser demasiado restrita e demasiado lata. Ou seja, por parecer incluir na ciência o que claramente não é ciência e por excluir da ciência o que claramente é ciência. É como definir ser humano como animal racional: há seres humanos que não são racionais porque nascem sem cérebro e se houver seres racionais noutros planetas, eles não serão seres humanos.

É demasiado restrita porque coloca fora da ciência todas as teorias... ah... científicas erradas. A física de Newton não seria ciência, por exemplo, dado não ser uma descrição correcta, apesar de ser uma descrição detalhada. E é demasiado lata porque muitas descrições detalhadas e correctas não são claramente ciência: qualquer armazém de peúgas tem nos seus inventários uma descrição correcta e detalhada das peúgas que tem em armazém, mas não dizemos que o armazenista é um peugólogo.

Além disso, grande parte do que queremos que a ciência nos faça não são meras descrições correctas e detalhadas — são explicações. Na verdade, é com base nas explicações que depois podemos fazer previsões, que são descrições do porvir.

E, finalmente, podemos dizer que a matemática pura é uma descrição correcta e detalhada — mas a diferença crucial é que tais descrições correctas e detalhadas não são descrições correctas e detalhadas do universo espaciotemporal, apesar de podermos usar algumas para descrever o universo espaciotemporal; e não são descrições obtidas empiricamente, por observação, medição, etc.

A ciência não se pode confundir com os resultados da ciência. E seja como for que definamos a ciência, qualquer definição que exclua a matemática do domínio da ciência é o resultado de se estar a definir “ciência empírica” apenas.

Mas posso estar a ser injusto com o Ludwig. Há alguma maneira de fazer a ciência esgotar o domínio da racionalidade, como ele quer? Sim. Vejamos como. Se tivermos uma noção epistémica, e não metafísica de justificação, como sugeri no post “O que é a justificação?”, e se tivermos uma noção igualmente epistémica de ciência, como sugeri no post “Ciência e erro”, podemos conceber a ciência, entendida amplamente, como um conjunto de procedimentos epistemicamente virtuosos, sobre determinados aspectos da realidade. Dito assim, isto incluirá a física, mas também a matemática ou a história. Ou a filosofia, já agora. Neste sentido, o termo “ciência” seria sinónimo de “investigação séria das coisas”. Mas o Ludwig rejeita isto explicitamente.

Mas se aceitarmos isto, podemos depois podemos distinguir as diferentes maneiras de investigar seriamente a natureza das coisas. Há ciências empíricas fortemente matematizadas, como a física; outras que trabalham fortemente com modelos matemáticos, que é apenas uma forma particular de “matematizar o real”, para usar uma expressão estúpida dos historiadores da ciência. Há outras ciências que não são empíricas, como a matemática. E há coisas como a história ou a filosofia.

Pessoalmente, parece-me bizarro chamar “ciência” à história ou à filosofia. Por isso, defendo que a ciência não esgota os modos epistemicamente virtuosos de investigar a natureza das coisas, e restrinjo a palavra “ciência” ao que em qualquer caso é realmente reconhecido como ciência: física, biologia, matemática e outras ciências deste jaez, excluindo a filosofia e a história, por exemplo.

E pronto. Agora o Ludwig vai dizer que está tudo errado, e foi para isso mesmo que escrevi este post — pois como Fernando Pessoa, “Concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador.” Força, Ludi!

13 comentários:

Anónimo disse...

Gostei mas as explicações da ciência dão-me volta ao juízo
quando não as percebo bem.
Prefiro a causalidade mágica das lendas e dos mitos da história,
o rigor precário das divagações e das crenças da filosofia e, finalmente, acabo por escolher a virtuosidade fantástica da música, da literatura e do cinema.

Anónimo disse...

Belíssimo post. Para mim, desfez alguns equívocos. Estava convencido que o Desidério tentava tornar a filosofia num ramo da ciência.

Anónimo disse...

A fisica de Newton é uma descrição correcta e detalhada. Não é global; quero dizer que não é verdade para tudo, mas é correcta.
Mas penso ter percebido a ideia. A linguagem escrita é que não é certamente ciência :)

Anónimo disse...

eu só não percebo esta implicação: "se houver seres racionais noutros planetas, eles não serão seres humanos."

a minha questão é - porquê? e como pode ter tanta certeza disso? é bruxo ou tem um dedo que adivinha?

Anónimo disse...

Está muito bem visto este último comentário e merece uma resposta no mínimo racional!

Rui Baptista disse...

Por vezes, em face das muitas leituras por nós feitas, perdemo-nos no nome dos autores de certas frases que nos ficam na memória. É este o caso: "Ciência é, frente ao dogma, discussão permanente". Gostaria que o Desidério comentasse esta definição e localizasse o seu autor, se possível. Embora correndo o risco de me enganar, julgo ter sido Ortega y Gasset.

Anónimo disse...

Anónimo disse...
"eu só não percebo esta implicação: "se houver seres racionais noutros planetas, eles não serão seres humanos."(..)a minha questão é - porquê? e como pode ter tanta certeza disso? é bruxo ou tem um dedo que adivinha?"

Depende do que se considerar humano, se for humano por viver na terra obviamente que não, seres racionais poderão até existir noutros planetas, basta pensar na proximidade do big bang na sua maior faixa de tempo para evoluir, contudo há caracteristicas necessárias para chegarem a uma evolução como nós ou superior.
Tem que respirar o que implica orgãos respiratorios e conseguentes fisionomias para os mesmos, audição e algo que se assemelhe a ouvidos,visão e algo que se assemelhe a olhos e possivelmente paladar e olfacto e respectivos orgãos, o bipedismo possivelmente e sobretudo membros para pegar em instrumentos e ferramentas, se existirem humanos como nós não serão mas partilham mts semelhanças biologicas de certeza.


"Pessoalmente, parece-me bizarro chamar “ciência” à história ou à filosofia"

Pessoalmete discordo do desidério quanto à temática da história, então a história não é ciencia porquê? Ela usa métodos empiricos, ela usa métodos de analise e estudo, dizer que a história permite em certos casos teorizar ou infelizmente em alguns autores divagar sim isso pode acontecer mas não deixa de ser ciencia, quando um geologo olha para uma formação rochosa e percebe a época a que pertence, as suas alterações, tal como um palentologo para uns ossos de dinoussauro ou um fisico ou astronomo para um cometa ou estrela, tambem um historiador olha para um artefacto histórico e pode indentificar-lo e perceber porque as coisas foram assim.
A questão é que as pessoas se ficam normalmente ou pela história do secundário e sobretudo pela do 3º ciclo ensinada a martelo e aquilo não é história são estórias do nosso muy brilhante sistema de ensino, quem se forma em história percebem bem os métodos e o porquê da história ser uma ciencia a partir dos anos trinta do séc. XX com o movimento dos annale, sugiro a leitura do livro introdução à história do Marc Bloch da europa américa.

Anónimo disse...

Bem, se a causalidade mágica das lendas e dos mitos da história fosse preferível, no aspecto empírico, do que os estudos sobre filosofia e ciência ainda estaríamos dizendo que os trovões e os relâmpagos eram Deuses e não teríamos energia elétrica; não tiro o mérito dessas visões de mundo, só acho deslocado usa-las para comentar esse texto. É o mesmo que responder falando sobre a importância dos estudos acerca da estrutura do átomo à uma pergunta de fundo religioso.

Rui Baptista disse...

No meu comentário anterior, refiro-me a ciência quando me deveria ter referido a cultura. As minhas desculpas por este involuntário erro.

Anónimo disse...

Acredita naqueles que procuram a verdade. Duvida daqueles que a encontra. (André GIDE)

Se não receio o erro, é porque estou sempre a corrigi-lo. (Bento CARAÇA)

Uma análise é melhor que uma definição. Devemos descrever aquilo que não podemos definir.(CONDILLAC)

À força de duvidar, chega-se a conhecer a verdade. (DESCARTES)

Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo.
(WITTGENSTEIN)

Je ne discute jamais du nom pourvu q’on m’avertisse du sens qu’on lui donne. (PASCAL)

Anónimo disse...

armando quintas, se é para dizer coisas como "depende do que se considerar humano", não se dê ao trabalho de responder.

a questão é: o que é que permite ao desidério afirmar com tanta certeza que, "se houver seres racionais noutros planetas, eles não serão seres humanos."

parece-me abusivo.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Gamote.

Anónimo disse...

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