Em resposta a uma resposta de uma resposta do que eu já perdi o fio à meada, diz o Ludwig: “Infelizmente, parece que eu e o Desidério discordamos cada vez menos.” E depois escreve tantas coisas com as quais discordo, que sou obrigado a dizer que parece que eu e o Ludwig discordamos cada vez mais.
Eu já desconfiava que concordar com a afirmação do Ludwig de que a ciência, em sentido amplo, é o estudo epistemicamente virtuoso da realidade poderia esconder um disparate. E esconde. Ele pensa que a realidade se esgota no que pode ser observado. E eu penso que isto é treta, para usar a terminologia a que Ludwig nos habituou. Vejamos porquê.
O Ludwig declara neste seu último post que fazemos ciência às fatias só porque somos psicologicamente limitados. E que por isso tais distinções podem ser mais enganadoras do que reveladoras; ciência há só uma. E depois fala de possibilidades interessantes: se ele fosse mais esperto do que é, seria apenas cientista e haveria uma só ciência. É um belo sonho e vale a pena usar a imaginação para imaginar coisas e testar ideias.
Eis outra coisa que podemos imaginar. Somos todos cegos. Temos outros sentidos, como a audição, o tacto, o cheiro, mas somos cegos. Poderemos fazer ciência? Claro. Poderá basear-se na observação? Não. A ideia de que observar é algo essencial para que algo seja ciência é uma ideia paroquial. Tão paroquial como pensar que há algo de fundamental nas fatias que fazemos nas ciências.
Mas é claro que o Ludwig não queria dizer, especificamente e com toda a precisão, “observação”. Não no sentido visual. Queria apenas falar de usar os sentidos, a experiência: usar seja o que for que nos permita captar a realidade.
Mas é agora que temos um problema. O que quer dizer “realidade”? Claro, qualquer bom cientificista dirá que a realidade se esgota no que é observável, nesse sentido amplo, pela ciência. Hum... Parece haver aqui um círculo nada virtuoso. Vamos lá a ver. Começamos por dizer que a ciência esgota o estudo da realidade, e que essa realidade só pode ser estudada pela observação, mas depois quando perguntamos o que é a realidade dizemos que é apenas o que for susceptível de ser observado? Algo está mal aqui.
É a própria noção de realidade que está em causa. Ludwig usa o termo escondendo uma tese filosófica: a de que nada há na realidade que não tenha localização espaciotemporal. Muitos filósofos, como Russell ou Quine, discordam disto. Defendem que há, por exemplo, universais (Russell), como a brancura, ou conjuntos (Quine) e que os universais ou os conjuntos não têm localização espaciotemporal. Ou defendem que há particulares abstractos, como proposições ou o número três (não confundir com o numeral 3, o símbolo que usamos para referir o três).
O importante não é exactamente saber quem tem razão nesta disputa — o Ludwig ou Russell e Quine. Seria preciso estudar cuidadosamente os argumentos dos dois lados, o que seria muitíssimo instrutivo (é o tipo de coisa que fazemos em filosofia). Só quero chamar a atenção para uma dificuldade de base: mesmo que a tese filosófica de Ludwig sobre a realidade seja verdadeira, não foi estabelecida por meio da observação. Foi estabelecida pelo pensamento apenas, como acontece com a generalidade das teses filosóficas. E isso exibe uma dificuldade fundamental nessa tese: é que parece precisar de admitir o que quer negar. Parece precisar de admitir que afinal é possível fazer ciência, no sentido amplo, sem recorrer à observação.
Assim se percebe que o argumento do Ludwig baseado no quarto chinês de Searle é treta. É treta porque tudo o que o argumento de Searle diz (e muitos filósofos têm muitas objecções a levantar ao argumento) é que a mera compreensão da sintaxe não é verdadeira compreensão linguística. Precisamos da semântica para compreender realmente uma linguagem. Mas no argumento nada diz que a semântica de um termo como “brancura”, por exemplo, tem de ser algo com localização espaciotemporal.
Na verdade, o argumento de Searle é contrário ao espírito nominalista do Ludwig, pois mais cedo ou mais tarde o Ludwig vai desenvolver uma ideia a que já aludiu: que a matemática não é realmente ciência porque é uma “mera linguagem”. Nesse sentido, não nos dá conhecimento do mundo. Ora, a verdade é que a ideia de que a matemática é uma mera linguagem só tem pernas para andar se conseguirmos prescindir da semântica da linguagem matemática, coisa que o próprio Ludwig não quer fazer porque aceita a ideia central de Searle de que sem semântica estamos no domínio do faz-de-conta.
Bom, eu prevejo o que o Ludwig vai dizer a tudo isto. Vai distinguir conhecimento de levantar hipóteses. Mas é melhor dar-lhe a palavra, para ser ele a cortar as coisas às fatias e não eu.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
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14 comentários:
Quando nos afastamos da revelação de Deus acabamos invariavelmente a discutir o que é a realidade.
Qualquer dia estaremos a dizer, como chegou a dizer Fred Hoyle, que Deus evoluiu com o cosmos e depois criou esse mesmo cosmos.
Ou então, estaremos a afirmar, com Paul Davies, que o Universo é criado por nós no momento em que o observamos.
Os criacionistas nada têm contra a ciência do observável e do repetível. Do mesmo modo, os mesmos nada têm contra o desenvolvimento tecnológico, fruto de design inteligente e informação acumulada.
Os criacionistas apenas dizem que é impossível fazer afirmações sobre a alegada origem casual do Universo e da Vida e da evolução aleatória das espécies (fenómenos não observáveis nem repetíveis) sem cair no domínio das mundividências filosóficas e das extrapolações especulativas caracteristicamente fideistas.
Ora, fé por fé, os criacionistas bíblicos já têm uma fé e não vêem neste blogue quaisquer razões para a substituir por outra.
Captar a realidade:
Como é que podemos saber da existência da realidade, seja o que for, sem que alguém a capte? Captar uma coisa (observar) é um acontecimento triádico. É preciso: o observador (o sujeito), a coisa (o objecto) e o acto de captar (a relação). Portanto a captação da realidade implica três termos indissociáveis, cada um dos quais não podendo ter existência própria independente dos outros dois.
Aparentemente não deveria fazer sentido dizer que há uma captação da realidade independente do observador e da coisa observada. Ou seja, não faz sentido falar de realidade sem ser de modo codependente do “captador”. Não há nenhuma realidade que transcenda essa relação. Nada pode fazer parte da realidade que satisfaça o critério de independência. Nada pode ser encontrado para além das suas condições de aparecimento.
As causas e os seus efeitos, a realidade e os seus atributos, a própria mente do sujeito e os objectos das mente, são codependentes uns dos outros. Nada pode existir em si mesmo ou independente.
Olá, F Dias
Está a fazer um raciocínio errado. Do facto de o conhecimento de algo exigir uma relação entre o que é conhecido e o agente que conhece não implica que o que é conhecido não existe se não existir o agente que conhece.
Repare: não estou a atacar a ideia idealista de que a realidade só existe quando alguém existe que pense nela. Esta ideia parece-me falsa, mas não estou a atacar isso. Estou sou a dizer que ainda que tal coisa seja verdade, o argumento que apresentou está errado. Tal ideia não se segue da premissa que apresentou.
Claro, Desidério, assim como diz tem razão. Mas não era isso o que eu queria dizer. E o problema é que estou naquela situação que a minha professora de física no 1º ano do liceu me dizia: quero dizer tá tá, mas não me chega a língua…
A nossa cognição emerge do pano de fundo de um mundo que se estende para além de nós mas que não pode ser encontrado separadamente da nossa corporalidade. Quando desviamos a nossa atenção desta circularidade e procuramos seguir exclusivamente o movimento do captador, descobrimos que não podíamos discernir qualquer fundamento subjectivo permanente e duradouro. Quando tentamos encontrar o fundamento objectivo que pensamos estar ainda presente, descobrimos um mundo actuado pela nossa corporalidade.
O problema é explicar: se a realidade tal como é concebida independente, é desprovida de fundamento, como é possível compreender a nossa experiência quotidiana nele? Hilary Putnam parece que andou lá perto, mas eu nunca consegui compreendê-lo.
Putnam, em “The Faces of Realism” diz a dada altura:
“A ciência é extraordinária a destruir respostas metafísicas, mas é incapaz de fornecer substitutos. A ciência retira as fundações sem prover uma substituição. Quer queiramos ou não estar aí, a ciênca pôs-nos na situação de termos que viver sem fundações. Foi chocante quando Nietzsche disse isto, mas actualmente já se tornou um lugar comum. Estamos condenados a ter de filosofar sem fundações.”
Como este blogue indica, a ciência acaba sempre por bater à porta da metafísica.
Sempre foi assim, e sempre assim será.
Ninguém sabe o que está antes e para além do hipotético Big Bang. Ninguém sabe o que causou esse alegado Big Bang, nem porque é que ele conduziu a este Universo de forma tão improvável.
Do mesmo modo, ninguém sabe como é que a vida surgiu.
As teorias da geração espontânea da vida (que já Aristóteles defendia)foram pronta
e convincentemente refutadas por homens como Francesco Redi, Lazaro Spallanzani, Theodor Schwann e Louis Pasteur.
A teoria da "panspermia" era uma fantasia de Francis Crick, totalmente destituída de qualquer fundamento empírico.
Neste momento não existe (e está muito longe de existir) qualquer explicação naturalista para a origem da vida, pela simples razão de que não existe qualquer explicação naturalista para a origem da informação de que a vida depende.
O Ludwig Krippahl deveria saber que a mitose e a meiose não são nenhuma explicação naturalista da vida, porque são processos em que se copia informação genética previamente codificada no DNA. A mitose e a meiose seriam impossíveis sem DNA.
Pelo contrário, existem argumentos convincentes no sentido de que a origem acidental da vida é impossível em quaisquer circunstâncias.
Daí que as explicações naturalistas falhem sempre. Conscientes disso, os evolucionistas decidiram por uma retirada estratégica, dizendo que a origem da vida está fora da teoria da evolução.
Mas a verdade é que a teoria da evolução também não funciona onde devia funcionar, nem consegue evidência fóssil onde a mesma não deveria faltar.
Daí a necessidade da metafísica.
Ora, se assim é, então comecemos por Deus e pela Sua Palavra, numa versão "hard" de metafísica. Se o fizermos, as peças do puzzle começam imediatamente a fazer sentido e cair nos lugares certos.
Perspectiva,
é muito feio andar a toda a hora a pregar ao bispo de Braga. É que de tanto pregar, garanto-lhe que acaba a produzir o efeito contrário.
Estimado Rolando Almeida
Os evolucionistas andam sempre a pregar a sua própria religião naturalista. Não se esqueça disso. Também é feio?
A mensagem de Jesus Cristo nunca foi acolhida de bom grado, nem o será agora. Por algum motivo crucificaram Jesus.
No entanto, ficará bem claro que não é por falta de evidências que as pessoas rejeitam a mensagem da Criação.
É evidente que se as pessoas quiserem continuar a crêr na evolução, podem fazê-lo. Uma pessoa pode acreditar no que quiser.
No entanto, a noção de que processos naturais criaram, de forma aleatória, toda a informação que codifica a variedade da fauna e da flora na face Terra não é compatível com a evidência observável.
Diferentemente, o relato bíblico da Criação explica a origem das quantidades inabarcáveis de informação e a sua subsequente deterioração e eliminação posterior à queda do homem.
É claro, como disse, que as pessoas podem continuar a acreditar na evolução. Mas é uma fé destituída de qualquer fundamento empírico.
Isso pode e deve ser dito.
A partir de um instante meramente imaginável, nada existe sem ser em relação. Existem o um e o outro (aqui representando ambos uma colecção de membros de classe distinta) e a sua relação ou o seu contexto. E poderão existir assim para a eternidade, seja o que esta for. Poderemos chamar a isto a realidade empírica? Pois, podemos.
Por qualquer carga de água, que não interessa trazer à colação, um dos relacionados constrói algo sobre o outro, sobre si próprio e sobre o seu contexto. Chamemos conhecimento a este algo, ou, melhor, conhecido, porque conhecimento é o processo de produção do que se tornará o conhecido. É claro que este algo, ou conhecido, não existindo fora de quem o criou faz também parte do que existe, do que se chama a realidade. Mas não se vê, não é sensível, nem necessário para a existência do um, nem do outro nem da relação, embora não deixe de interferir nela indirectamente, através da relação estabelecida pelo seu criador com o outro.
Esta parte da realidade, portanto, não é o um como era, nem o outro nem o contexto em que existiam, transcende-os; tão pouco é necessária para que a restante continue existindo, permaneça real. Poderemos dizer que este um — o que tem a capacidade de conhecer e que produz o conhecido — é um novo um, e assim reduzir tudo o que existe à nova condição de existência: o um e o seu conhecido, o outro e o seu contexto. Com isso apenas ganhamos ilusão.
Isto apenas é possível porque um dos existentes adquiriu capacidade de pensar, essa coisa que ainda mal sabemos o que seja e como se processa. Pensar sobre si, sobre o outro e sobre o seu contexto; depois, sobre a sua própria produção, sobre os modos do seu pensar e conhecer, para aumentar ou melhorar o que conhece do que é conhecível (porque existente); e, nada o impede, também de pensar sobre o que não existe e de criar objectos que só em si passem a existir, e de se entreter a conhecer sobre eles e sobre suas possíveis relações, e da sua fértil imaginação saírem relações que constata representarem outras que existem noutras partes de si que não a sua mente, ou no outro ou no contexto em que ambos existem. Poderemos chamar a esta parte da realidade, que só existe na mente e pelo pensamento, a realidade não empírica? Julgo que sim, nem que seja por comodidade distintiva.
Construída na mente pelo pensamento com o objectivo de conhecer — ou descrever, compreender e explicar — objectos empíricos e objectos não empíricos, esta parte da realidade é um produto da realidade empírica de que o nosso um faz parte, do seu corpo, e pode necessitar de instrumentos empíricos para ser realizada, mas embora não exista fora da mente não é redutível ao corpo, porque sendo um seu produto o transcende, não sendo inato é construído, e é construído em si. A divulgação da informação ou da descrição do conhecido que existe na mente do nosso um não só ajudará outros membros da colecção a produzirem os seus próprios conhecidos como inclusivamente o porá à prova pública, permitindo aos restantes interessados detectar-lhe eventuais lacunas, imprecisões e erros, refutar a sua validade e produzir outros conhecidos sem os defeitos detectados.
O conhecível não é redutível ao conhecível empírico, e, portanto, o conhecido, o que vulgarmente designamos por conhecimento, também não se restringe ao que sobre ele é produzido. Além do mais, o próprio conhecido não é um objecto empírico, mesmo quando empíricos são os objectos e alguns instrumentos úteis e necessários para o conhecimento, porque um e outros não são confundíveis e o conhecido constitui uma reconstituição mental do objecto conhecível. Se a reconstituição representar o conhecível tal como ele é, poder-se-á dizer que é verdadeira. Visto não termos modo de aferir a verdade sem margem para dúvida, principalmente no caso dos conhecíveis mais complexos, restará ir produzindo conhecidos cada vez mais plausíveis, mais completos e aceites como válidos por parte cada vez maior dos interessados em conhecer.
JC (que não é o Cristo).
Caro Perspectiva,
Não percebeu o que pretendi dizer-lhe: O Perspectiva colocou um comentário sobre o criacionismo,mas o post nada tem a ver com essa conversa, pelo que, pelo menos a mim, me soa propagandistico. Claro que há progagandistas do evolucionismo e, por essa razão, esses, estão no mesmo plano que o perspectiva, a saber, são propagandistas e, alguém que encare o assunto com seriedade e que o deseja discutir não leva a sério esta atitude venha ela de onde vier, de evolucionistas, de criacionistas ou dos beneméritos de cristo do pai Tomé. Dá igual.
Uma curiosidade: porque é que se contabilizam um número impressionante de defensores do criacionismo que não assinam em nome próprio? Trata-se de uma moda? Ou temem alguma perseguição evolucionista? Isto é um bocado idiota, mas, a avaliar neste e noutros blogs análogos, os defensores do criacionismo não assinam em nome próprio em número elevado. Bolas, defenda-se o que se defender, por que razão se escondem as pessoas?
Rolando A
A realidade pode ser que não exista mas é o único sítio onde se pode comer um bom bife com batatas fritas ...
Woody Allen, I presume
Meu nome é Maria Aparecida de Melo.
Na Bíblia, no livro de 2 pedro 3:8 diz que um dia para Deus são mil anos e mil anos um só dia.
marycidamelo@hotmail.com.br
Na Bíblia, no livro de 2 pedro 3:8 diz que um dia para Deus são mil anos e mil anos um só dia.
Retificando meu e-mail: marycidamelo@hotmail.com.
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