sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

MADRID ME MATA


Minha crónica do "Público" de hoje:

Para celebrar mais um aniversário do 1º de Dezembro de 1640 (data que os espanhóis desconhecem) e me aliviar do provincianismo de que fui acusado nada melhor do que um pulo até Madrid. Fui de propósito para ver ou, melhor, rever a maior colecção de arte do mundo, o triângulo formado pelo Museu do Prado, agora ampliado com o fantástico projecto de Rafael Moneo, o Museu Thyssen, com acrescento do mesmo arquitecto, e o Museu Rainha Sofia, aumentado por Jean Nouvel. Não sei quantos espanhóis vieram a Lisboa no mesmo fim de semana para verem o Museu da Arte Antiga, o Museu Colecção Berardo (que ocupou o Centro Cultural de Belém) e o Palácio da Ajuda com a exposição russa do Hermitage. Mas, se fossem tantos como os portugueses que andavam por Madrid, o nosso turismo cultural iria muito bem.

Infelizmente não vai. A começar no turismo interno. Os números de visitantes dos nossos museus são muito modestos, não havendo nada parecido com as longas filas de Madrid. O recente relatório do Eurostat sobre cultura revela que só 24 por cento dos portugueses visitaram um museu ou galeria durante o último ano (penúltimo lugar na Europa a 27 apenas à frente da Bulgária) ao passo que nos espanhóis o número correspondente é 38 por cento (a média europeia é 41 por cento estando a Dinamarca à frente com 65 por cento). Mas, melhor do que analisar inquéritos, é ir ao “triângulo da arte” para fazer uma comparação. Somos cilindrados por tesouros de todo o mundo: num só fim de semana podemos ver, para além das grandes colecções permanentes, exposições únicas que nos enchem o olho como “Fábulas de Velasquez” no Prado, “Duerer e Cranach” no Thyssen e “Paula Rego” no Rainha Sofia. Sim, a “nossa” Paula Rego brilha perto de Velasquez, cujo avô era portuense, e de Duerer, que desenhou o rinoceronte que D. Manuel I ofereceu ao papa.

Faz sentido a comparação com Espanha? Sim, embora seja preciso reparar que a população espanhola é quatro vezes superior à nossa e o PIB espanhol per capita 1,4 vezes o nosso. Mas não basta. É a política, meus senhores! O Ministério da Cultura espanhol aumentou o seu orçamento de 42 por cento entre 2005 e 2008 ao passo que o correspondente português baixou de 14 por cento no mesmo período. Quer dizer: nós, que precisávamos de investir mais na cultura, investimos menos. O actual governo anunciou a meta de um por cento do PIB nesta legislatura mas não chegou nem a metade. A situação foi resumida pelo comissário nacional das Comemorações “200 Anos Portugal-Brasil”, que salientou há dias a “originalidade destas comemorações, que se fazem sem orçamento próprio”. São comemorações domésticas ou quase. E o provinciano sou eu?

De consolo serve o êxito internacional, bem visível em Madrid, não só de Paula Rego mas também do arquitecto Siza Vieira, que é o autor da remodelação do Centro Cultural aberto há meses na Plaza Colón, e ainda do projecto de remodelação do Paseo del Prado. A discussão deste projecto tem exaltado os ânimos, com a Baronesa Thyssen (uma espécie de comendador Berardo de saias, que tem como currículo ter sido, além de Miss Espanha, quinta mulher do falecido barão) a opor-se com unhas e dentes. O êxito global de criadores portugueses mostra como é espúria a oposição entre o local e o global, a província e o mundo. O global começa por ser local. E os nossos melhores locais são globais.

Eu sobrevivi a Madrid e até trouxe de lá umas ideias. Gosto de Espanha e não me importava nada que importássemos de lá alguma da genica e organização responsáveis pelo PIB e pelo orçamento na cultura que eles têm a mais. O ditado sobre o vento e o casamento é tolo, como já disse Eça de Queiroz, um dos nossos melhores locais que não chegou a ser tão global como merecia. Devia abanar-nos o exemplo que está aqui tão perto. Foi também Eça quem disse: “Amo tudo na Espanha. Somente gostava mais dela se ela estivesse na Rússia”. Suspeito que, se ela aí estivesse, em vez de irmos ao Prado, haveríamos de pagar o que fosse preciso, mesmo sem dinheiro, para o Prado vir até nós...

3 comentários:

P Amorim disse...

Também gosto muito de Madrid, bem castelhana. É preciso ir lá muitas vezes para se digerir bem toda a cultura que emana da cidade.

Uma diferença em relação aos museus portugueses é que além de senhores muito sérios e calados a olhar para as obras aparecem grupos de crianças barulhentas, que têm visitas especialmente organizadas, que se sentam no chão, ouvem explicações. Às vezes não tèm mais que 7 ou oito anos. De certeza que uma parte deles volta mais tarde, com outro olhar.

Manuel Rocha disse...

Confesso que me ficam sérias dúvidas sobre se a citação do Eça deve ser lida no sentido literal...
Aquela ideia de colocar a Espanha no outro extremo da Europa ( porque não em França ? ) não me parece de um "simpatizante"...mas pronto !

Anónimo disse...

Sobre o investimento em cultura posso dizer que se o governo em vez de dar dinheiro para se construir estádios de futebol para sads que são privados o que é manifestamente ilegal e alimentar "chulos" desse esse dinheiro todo para a cultura era uma grande ajuda.
Se a Espanha tem a pujança que tem é porque por lá trabalha-se e gosta-se do que se faz.
Cá enquanto as pessoas não se mentalizarem que têm que trabalhar e não estar apenas "empregadas" isto não anda, alem da falta de interesse cultural dos portugueses.
Vai-se pouco ao museu mas aposto que se vai mais à taberna, aposto que se lê pouco mas compra-me muito vinho.
É o país que temos..

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...