Texto do Professor Galopim de Carvalho, com os agradecimentos do De Rerum Natura.
No dia-a-dia, o tempo mede-se em horas, minutos e segundos nos mostradores dos nossos relógios de pulso. Na História mede-se em anos, séculos e milénios, usando para tal pergaminhos e outros documentos com significado cronológico. Na Pré-história dos homens faz-se outro tanto com base em objectos vários e fala-se de milhares e, nalguns casos, de milhões de anos.
A escala do tempo dilata-se ao investigamos o nosso passado geológico e, ainda mais, se recuarmos aos começos Universo, onde os milhares de milhões de anos marcam as etapas percorridas com uma imprecisão que se esfuma nessa “eternidade”. No decurso das nossas vidas revemos sem dificuldade o nosso tempo, o dos avós e até o da das sociedades humanas, mas é com esforço que abarcamos ou evocamos toda a vastidão do tempo da Terra. Como na História, também a geologia necessita de documentos e esses temo-los nas rochas, quer sejam os fósseis que algumas delas encerram, quer alguns dos minerais seus constituintes.
Porque de uma história se trata, a geologia tem no tempo um dos seus pilares e esse tempo é aí encarado sob duas perspectivas distintas: a de tempo relativo e a de tempo absoluto.
Na primeira, que diríamos qualitativa, procura-se saber se um dado evento ocorreu antes, depois ou em simultâneo com outro, isto é, se lhe foi anterior, posterior ou contemporâneo. É por demais conhecido e hoje evidente um princípio fundamental, formulado no século XVII, pelo dinamarquês Nicolau Steno, que postula que “numa sequência sedimentar, qualquer estrato é mais moderno do que o que lhe fica por baixo e mais antigo do que o que se lhe sobrepõe”. Tal ordenação no tempo das rochas estratificadas é a mesma que se observa na pilha de papéis na secretária de um burocrata.
Quais marcos do tempo, também os fósseis, escalonados na cadeia evolutiva da biodiversidade, nos permitem uma ideia do tempo relativo. Assim, e graças ao muito trabalho dos paleontólogos, sabemos, por exemplo, que as rochas sedimentares com fósseis de trilobites são mais antigas do que as que conservam ossadas de dinossáurios e estas, por sua vez, anteriores às que serviram de jazida aos australopitecos, nossos avós.
Na outra perspectiva, a quantitativa, o tempo tem o sentido de duração e, assim, refere o intervalo que medeia dois acontecimentos ou o que decorreu entre um deles e o momento presente, isto é, a sua idade.
Uma das vias mais frutuosas na medição do tempo geológico nasceu com a descoberta da radioactividade por Henri Becquerel, em 1896, e ganhou corpo com os trabalhos sobre a constituição e funcionamento do núcleo atómico levados a efeito por Marie e Pierre Curie e muitos outros físicos.
Tais avanços da ciência, com reflexos na medição do tempo, foram sabiamente aproveitados por vários investigadores, entre os quais o físico Arhur Holmes, do qual se diz que “só não foi prémio Nobel porque a geologia não figura entre as disciplinas contempladas no respectivo regulamento”.
Executadas por rotina em muitos laboratórios de todo o mundo, as determinações de idade dos minerais permitiram-nos enquadrar, em termos de cronologia absoluta, no geral expressa em milhões e milhares de milhão de anos, as grandes etapas da história da Terra e da vida, de há muito definidas em termos de idade relativa.
Sabemos hoje que a Terra se formou há aproximadamente 4570 milhões de anos, que os dinossáurios fizeram a sua aparição há cerca de 235 e que grande parte deles desapareceu de vez há 65 milhões de anos. Sabemos que há rochas no distrito de Bragança com cerca de mil milhões de anos, que o granito do Porto é velho de 560 milhões, que o das Beiras tem à volta de 300, que o de Sintra, apenas 85 e que onde hoje é Lisboa, era mar há escassos 23.
E a lista de rochas e de acontecimentos de que conhecemos a idade absoluta é imensa e não pára de crescer.
Galopim de Carvalho
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2 comentários:
Alem de belo, é útil útil este texto.
Para a miudagem de biologia e geologia do secundário não pode haver melhor. Não pode.
Pese embora o facto de muitos deles não gostarem de ler porque... não sabem ler.
O que é uma pena e causa revolta. Causa sim senhor.
Mas, com textos assim se pode anular o discurso esdrúxulo, patético e mesmo aberrante dos programas e dos manuais que os seguem como guiões e os emulam no discurso.
Longa vida ao Professor Galopim.
E que escreva, escreva, escreva, assim, para nós, de forma entendível, clara e objetiva.
Mais meia dúzia de autores a escrever desta maneira, em outras tantas disciplinas, durante uma dúzia de anos e quase nem precisávamos da cangalhada do ministério da educação.
Eu lá vou insistindo com os cachopos. E alguns já acham diferença nos textos e nos conteúdos.
Um deles, um dia destes até perguntou:
- Por que será que o que está nos livros e nos papéis parece ter sido escrito para nós não entendermos?
Como não pude deixar de ouvir respondi(-lhe) alto: - Olhe, somos pelo menos dois a pensar o mesmo.
Um grande obrigado.
Agradeço ao professor Galopim de Carvalho o belo texto. Eis a dupla homenagem que ouso expandir, pois representa em honrado pendão a grandeza, a bandeira, "o dever é lealdade a universalidade".
Da esfera armilar
O tempo, a cadência estelares,
por vos, evoluíra mo engenho
na ciência, per campo e lares
o lema: a delícia, o empenho.
A terra vossa parra e, a era;
a parra, vossa lide e vinha,
família, creio a semeara
farta ceia, per livres à tinha.
Estima é, infinita em quanto,
recinto que vos pontual,
livre terra, mágna terra é
Portugal! Com saber é fé
e sem pranto sois malta, aval,
gira e gira, teu dígno manto.
Constelações
Cantai vos Gêmeos o louvor,
mor Órion e Boieiro, e caibe
embalado Hércules de amor,
Libra e Lebre em d'ígna saudade.
Oh' Virgem, cantai vos o espaço
que infinito, que ecoa hodierno,
acena do Pégaso sem laço,
Leão e Cisne no abraço, terno.
Homero, trouxera a palma,
na trina, capaz d'este giro,
céu é véu, que ermo etério,
paz é quina e que viv'alma
e graço, ciência e mistério
a estrela esperança, que miro.
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