sábado, 3 de novembro de 2012

A MINHA PARTE NO DESPESISMO DA NOSSA AFLIÇÃO

Texto do Professor Galopim de Carvalho.

Pegadas de dinossáurios de Pego Longo (Carenque, Sintra) 

É por demais conhecido o meu envolvimento nas lutas pela preservação e valorização do nosso património geológico que, naturalmente, inclui o de natureza paleontológica, com relevo muito particular para os vestígios aqui deixados pelos grandes senhores da Terra no Jurássico e no Cretácico, há dezenas e dezenas de milhões de anos.

Do mesmo modo que um machado de pedra lascada deixado pelos nossos antepassados, um velho pergaminho, um castelo ou um palácio, uma pintura, um livro ou uma partitura são documentos com os quais se fez e faz a História, uma rocha, um mineral, um fóssil ou um trilho com pegadas de dinossáurios são documentos de uma outra história bem mais antiga, mas não menos importante, na qual radica a nossa existência como habitantes deste planeta.

Uma história de milhões e milhões de anos que, por responsabilidade do nosso sistema de ensino, não faz parte da cultura da generalidade dos portugueses.

No tempo que estamos a viver, toda a gente fala do alegre despesismo promovido e consentido por gerações de governantes ao longo das últimas décadas, despesismo só agora denunciado por alguns dos cidadãos que, por inerência das funções que exercem ou exerceram, sempre estiveram mais informados do que o comum do cidadão eleitor, no qual me incluo. Reconheço e penitencio-me de ter sido responsável por uma parte (ainda que infinitésima) desse “deslumbramento” de um pequeno país a armar ao primeiro mundo.

De entre as despesas que, por diligências minhas, foram feitas por Câmaras municipais ou pelo Governo central na salvaguarda de algumas ocorrências do referido património, devo destacar a mais volumosa, que correspondeu à abertura dos dois túneis da CREL, sob a jazida com pegadas de dinossáurios de Pego Longo (Carenque, Sintra). As diligências pela defesa desta jazida configuraram uma luta árdua, que durou anos, fez história na comunicação social na última década do século que findou e deu azo à edição de um livro “Dinossáurios e a Batalha de Carenque” (1994, Editorial Notícias).

Com o apoio da generalidade dos media, esta luta acabou vencedora, com o governo de então a disponibilizar 1 600.000 contos (8 000 000 euros) verba que correspondeu ao aumento dos custos exigidos pela abertura dos referidos túneis. Só duas vozes se fizeram ouvir, contestando este projecto, o que, então, não me agradou, como é compreensível.

Reconheço hoje que foram vozes sábias, a lutar contra o despesismo, vozes que ninguém quis ouvir. A terminar, devo dizer que, para tristeza minha, nunca mais se gastou um cêntimo neste que é um dos partimónios paleontológicos mais valiosos do nosso país (hoje em total abandono e em acelerada degradação) e que, devidamente aproveitado, seria um importante pólo de atracção turística.

Mas é preciso que se diga que esta recusa de gastar dinheiro na conclusão deste projecto (uns trocos, face ao que já se gastou) não decorre de um recuar face ao dito deslumbramento, mas sim de um lamentável desinteresse dos responsáveis que não têm sabido ver nesta realização uma mais valia para a região e para o país.

Galopim de Carvalho

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