quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Don´t ask, don´t tell

Uma "notícia ao minuto" que me caiu na caixa de correio, parecendo banal, não o é. Nela se conta que uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), que serve populações com necessidades básicas extremas, recusou, apesar de ter grandes necessidades, um donativo muito publicitado, proporcionado por um programa de televisão, mais propriamente um reality show, e que proveniente da venda de peças de vestuários dos concorrentes.

Argumentou, essa instituição (de que não conheço a orientação, o que, para o caso, não interessa nada), que, apesar de precisar do dinheiro, não o pode receber porque esse programa “não é um exemplo para as nossas crianças e jovens”. Detive-me na palavra "nossas". As crianças e jovens que atende são, sublinho, aquelas que, enfim, se considera terem por obrigação receber tudo o que se lhes dá... porque precisam de sobreviver. Mas a instituição diz que, exactamente por causa deles, tem de declinar a oferta, por estarem comprometidos, interpreto eu, princípios éticos e morais. Entende que, recebendo a oferta, as "suas" crianças e jovens poderiam ser levadas a pensar que o programa é conduzido por princípios aceitáveis, e não é.

O dilema é complexo: atender a necessidades básicas ou a princípios que dão forma à dignidade humana. Presumo que a decisão, tornada pública, tenha sido difícil de tomar. Mas foi a que foi!

Era de prever a discordância social. Muitas pessoas propagaram o seu desacordo no Facebook e o presidente da Confederação Nacional das IPSS, padre, fez o mesmo: “A situação social é tão grave que se o diabo oferecesse dinheiro para alguma das instituições a que estou ligado, só perguntava se era roubado”.

5 comentários:

José Batista disse...

Prefiro admitir que não tem que haver aqui um dilema. Esforço-me por acreditar que é preferível seguir um lema. Como este:

Para fazer bem não tem de ser obrigatório aceitar dinheiro (ou qualquer outra coisa) de origem indigna (ou assim considerada).

Agora, admito também que este meu modo de ver as coisas dependa de ser eu a pensar na necessidade (fome?...) de terceiros.
E se fosse eu ou os meus filhos com fome, também pensaria (sentiria) da mesma maneira?

Não sei nem vou ver de que instituição se trata. Não a condeno. Mas aprovo que não pague as suas dívidas se as contraiu para dar de comer a quem tem fome e precisa realmente de apoio.

Por falar nisso: Que posso eu fazer (ainda mais) para que as instituições que ajudam quem precisa não precisem de aceitar ofertas mais ou menos "sujas"?
Este é o meu sofrido (poli)lema.

Sofia disse...

Eu concordo com a posição da IPSS. E faria o mesmo pelos meus. Compreendo o (poli)lema. Apesar de tudo, não tenho dúvida alguma.

Francisco Domingues disse...

De certeza que o(a) decisor(a) nunca passou fome. Teria pensado como o padre! Parece-me que até o diabo tem pena de quem passa fome... Portanto, a decisão foi totalmente errada! Até porque as crianças não tinham nada que saber donde provinham os donativos. Aliás, sabem donde vêm os "bons" donativos?!!!

Um Zero à Esquerda disse...

Senhor Francisco Contente:

Se um assassino assaltar uma casa, matar o dono e roubar os bens, de seguida pode ir doar alguns a uma IPSS.
Quando for apanhado (certamente aconselhado pelo seu advogado) alegará a sua condição de benemérito, a qual será considerada pelo juiz. Factos são factos.
Sabe que a Noruega aplica os lucros do petróleo para as gerações futuras em diversos fundos financeiros, com uma condição, serem fundos éticos, isto é, não negociarem em armas (negócio legal mas imoral), muito menos ainda em fundos ligados a coisas bem mais estranhas e condenáveis.
Tontos estes noruegueses.

Unknown disse...

Considero bizarro (para não dizer outras coisas) que a simples defesa de princípios éticos e morais possa causar tanta estranheza (e até repulsa). Decerto é um sinal dos tempos. Aparentemente, para muitos, qualquer ignomínia é aceitável desde que tenha uma boa finalidade, e, mais, não contentes com isso, também defendem que todos os outros devam seguir o mesmo princípio. É muito, muito triste (acho eu).

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