Novo texto de Ângelo Alves (na imagem a acttriz Lillian Gish):
Há alguns meses, quando abri o
canal 2 da RTP, deparei-me com um documentário sobre o poeta e cronista Manuel
António Pina. Confesso que conhecia o cronista mas desconhecia o poeta e também
não sabia que tinha ganho o Prémio Camões, de modo que segui atentamente o
programa e encontrei um homem jovial, sempre com um cigarro na mão, e por isso envolto
por uma névoa de fumo, com o seu grupo de amigos, ou a escrever numa máquina
belíssima, dentro de um apartamento sombrio, atafulhado de livros, com uns
olhos enevoados sob uns óculos graduados. Soube também, entre outras coisas,
que era um grande cinéfilo, e que na altura destacou o filme “ A sombra do caçador”
de Charles Laughton. Eu que leio, com frequência, um jornal diário, e sou
amante de poesia, não sei como é que o Pina me fugiu durante tanto tempo. Também
não sabia que estava à altura enfermo, num hospital.
Após este documentário
autobiográfico fui, algum tempo depois, apanhado de surpresa com o seu óbito, num
jornal diário. Li, atentamente, um artigo que continha uma entrevista sua, e não
me esqueci de que gostava da poetisa Wislawa Szymborska (que eu gosto imenso,
sobretudo pela sua esplendorosa inteligência). Ao ler um excerto de um poema
seu (“Os tempos não vão bons para nós, os mortos”), associei-o a um outro poeta
que gosto, pelo seu notável sentido de humor, Iosif Brodskii. Trata-se do poema
“Transatlântico”, deste poeta de origem russa, que começa assim:
«Os últimos anos foram bons
praticamente para toda a gente
Menos para os mortos. Mas talvez
também para eles…»
O leitor decerto já entendeu onde
quero chegar.
Mas o que me apanhou como um raio
foi a sua admiração pela minha musa do cinema: a actriz Lillian Gish. Eu já
conhecia esta actriz do filme “The Wind” de Victor Sjostrom e das longas e
curtas metragens de D. W. Griffith, tendo-me ela deixado completamente de
rastros com as suas bochechas suavemente salientes, o seu ar pueril, o cabelo
frisado, os olhos vivos e redondos, quase a saltar das órbitas, a sua
fragilidade e inocência, para além, como é óbvio, de ser uma actriz ímpar.
Humildemente, penso que após ela nenhuma actriz lhe chegou aos calcanhares.
Há entre certos homens,
desconhecidos entre si mas amantes das artes, uma afinidade de gostos que,
pelos menos para mim, é quase um mistério. É precisamente a este ponto que
quero chegar. Ainda recentemente ofereci um livro, da autoria de Elie Wiesel
(judeu de origem húngara), e, dois dias depois, soube, por um jornal, que
possivelmente Wiesel vai escrever um livro (cujo teor me esqueci) em conjunto
com Barack Obama. Também o presidente dos EUA admira o percurso deste escritor
que passou, muito novo, por campos de concentração e acabou premiado com o
Nobel da Paz. A minha vida ensinou-me de facto que Deus, ou o que lhe queiram
chamar, não joga aos dados. Há no nosso cérebro alguma zona responsável pelos
nossos gostos artísticos.
…
Mudando de assunto, acabei de ler
uma antologia do poeta Ruy Cinatti, onde encontrei esta pérola, escrita em 1969:
“A Pequena Angústia”
«O que Portugal
poderia ser
se todos os portugueses
emigrassem…
- Pé de gazela
na lua.
Um desejo adusto fora d´uso.
Um lírio.
Seria livre.
Ilimitado,
como nuvem humilde
quando se dissolve.
O que Portugal
poderia ser
se todos os portugueses regressassem…
A pergunta tenta como osso
debaixo da carne.»
Face ao convite para a juventude
emigrar, por parte do nosso primeiro-ministro, e à escolha da nacionalidade,
por muitos, do país de acolhimento, sou tentado a pensar que, se todos
emigrassem, este país nada mais seria do que o deserto e a morte. Na perdição o pé é célere dado que a sua liberdade se restringe ao movimento. Como dizem os russos,
a “necessidade é mãe de todas as coisas”. Por outro lado, e apesar de tudo, sempre
permanece alguém por cá. Se todos hoje regressassem, imaginem o que seria.
Ângelo Alves (autor do livro de poesia
“Doidivino”, 2012)
2 comentários:
Caro Ângelo Alves
Não deve desanimar com a "emigração". Lembre-se que na "emigração" das descobertas, os nossos navegadores não se limitaram a descobrir terras porque muitos deles acabaram por se radicar para se transformarem em povoadores.
Como opinava o nosso Vieira:
"Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer toda a terra; para nascer Portugal; para morrer o Mundo." (Sermões, VII, p.69)
De facto Deus deu-nos pouca terra, e podemos quase dizer como os chilenos que Deus, depois de fazer o mundo esqueceu-se do Chile, e deu-lhes aquela nesga de terra a olhar o Pacifico, porque, também esquecido de nós, Deus acabou por dar fatia quase igual mas virada para o Atlântico, para convertermos o mar no veículo da língua portuguesa.
Pela visão de Vieira Portugal pode continuar a multiplicar-se, a repovoar-se, para si e para o mundo, porque a capacidade lusitana não tem fronteiras... continuará a redescobrir o mundo.
Cordialmente
Bom homem o Vieira e, exactamente Portugal, este amado país em sendo de lusitanos a capacidade, especial capacidade.
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