terça-feira, 6 de novembro de 2012

Os cem anos do 1.º Laboratório de Psicologia Experimental


Foi agora comemorada, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, a fundação, há cem anos, na mesma Universidade, do 1.º Laboratório de Psicologia Experimental em Portugal.

A Psicologia como ciência, procurando erguer um conhecimento «positivo, experimental e métrico» sobre os estados da vida mental, os conteúdos de alma, como ainda se dizia na terminologia que vinha da chamada psicologia introspetiva ou mentalista, estava em ascensão nos finais do século XIX, princípios do século XX.

Este processo de cientificação procurava constituir uma «ciência natural da consciência», na expressão de Alves dos Santos, o grande impulsionador do Laboratório, e tentava fazê-lo com técnicas de observação, registo e medição dos processos fisiológicos, ligados, de modo direto ou indireto, aos fenómenos e aos processos psicológicos.

Na linha do mecanicismo cartesiano, por um lado, procurava a explicação dos fenómenos fisiológicos numa perspetiva mecanicista, através da medição desses mesmos processos e suas alterações provocadas por estímulos que o experimentador controlava. Por outro lado, sob a influência do empirismo inglês de John Locke e Stuart Mill, e do positivismo francês de Augusto Comte, dava grande valor às observações e experimentações com apoio em aparelhagem rigorosa e já bastante sofisticada.

Daí a necessidade de criar laboratórios, para cientificar a Psicologia por esta via, tendência que se verificava um pouco por toda a parte desde a fundação do 1.º Laboratório de Psicologia, por Wundt, em 1879, em Leipzig. Era, de facto, a tentativa de encontrar para a Psicologia parâmetros de cientificidade, métodos de observação e experimentação, e registos rigorosos, que tão grande sucesso tinham obtido na Física, na Química e nas ciências experimentais em geral, e que marcavam então toda a metodologia científica digna desse nome.

A criação do 1.º Laboratório de Psicologia Experimental ocorreu em Portugal no âmbito da reforma do ensino universitário, posta em marcha pelo primeiro Governo Provisório da República, e em ordem à modernização e desenvolvimento do nosso ensino superior. Foi nesta linha de ação política que se inauguraram as Universidades de Lisboa e do Porto, e se extinguiu, na Universidade de Coimbra, a Faculdade de Teologia, criando-se, em sua substituição, a Faculdade de Letras, que, por sua vez, era herdeira do Curso Superior de Letras, fundado por D. Pedro V, em Lisboa, em 1859.

O laboratório de Psicologia experimental ficava anexo à Faculdade de Letras e, segundo o próprio diploma legal, tinha por objetivo ser um «auxiliar indispensável dos estudos filosóficos e dos estudos pedagógicos da Escola Normal Superior» também na dependência da Faculdade de Letras (Gomes, 1989).

É de elementar justiça referir o nome de Alves dos Santos, verdadeiro pioneiro dos estudos de psicofísica em Portugal, e a quem se deve em grande parte a criação do laboratório. Não menos justo é lembrar o apoio institucional e económico que a comunidade universitária de Coimbra deu ao projecto, subsidiando diversas visitas de Alves dos Santos, ao Laboratório de Psicologia Fisiológica de Paris e ao Laboratório de Psicologia da Universidade de Genebra, onde estagiou com Claparède, bem como a compra dos aparelhos de alta precisão que as experiências requeriam.

Aparelhos que ainda hoje podemos apreciar, no Instituto de Psicologia Cognitiva da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, como os cronoscópios de Arsonval e de Hipp, para medir os tempos de reação, o «aparelho de queda», que é um acessório dos anteriores, que produz estímulos sonoros, o cronógrafo de Jacquet, para a inscrição de uma linha de tempo em papel fumado, o esfigmógrafo de transmissão de Marey, para registo gráfico das pulsação arterial, o pneumógrafo, para o estudo da função respiratória, com capacidade para registar graficamente as oscilações do volume do tórax, o oscilómetro esfignométrico de Pachon, para medir a pulsão máxima e mínima do pulso arterial, o mioestesímetro, o estereoscópio de Brewster, etc, etc.

É de assinalar que as investigações de Alves dos Santos, como dizem Abreu e Oliveira (1999, 31) «evitaram dois erros ou desvios que a Psicofísica e, genericamente, a Psicologia experimental do século XIX, no seu conjunto, cometeram». Apesar de entusiasta por este processo cientificador, então ainda dominado pela Psicofisiologia, Alves dos Santos estava atento a algumas especificidades da investigação psicológica e da própria Psicologia, algumas condicionantes ou limites a um positivismo puro e duro, e que vieram a revelar-se importantes no processo de reequilíbrio que, muito mais tarde, ultrapassado o behaviorismo restrito que vigorou durante décadas, se tem vindo a conseguir.

De facto, apesar da crise já então a anunciar-se na psicofísica, com os primeiros trabalhos de Wertheimer, para a teoria gestaltista, e da prestes a surgir «revolução» comportamentalista da psicologia, com o manifesto behaviorista de John Watson (1913), Alves dos Santos conseguiu esse equilíbrio, que, a ter-se seguido por essa linha, talvez tivesse relativizado os excessos e as dificuldades epistemológicas levantadas pelo behaviorismo. Como dizem ainda Abreu e Oliveira (ibid., idem) «Alves dos Santos não separou nem isolou os fenómenos psicológicos analisados dos restantes processos psíquicos e, sobretudo, integrou-os ao interpretá-los, na personalidade global dos observandos». Neste sentido aproximou-se da posição de Binet (1903) e daquilo que se veio muito mais tarde a chamar-se de «behaviorismo subjetivo» (Abreu, 1978).

Serve esta efeméride também para nos lembrar que as questões psicológicas e pedagógicas devem ser, sempre que possível, baseadas em investigação, em observação, em estudo e em reflexão, como ele de resto fez há cem anos. Se analisarmos a sua bibliografia encontramos vários trabalhos, como, por exemplo, “A nossa escola primária (o que tem sido e o que deve ser”), (1910), “O ensino primário em Portugal nas suas relações com a história geral da nação”, (1913), “O crescimento da criança portuguesa. Subsídios para a constituição duma pedalogia nacional”(1917), “Um plano de reorganização do ensino” (1921), e outros.

É de referir ainda que este processo renovador, tal como a criação da Escola Normal Superior, estava, como já referi, em consonância com a legislação da 1.ª República, bastante moderna em matéria educativa, e que só as condições políticas adversas impediram maior concretização e continuidade, com as consequências conhecidas.

Bibliografia
- Abreu, M. (1978). Alfredo Binet, precursor do behaviorismo subjectivo. Revista portuguesa de pedagogia, XII, 1-52.
- Gomes, J. F. (1989). A Escola Normal Superior da Universidade de Coimbra (1911 – 1930). Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
- Abreu, M. V. & Oliveira, A. M. (1999). O Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Coimbra. Coimbra: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.

João Boavida

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Comemorar um século de existência em experimentos para Ciência da Educação em louvável potencial, representa evoluir pela acolhida em histórica competência à investigação.

Tam especial quanto fundamental!
Em gratidão ao vosso dedicado texto, professor João Boavida.

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