terça-feira, 13 de novembro de 2012

MAGMATISMO NA DIFERENCIAÇÃO DO PLANETA E NA PTROGÉNESE - 1

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho, a quem agradecemos a partilha de conhecimento.

Nos primórdios da sua formação a Terra pode ter sido uma “bola de fogo”

O estudo das rochas das terras altas lunares, essencialmente formadas por anortositos [1] (com cerca de 4,5 Ga) apontam para a existência de um «oceano» de magma de que resultou, por arrefecimento, aquela crosta primitiva, ainda ali conservada em grandes áreas de relevo mais saliente, e mais luminosas, em contraste com as planuras basálticas (com cerca de 3,2 Ga), mais escuras, habitualmente referidas por «mares».

A Terra, com uma massa muitíssimo superior, acumulou, certamente, maior quantidade de calor, sendo correcto admitir que, nos seus primórdios, após a acreção e a contracção gravítica, também tenha estado envolvida num «oceano» de magma em resultado da fusão da sua parte mais externa, «oceano» cuja profundidade, segundo algumas estimativas, teria oscilado entre 100 a 1000 km.

É consensual entre os geólogos que a primeira crosta terrestre (hoje desaparecida) nasceu deste invólucro ígneo Mesmo que se não considere a existência de um tal «oceano» de magma à escala global, a fusão de partes maiores ou menores do manto teria produzido porções de magma que consolidariam à superfície, edificando assim uma crosta primitiva não necessariamente extensiva à totalidade da Terra e não tão antiga quanto a do seu satélite [2].

Uma hipótese para explicar a inexistência dessa crosta primitiva no nosso planeta parte do princípio que ela se terá formado, mas que foi, posteriormente e talvez por diversas vezes, reciclada no manto, nesses recuados tempos de intensa actividade magmática. As fortes correntes de convecção próprias de um gradiente geotérmico bastante mais acentuado do que o actual e os grandes impactos meteoríticos, então ainda muito intensos, fragmentavam constantemente esta crosta, cujos blocos acabavam por mergulhar no manto, onde as respectivas rochas eram recicladas por fusão, para surgirem, mais tarde e diferentes, em novas ascensões magmáticas.

Um modelo em escala reduzida desta «paisagem» do início do Arcaico pode ver-se, por exemplo, num lago de lava de um qualquer vulcão. Aí, à superfície, agitada e tantas vezes «efervescente», a lava arrefece e solidifica numa crosta instável que logo se fragmenta e mergulha, permitindo a emersão de nova lava incandescente, que arrefece e consolida, para voltar a fragmentar-se e, de novo, mergulhar.

É, pois, lícito pensar que o mesmo aconteceu e acontece noutros sistemas planetários da nossa e de outras galáxias. Com a diferenciação magmática da crosta teve lugar a correspondente libertação de vapor de água e de dióxido de carbono, à semelhança do que acontece no vulcanismo actual. Formou-se então uma atmosfera primitiva rica destes dois componentes, que antecedeu a que hoje respiramos.

A atmosfera actual, na qual o oxigénio resulta da actividade biológica das plantas com clorofilina, é, pois, uma consequência, embora indirecta, do magmatismo Logo que o arrefecimento o permitiu, o vapor de água condensou, tendo gerado parte da água que formou a hidrosfera, também ela uma consequência do magmatismo. A outra parte, admite-se ter sido trazida por uma infinidade de cometas que, nos primórdios da formação do Sistema Solar, bombardearam os planetas interiores, entre os quais, a Terra.

Se a vida nasceu nos mares e se toda ela consumiu e consome dióxido de carbono, temos de concluir pelo carácter também essencial do magmatismo na origem e manutenção da vida Também os seres das profundidades oceânicas associadas a fontes hidrotermais e a chaminés negras dependem absolutamente da actividade magmática, neste caso, submarina.

Notas

[1] - anortosito – Rocha ígnea granular (plutonito), por vezes muito grosseira, essencialmente formada por plagioclases cálcicas como labradorite e bytownite, a que correspondem, respectivamente, o labradorito e o bytownitito. Rocha descrita nos Montes Laurentinos, no Quebeque, Canadá, em 1862.

[2] - Até 2008 os mais antigos vestígios da crosta terrestre estavam representados, em Acasta, no Noroeste do Canadá, por um gnaisse (rocha afim do granito, mas como que laminada), datado de há cerca de 4000 milhões de anos. Parece, pois, tratar-se de um testemunho de crosta continental, dado que, associados a esta ocorrência, há antigas rochas sedimentares também elas deformadas e transformadas (metamorfizadas), entre as quais quartzitos, xistos e calcoxistos. Mais antigos, são os grãos de zircão, com cerca de 4360 milhões de anos, incluídos, como detritos, nos quartzitos de Mont Narryer e Lack Hills, no Oeste da Austrália, o que permite admitir a existência de uma crosta continental com esta idade, formada por rochas de tipo granítico onde, a partir do respectivo magma, esses zircões terão nascido. Esta crosta desapareceu, tomada pela erosão, mas deixou, como testemunho da sua existência, parte dos detritos que libertou, ou seja, os referidos grãos de zircão (mineral particularmente resistente aos processos físicos e químicos da erosão), até hoje aprisionados nos ditos quartzitos que não são mais do que antigos sedimentos endurecidos e parcialmente transformados no decurso de um tempo tão dilatado.
Em 2008, os geólogos Richard Carson, da Carnegie Institution, de Washington, e Jonathan O’Neil, da Universidade Mc Gill, de Monte Real (Canadá), dataram, por via isotópica (neodímio – samário), uma amostra das chamadas “rochas verdes” (greenstones belt) aflorantes à superfície do terreno na região de Nuvvuagittuq, no litoral oriental da Baía de Hudson, a Norte do Quebeque, referenciada, há meia dúzia de anos, como uma área passível de oferecer à ciência rochas dos primórdios da evolução do nosso planeta. O resultado desta pesquisa foi a surpreendente atribuição, a estas rochas, da idade de 4280 milhões de anos. Estas são, pois, cerca de 280 milhões de anos mais velhas do que o dito gnaisse de Acasta, mas, ao que se julga, 80 milhões de anos mais jovens do que a presumível crosta testemunhada pelos zircões do Oeste australiano. A rocha de Nuvvuagittuq aponta para uma origem vulcânica e mostra ter sido posteriormente afectada por transformações induzidas pela colisão de duas placas tectónicas, adquirindo a configuração de um anfibolito.


Continua.

2 comentários:

José Batista disse...

Que beleza de texto.
Que útil para os meninos que frequentam a disciplina de biologia e geologia no 10º ano.
Se eles lessem... Se eles gostassem de ler...
Mas alguns aprenderam a ler bastante mal... E treinam (tão) pouco...
Eu sei que isto não se pode dizer. Não pode. Mas...
Assim mesmo, não se deve deitar "ouro" fora. O "ouro" é este material; de "ouro" se querem os meninos. "Ouro" para eles, mesmo a tempo. Prontinho a "ofertar".
Insistirei daqui a bocadinho, a partir das 13.30.
E amanhã.
E depois.

E alguma coisa fica. Fica sim senhor.

Meu querido Professor, obrigado sempre.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Em gentileza ao professor Galopim de Carvalho pela elaboração do texto.





Prumo



Sapiência o sois e voz sentido,
per quiséreis o pulcro advento
em que provido fora o momento
das armas o elemento querido.

D'onde saber, vos ei princípio
o príncipe qual doura história,
canta o canto, a seara memória
do eterno feito a nem, vício.

És lar e sintonia ancestral,
virtuoso ser, vibrante lira
o futuro quisera-o triunfal,

extraordinária e lusa glória
Oh' Poeta vos ardor é a pira
em lá, ais e saudade vitória!

FOI PUBLICADO O ÚLTIMO LIVRO DE EUGÉNIO LISBOA

Otília Pires Martins, teve a amabilidade de me enviar notícia da publicação, a título póstumo, do último livro de Eugénio Lisboa , Manual Pr...