quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O que é que a Internet está a fazer aos nossos cérebros?

O professor Samuel Branco, mestre de Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação e sempre atento a questões de educação, chamou-me a atenção para uma entrevista interessantíssima que saiu no jornal Público de hoje feita por Joana Gorjão Henrique a Nicholas Carr, autor de diversos trabalhos sobre a influência que o uso da internet tem no cérebro: Is Google making us stupid? (edição online da revista The Atlantic); Does it Matter? (2004); The Big Switch: Rewiring the World, from Edison to Google (2008); The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (2012).



Destaco, de seguida, os aspectos mais relevantes para o campo do ensino.

"(...) Perdemos a capacidade de afastar as distracções e de sermos pensadores atentos, de nos concentrarmos no nosso raciocínio (...) A forma como a Internet se desenvolveu tornou-a mais distractiva, exigindo às pessoas que retenham constantemente pequenas partes de informação e que monitorizem pequenas correntes de informação (...) passámos do modelo de ir a uma página web ver o que tinha para oferecer para o modelo de informação que está a correr constantemente e que aparece de vários sítios (...). Isso encorajou as pessoas a aceitar interrupções constantes, a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Perdemos a capacidade de afastar as distracções e de sermos pensadores atentos, de nos concentrarmos no nosso raciocínio, ou seja, a forma como a tecnologia evoluiu nos últimos anos tornou-se mais distractiva; encoraja uma forma de pensar que é a de passar os olhos pela informação e desencoraja um pensamento mais atento
(...)
A tecnologia é usada por mais velhos e mais novos e os efeitos tendem a ser os mesmos para a maioria. A diferença é que quanto mais cedo se está imerso na tecnologia – e é verdade que a tecnologia está a ser usada por pessoas cada vez mais novas –, maiores serão os efeitos na forma como aprendem a pensar. Uma das coisas que se sabem é que as grandes mudanças no nosso cérebro acontecem quando somos novos. Portanto, se as crianças estão imersas numa tecnologia que encoraja o multitasking e o pensamento distractivo, vão adaptar-se a isso e infelizmente não vão ter a oportunidade ou o incentivo para desenvolver modos de pensar mais contemplativos e reflexivos. Há o mito de que os “nativos digitais” não sofrem os efeitos das novas tecnologias, porque se adaptam desde cedo. Acontece que isso é completamente errado, são bastante influenciados pelos aspectos positivos e negativos da tecnologia, porque ela marca a forma como pensam desde o princípio.
(...)
As conexões do nosso cérebro formam-se durante esse período em que lançamos as fundações do nosso modo de raciocinar que perdura o resto das nossas vidas. Se a maior parte da nossa experiência se centra em olhar para um ecrã, em particular um ecrã de computador, que encoraja mudanças rápidas na nossa atenção, o multitasking e a atenção repartida, então esse passa o ser o modo como optimizamos o nosso cérebro para agir – treinamo-nos a nós próprios para pensar dessa forma. Por outro lado, se não dermos oportunidade para desenvolver outros modos de pensar mais atentos que requerem concentração – o tipo de pensamento que é encorajado, por exemplo, por um livro impresso, porque não há mais nada além das páginas –, isso vai influenciar a forma como pensamos e mais especificamente a estrutura do nosso cérebro. Essencialmente, estamos a fazer uma escolha ao disponibilizar a tecnologia para crianças cada vez mais novas, estamos a fazer com que elas pensem de uma forma que diria superficial, dando informação a toda a hora, dividindo a sua atenção. Não penso que isto seja a primeira vez que isto acontece com a tecnologia, mas a sociedade devia fazer julgamentos sobre a forma como usamos as nossas mentes baseados no que a tecnologia tem de bom e de mau.
(...)
Algumas pessoas podem dizer que o pensamento mais tranquilo, contemplativo, não é muito importante, que deveríamos tornar-nos mais superficiais e obter informação mais rapidamente. Há outras pessoas, como eu, que defendem que há certos aspectos da mente humana a que só temos acesso quando prestamos atenção. Há provas de que a atenção é crucial para a formação de memória, para o pensamento crítico e conceptual e, por isso, essas formas de pensar são extremamente importantes para aproveitar todo o potencial da mente humana. Falando da memória a longo prazo, uma das coisas que os aparelhos nos permitem fazer – o computador, o email, o telemóvel – é documentar e arquivar as nossas conversas, relações, muito mais do que antes.
(...) Há estudos que mostram que quanto mais se acredita que se vai encontrar algo através do Google, menos provável é que nos lembremos disso. Não há nada de errado nisso, sempre houve livros. O perigo aqui é que algumas pessoas pensem que, se tudo estiver disponível online, não temos de nos lembrar de nada, não temos de ter essa informação pessoal na nossa memória a longo prazo. A questão é que a memória pessoal é diferente daquilo que está online. Muita da riqueza do nosso pensamento vem da nossa capacidade de deslocar informação – factos, emoções – da nossa memória de curto prazo para a nossa memória a longo prazo. É através desse processo – daquilo a que os psicólogos chamam “consolidação da memória” – que ligamos aquilo que sabemos, aquilo que aprendemos, a nossa experiência com outros factos e experiências. E são essas conexões, essas conexões pessoais que fazemos entre toda a informação que está na nossa memória, que nos permitem pensar conceptualmente, ir além dos pequenos bocados de informação e factos que os computadores fornecem e formar um conhecimento pessoal único – o que na verdade desenvolve o eu pessoal (...). Mas se sacrificamos a nossa memória pessoal porque acreditamos que podemos encontrar tudo online, então perdemos a base do nosso pensamento mais profundo."

6 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Estamos, suponho, a falar de um "pensamento profundo" que não é o pensamento comum da maioria. E os livros a que o texto se refere também são livros de estudo ou literatura de referência.

Parece-me então que é a "elite" de pensadores e agentes culturais que se deve preocupar com o abuso da net, que os atrofia. Ao comum dos mortais a net não traz prejuízo: dá imenso conhecimento fácil e superficial a quem de qulquer maneira só recorreria (pouco) a outras fontes de conhecimento fáceis e superficiais.

José Batista disse...

Daqui a alguns, não muitos, anos, provavelmente, saberemos quais os efeitos da "rede" e do pouco uso da memória, sobre os nossos cérebros e sobre a maneira como pensamos e agimos.
Esta manhã uma aluna, algo nervosa, insistia para que lhe dissesse se era preciso máquina de calcular num "teste escrito" a que se ia dar início. Lembrei-lhe que já tinha dado a informação de que não havia cálculos no teste, que exigia apenas pequeníssimas noções aritméticas, lá dos tempos do primeiro ciclo. Sem querer desassosseguei-a, e desassosseguei-me também quando ela "esclareceu": - professor, eu até para a tabuada uso máquina!
E, perante o meu ar incrédulo, porventura mais notório do que eu sou capaz de supor, acrescentou: para que havia eu de saber a tabuada, se tenho a máquina?
Esta menina participa nas aulas, foi das que conseguiu melhor classificação no teste anterior, coloca dúvidas por e-mail e frequenta as aulas de apoio sempre que quer esclarecimentos presenciais...

Gosto de pensar que ajudo os meus alunos a preparar o (seu) futuro.
Mas nada sei sobre o que vai ser o futuro deles.

Anónimo disse...

Só para referir que um aluno, mesmo do superior quando vai fazer um trabalho, não vai a uma biblioteca, vai à Internet, o reino da confusão, da superficialidade e das pseudo verdades!

A Internet é importante, é um facto, no entanto 99% é lixo, só deveriam existir os serviços de email, páginas oficiais e institucionais e nada mais, uma Internet com as tecnologias de hoje mas a usabilidade dos anos 80. Quanto à web 2.0 tão pós modernista que ela é, os seus defensores que a metam no certo sítio!

Rui leprechaun disse...

Este último comentário é TÃO absurdo que nem vale a pena comentá-lo. Basta simplesmente relembrar que a Internet é o maior espaço de discussão livre que existe, e o tipo de informação (quase) inteiramente nova e fabulosa que por aqui se pode encontrar está exemplificado neste site excecional... isto para quem compreender a tremenda potencialidade do que lá se diz e faz!

Open Source Ecology

Quanto ao tema em si, parece-me haver uma certa confusão entre aquilo que realmente é a memória pessoal - a qual se refere à nossa vida (acontecimentos, vivências, experiências) - e a memória como repositório de conhecimentos adquiridos intelectualmente, que só se pode chamar "pessoal" porque, obviamente, cada pessoa tem a sua! Mas, na realidade, essas memórias (vivencial e mental, chamemos-lhe assim) têm características muito próprias, principalmente porque na primeira existe uma forte conexão com o mundo das emoções e sentimentos, que está mais esbatida na segunda. Talvez em relação a esta, a Internet possa fazer alguma diferença - e não será cedo ainda para o afirmar? - mas não vejo que influência ela pode ter sobre a memória autenticamente pessoal, que é a MAIS importante e fundamental para a adaptação do indivíduo ao seu meio social.

Quanto ao pensamento contemplativo e reflexivo ele já exige uma certa aprendizagem e a sua importância abrange tanto a memória autenticamente pessoal como a intelectual. É claro que desenvolver a concentração e a atenção - logo, a memória - era muito mais importante nas sociedades antigas, quando a preservação de textos escritos era escassa. Hoje, a criatividade tem um papel mais decisivo e que dispensa uma memória tão exaustiva. As máquinas e a internet fazem isso muito bem, logo aquilo que sobretudo vale a pena treinar é a capacidade de raciocínio autónomo e espírito crítico, para saber distinguir o essencial do acessório e ter capacidade de refletir sobre a informação acedida. Ora, para isso, não é preciso sobrecarregar inutilmente a memória intelectual, provavelmente a pessoal (soma das experiências ao longo da nossa vida) já chega e sobra!

Em suma: a memória ainda não passou à história... mas já estão para trás os seus tempos de glória!

Anónimo disse...

leprechaun foi pela Internet que se fez oposição democrática ao Salazar e propaganda contra o Hitler bem como denuncia de genocídios em África nos anos 60..

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Vos sois desassossego.


Bom, fim de semana.

UM CRIME OITOCENTISTA

Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestão ...