segunda-feira, 19 de novembro de 2012

PIPOCAS COM TELEMÓVEL, ENTREVISTA NO DIÁRIO DIGITAL

Entrevista aos autores Carlos Fiolhais e David Marçal, publicada no Diário Digital, acerca do livro Pipocas Com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência, editado pela Gradiva.


Carlos Fiolhais: «Não há nenhum fundamento científico que abone a eficácia da homeopatia»

Em «Pipocas com telemóvel e outras histórias de falsa ciência», editado pela Gradiva, David Marçal, doutorado em Bioquímica pela Universidade Nova de Lisboa, e Carlos Fiolhais, doutorado em Físia Teórica pela Universidade de Frankfurt, procuram desvendar algumas das pseudociências que assolam o nosso dia-a-dia, certezas que podem inclusive causar problemas de saúde.

«Iogurtegate», «Pulseiras quânticas», «A racionalidade diluída da homeopatia», «Não há duas sem ómega-3», «A bazófia dos basófilos» são apenas alguns dos sub-capítulos de «Pipocas com telemóvel e outras histórias de falsa ciência», uma obra que tem todas as possibilidades de deixar o leitor incrédulo, já que certamente vai «abalar» com as suas convicções.

Uma obra portanto obrigatória e que deve ser lida com urgência, ainda mais quando procura desvendar as pseudociências que estão um pouco por todo o lado nas nossas vidas diárias.

Como explicam haver tanta falsa ciência a circular no nosso dia a dia?
David Marçal - A ciência tem credibilidade e, por isso, ajuda a vender. Muita gente usurpa a validade científica para vender a sua banha da cobra ou, pelo menos, para exagerar os benefícios dos seus produtos.
Enquanto uns ganham, os outros perdem: a falsa ciência pode fazer muito mal à carteira.

Porque as pessoas estão dispostas a aceitar isso como uma verdade?
Carlos Fiolhais - Por falta de cultura científica, isto é, por estarem pouco familiarizadas com a natureza e o método da ciência. A ciência baseia-se na observação e na experiência e não em auto-intituladas autoridades. Face a uma afirmação alegadamente científica devemos perguntar que provas existem em seu abono. A falsa ciência, em vez disso, apresenta cientistas da NASA que a NASA não sabe quem são ou meninas de bata branca e sorriso amplo em anúncios de televisão. Este tipo de marketing, que tanto vende curas quânticas como iogurtes que eliminam o colesterol, é muito eficaz: faz muitas vítimas.

Acreditam que a pseudociência é o principal mal da ciência?
David Marçal - A pseudociência é um mal da sociedade, não da ciência. Vendedores da banha da cobra sempre existiram e hoje em dia os vendedores de banha de cobra científica  evocam a ciência apenas para fazer passar melhor a sua mensagem. Curiosamente, nas sociedades modernas, que são modernas devido à ciência, a pseudociência continua a ter um lugar de relevo.

Mas essa pseudociência não acaba por atrair mais pessoas para a área?
Carlos Fiolhais - Não, de modo algum. A pseudociência não tem nada a ver com o processo de construção do conhecimento científico. Baseia-se até na negação desse processo. A pseudociência apenas atrai mais pessoas para a pseudociência. A cultura científica, o melhor conhecimento da ciência, é que atrai mais gente para a ciência.


Se a pseudociência chega ao dia a dia como uma verdade, não há uma falha da própria Ciência na sua comunicação?
David Marçal -  Sem dúvida. Em primeiro lugar há falhas no ensino das ciências, no qual falta demasiadas vezes a componente experimental. Por outro lado, há também falhas no transporte dos resultados e da atitude da  investigação científica aos cidadãos. Os cientistas devem intervir mais na sociedade e partilhar os seus conhecimentos e os seus valores. Nesse último aspecto, temos tido um grande progresso em Portugal nas últimas décadas graças, por exemplo, à editora Gradiva, à Agência Ciência Viva e a várias associações e instituições de investigação científica. Trata-se de uma aposta que tem que ser mantida e reforçada. Mas, faça-se o que se fizer, haverá sempre vendedores da banha da cobra. Poderão é ser menos ouvidos.

Como tiveram a ideia de explicarem a ciência através da falsa ciência?
Carlos Fiolhais - A falsa ciência assenta em equívocos acerca da natureza ciência e do processo científico. Esclarecer esses equívocos é uma das maneiras de mostrar o que é a ciência. O nosso livro anterior teve muito êxito (já vai na 3.ª edição) e nele já tratávamos a falsa ciência.

Na vossa opinião, qual a pseudociência mais popular?
David Marçal - A concorrência é grande! Talvez os produtos de grande consumo, tais como iogurtes com probióticos, que alegadamente têm benefícios para a saúde, ganhem nessa «competição». Tais benefícios não estão demonstrados e, por causa disso, as empresas produtoras têm sido multadas por publicidade enganosa e até proibidas de emitir certos anúncios em vários países. Por exemplo: há cerca de um mês, no Canadá, a Danone foi obrigada a indemnizar os seus consumidores ao abrigo de um processo judicial, por induzir erradamente a ideia de que os iogurtes reforçam o sistema imunitário. Cada consumidor vai receber entre 15$ e 50$. Não é muito, mas é simbólico, e, em Portugal, neste tempos de crise, seria certamente uma ajuda.

E qual a que provoca mais espanto?
Carlos Fiolhais - As falsas ciências que têm os defensores mais acérrimos são talvez as medicinas alternativas. E elas provocam-nos grande espanto. Entre elas, a homeopatia conseguiu adquirir um estatuto especial e muitas pessoas ficam surpresas quando lhes dizemos que não tem  qualquer fundamento científico. Pensam que há um fundamento qualquer porque é vendida em farmácias e há sistemas de saúde de alguns países que a comparticipam. Por isso nunca é demais dizer: não há nenhum fundamento científico que abone a eficácia da homeopatia. Nos ensaios clínicos que foram realizados (e são muitos) não funciona melhor do que um placebo. O que não admira porque os remédios homeopáticos são preparados através de um conjunto de diluições sucessivas e, no final, não sobra nada da substância original. É só água e açúcar. Na apresentação do livro eu e o David tomámos uma sobredose de medicamentos homeopáticos e estamos vivos.

Portanto, em termos sociais, a pseudociência na saúde, por exemplo um iogurte que afirma reduzir o colesterol, é o principal problema de uma sociedade?
David Marçal - Os iogurtes não são problemas desde que as pessoas que precisam de medicamentos para o colesterol não os troquem por iogurtes. Do ponto de vista social, o principal problema está nos falsos tratamentos médicos que levam as pessoas com doenças graves a abandonarem tratamentos com provas dadas substituindo-os por outros que nada fazem ou até agravam a situação. Por exemplo, na África do Sul, no início do século XXI, foram vendidos suplementos vitamínicos para tratar a SIDA, levando muitas pessoas a usa-los em vez dos medicamentos anti-retrovirais. Isto foi criminoso e resultou na morte prematura de milhares de pessoas. Outro caso é o dos adeptos dos movimentos anti-vacinas, que não só se colocam em risco a si próprios como a toda a comunidade...

Apesar de ser um tema sério, a pseudociência, escolheram o tom do humor na hora da escrita. Porquê?
Carlos Fiolhais - Se a ciência pode ser divertida, a pseudociência, com todo o carrossel mirabolante de ideias que a procura justificar, pode ser muito mais divertida. Nalgumas situações rir poderá ser o melhor remédio. Mas há vários tons no livro, não apenas o humorístico. Este é um livro sério sobre um assunto sério. Se o leitor duvida, experimente ler.


3 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Plenamente de acordo à ciência.

O livro têm por êxito o sábio conselho.

Anónimo disse...

Em relação à Homeopatia, sempre gostava que me explicassem então o que foi verificado neste estudo: http://www.homeoint.org/portugues/batello/portugues.htm

A vossa explicação não me satisfaz de forma alguma e o humor pode ser assumido como de mau tom se tivermos em conta uma feira das vaidades.

O mito de que é legítimo à ciência instalar uma espécie de ditadura monocórdica sobre a Verdade é bastante perigoso. É extremamente contestável e a coisa até já desce ao nível do cidadão comum, há algo muito errado na nossa sociedade e certamente cada vez mais cientistas contestam as verdades estabelecidas. Todos sabemos quem controla a tecnologia e o conhecimento, as grandes corporações (o capital) e os exércitos, seguramente que as universidades são meras fachadas para pregar do altar uma verdade passada e ridicularizar o presente.

Aconselho a audição de:
Dr. Rupert Sheldrake Interview -- Science Set Free
http://www.youtube.com/watch?v=H_CPPYJxBpE

Mel Acheson -- A New World View
http://www.youtube.com/watch?v=DAW-9D8B984


Tiago Aymore disse...

Anónimo - Concordo com o que dizes sobre as grandes corporações (Detentores do dinheiro - Bancos) controlarem a tecnologia e conhecimento. Contudo, dizer-se que a homeopatia é eficaz só porque alguns estudos afirmam a sua validade... não me parece! Quando me mostrarem dezenas de estudos a demonstrarem de forma categórica que a homeopatia é fiável, ai sim acredito.
Não se esqueçam: o sentido crítico deve sempre estar ligado