Rapazes nos catorze, quinze anos, aos encontrões uns aos outros, o passeio não lhe chega, vozes desafinadas a tentar cantar Le Déserteur. Estranhei, indaguei e soube que foi o professor ou professora (não percebi bem) de francês, que saltou do manual e ofereceu-lhe Boris Vian. Que adolescente não se sente fascinado com a subversão misturada com a ternura de Vian?
Aos professores que dão a ler... Boris Vian e outros escritores (escritores mesmo) dedico esta pequena nota, deixando o poema que entusiasmou aquelas almas, antes que, como Maria do Carmo Viera diz, se tornem de "almas de pedra".
Monsieur le Président
je vous fais une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez le temps
Je viens de recevoir
Mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir
Monsieur le Président
je ne veux pas la faire
je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C’est pas pour vous fâcher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
je m’en vais déserter
Depuis que je suis né
J’ai vu mourir mon père
J’ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
Qu’elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers
Quand j’étais prisonnier
On m’a volé ma femme
On m’a volé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J’irai sur les chemins
Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens
Refusez d’obéir
Refusez de la faire
N’allez pas à la guerre
Refusez de partir
S’il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
Vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n’aurai pas d’armes
Et qu’ils pourront tirer.
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7 comentários:
Esta professora mereceria que os alunos lhe cantassem, quando terminassem o seu ciclo: "Adieu, Monsieur le Professeur / On ne vous oubliera jamais / Et tout au fond de notre coeur /Ces mots sont écrits à la craie // Nous vous offrons ces quelques fleurs / Pour dire combien on vous aimait / Adieu, Monsieur le Professeur / On ne vous oubliera jamais! (...) (Ver e ouvir na Net)
Foi uma sorte (sorte, porque não fazia parte de qualquer currículo oficial) poder ter lido, quando tinha os meus dezassete anos:
(...)
– Bolas!... O capitão sabe imenso! – murmurou Didi.
– Foi para isso que aprendi – disse o capitão.
(Boris Vian, O Outono em Pequim).
Foi realmente uma sorte, embora não tenha sido um simples acaso. Aconteceu graças à “escola paralela” que em certos meios urbanos e suburbanos se desenvolveu entre nós nos finais dos anos 60.
É sempre um regalo para a alma ver referenciada uma Professora, e querida Amiga, da estatura cultural de Maria do Carmo Vieira, infelizmente, tão arredada da atenção de quem devia ouvir o muito que tem para dar no domínio da sua amada Literatura e do seu ensino, e o não faz: "a bonne entendeur salut", será?
Sempre achei um pouco tolo (e falso) que o papel do subversor possa caber a um qualquer professor. Esta pretensão sempre me pareceu absurda (e tola e falsa) e vai continuar a parecer.
Professor,
só lhe posso pedir uma coisa, por favor tenha juízo e respeito pela criança, ensine-lhe o que tiver de ensinar, mas deixe-a ser criança, e crescer, e que um dia se torne num adulto (como você)
muito agradecido
“«Como me sinto inquieta», pensou Clementina, debruçada à janela. (…)
Não sei onde eles estão, o Noël, o Joël ou o Citroën. Podem, entretanto, ter caído ao poço, ou comido alguns frutos envenenados, ou apanhado com alguma seta num olho, se algum outro miúdo anda a brincar no meio da estrada com um arco, ou podem ter sido contaminados pela tuberculose, se algum bacilo de Koch se meteu de permeio, ou terem perdido os sentidos, se cheiraram alguma flor de perfume muito intenso, ou terem sido picados por um escorpião trazido pelo avô de algum garoto da aldeia, algum célebre explorador que tenha chegado há pouco tempo da terra dos escorpiões, ou terem caído de uma árvore abaixo, ou corrido, depressa demais e partido uma perna, ou brincado com a água e afogado ou descido a falésia e estampado e quebrado a espinha, ou arranhado nalgum arame ferrugento e apanhado o tétano; (…)
(…)
“Viu então, ao virar-se, as três gaiolas. Erguiam-se ao fundo da sala, vazia de mobília. Eram precisamente da altura de um homem não muito alto. As grossas grades quadradas dissimulavam em parte o interior, mas havia qualquer coisa a mexer lá dentro. Tinham todas a sua caminha fofa, a sua cadeirinha e uma mesa baixa. Eram iluminadas por uma lâmpada eléctrica colocada do lado de fora. (…) Olhou com mais atenção, mas pouco à vontade, porque sentia que a senhora o estava a observar. (…) E quando o seu olhar se cruzou com o deles, ficou a saber que havia outros meninos ali metidos nas gaiolas. Um deles pediu qualquer coisa e então a senhora abriu a porta e foi até ao pé dele, dizendo umas palavras que André não compreendia, mas que eram de tal modo meigas.
(…)
Desceu os degraus de pedra. Ia-lhe pela cabeça um turbilhão de ideias. E ao chegar ao grande portão doirado, virou-se para trás pela última vez. Devia ser maravilhoso estarem assim todos juntinhos, com uma pessoa para os acarinhar, assim dentro daquela gaiolinha tão quente, tão cheia de amor.” (…)
Boris Vian, O Arranca-Corações
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