sexta-feira, 16 de novembro de 2012

PIPOCAS COM TELEMÓVEL NA SÁBADO

Foi ontem publicado da Revista Sábado um artigo sobre o livro Pipocas com Telemóvel e Outras História de Falsa Ciência, da autoria de David Marçal e Carlos Fiolhais.


(clique para ampliar)


Por limitações de espaço da revista, penso que será útil fazer aqui alguns esclarecimento adicionais acerca da preservação de células do sangue do cordão umbilical em bancos privados, para uso próprio. 

Em primeiro lugar há uma confusão muito grande acerca dos vários tipos de células estaminais.  O processo de diferenciação celular, ou seja, o modo como as células se especializam, tem algumas semelhanças com o percurso escolar. As células totipotentes, ou seja, as que se podem diferenciar em todas as células e dar origem a um organismo completo, apenas existem numa fase muito inicial do desenvolvimento do embrião (o óvulo fecundado). Depois, há as células pluripotentes, que se podem diferenciar em várias linhas celulares, ou seja, em quase todos os tipos de células do organismo, mas que já não podem dar origem a um organismo completo. Na senda de potencial decrescente seguem-se as células multipotentes, que apenas se podem diferenciar em todas as células de uma determinada família. É este o caso das células hematopoéticas, que se obtêm a partir do sangue do cordão umbilical e que podem dar origem a todos os tipos de células do sangue. Há ainda as células unipotentes, que podem dar origem apenas a células especializadas iguais a elas próprias. Para que não restem dúvidas, o potencial de
diferenciação decrescente é o seguinte:

Totipotentes → Pluripotentes → Multipotentes* → Unipotentes

O asterisco assinala onde se encaixam as células do sangue do cordão umbilical. São células estaminais adultas, produzidas pela medula óssea e que podem também ser colhidas ao longo da vida. As células estaminais de que, por vezes se fala quando se aborda a medicina regenerativa são células embrionárias, pluripotentes. Mas estas podem colher-se apenas até cerca de quatro ou cinco dias após a fecundação. As células estaminais do cordão umbilical são essencialmente hematopoéticas. Isto significa que podem dar origem a todos os tipos de células do sangue. Já foram detectadas nalgumas amostras de sangue do cordão umbilical células estaminais pluripotentes, em quantidades muito pequenas. No entanto, está por demonstrar que possam ser usadas.

Como é mencionado na Sábado, a utilidade das células do sangue do cordão é muito reduzida, já que muitas das potenciais aplicações ainda não existem. São um exercício de pura futurologia médica, mais próximo da ficção científica do que da ciência. Acresce a isto que muitas condições clínicas que poderiam ser ser tratadas com células do sangue do cordão umbilical já existem no sangue da criança. E, fazendo futurologia médica, não há razão para pensar que a medicina regenerativa do futuro seja baseada em auto-transplantes de células do sangue do cordão umbilical. Pode, por exemplo, ser baseada em reprogramação de células diferenciadas, que são induzidas a voltarem a ser células estaminais. Esta técnica de reprogramação celular esteve na origem da atribuição do Prémio Nobel da Medicina deste ano.

5 comentários:

José Batista disse...

De "células hematopoiéticas" se passou para "células hematopoéticas". Enfim, já é vulgar e até pode ser julgado mais... "poético". A língua muda ou... mudam-na.
Do mal o menos.

Outra questão: será que é melhor deixar de chamar às células dos estames das flores células... "estaminais"?

E depois, com o novo acordo (de quem com quem?...) ortográfico, a liberdade de escrita aumentou. E bastante.
Por isso: contentemo-nos.

Aluno do Secundário disse...

Consegui perceber num minuto o que não percebi em meia dúzia de aulas de biologia. Parabéns pela facilidade com que David Marçal (e certamente o professor carlos fiolhais) consegue transmitir a ciência!

Anónimo disse...

Parabéns pelo artigo e pela forma como numa linguagem simples desmestificou o enigma das células estaminais. Se(co)m poesia, mas com objectividade.

Alexandra Machado disse...

Como médica com experiência na colheita e transplantação de progenitores hematopoiéticos, incluindo os provenientes de sangue de cordão umbilical, não posso deixar de comentar, repondo a verdade que a história da medicina, os diversos artigos publicados na literatura médica e científica (PubMed: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) e os ensaios clínicos em execução (www.clinicaltrial.gov) confirmam.

Desde 1988, quando foi realizado em França o 1º transplante com células estaminais do cordão umbilical, que esta fonte tem sido utilizada quer para uso pessoal (transplante autólogo), quer para transplantar familiares ou indivíduos não-relacionados (transplante alogénico).
As principais vantagens da utilização desta fonte alternativa de células estaminais são a facilidade de colheita, a ausência de risco para as mães e dadores, o reduzido potencial de transmissão de infecções e a disponibilidade imediata para transplantação. Explicam também o racional para a criopreservação de sangue de cordão umbilical autólogo e a criação dos respectivos bancos.
Desde 1988, foram já realizados mais de 25000 transplantes com células estaminais do sangue do cordão umbilical, tendo 70% destes sido efectuados nos últimos cinco anos.
Existe ainda um longo e estimulante caminho a percorrer, explorando o potencial destas células no tratamento da diabetes, doença arterial, queimaduras, doenças neurológicas e enfarte do miocárdio. O balanço mantém-se esmagadoramente positivo e com o progresso da ciência será possível alcançar o total potencial das células estaminais do sangue de cordão umbilical e trazer mais esperança a doentes e famílias atingidos por doenças com percursos que agora sabemos inexoráveis.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

É importante, sem dúvida.

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