Este texto de Eugénio Lisboa fez-me regressar aos meus tempos de aluno
liceal em que o Francês tinha lugar destacado. Com ironia cáustica, o seu autor
diz-nos ter-se tornado, em nossos dias,
o inglês “a nossa língua para todo o serviço”. Assim é! Haja em vista a
actual novela portuguesa da SIC, Dancing-days:
“Bons tempos em que era possível
a Pátria de Fernando Pessoa ou a de qualquer outro cidadão de Portugal ser a
língua portuguesa! E note-se que o Fernando, assim agarrado a essa bóia de
salvação identitária, até dominava perfeitamente a língua inglesa, em clave
arcaizante. Mas não, agarrou-se, tenazmente, ao idioma de Vieira, a quem
chamava, com orgulho e carinho, imperador da língua! E fez, da língua portuguesa,
a sua nave de argonauta.
Hoje, vivemos em tempos bem
diferentes. Na época em que vivia e operava o poeta da Mensagem, o inglês era, em Portugal, uma língua falada por poucos,
entre os quais, em grande evidência, ele mesmo. Mais tarde, o Jorge de Sena
ainda atirava à cara dos portugueses o inglês que ele traduzia (ficcionistas,
poetas e historiadores da literatura), enxovalhando-os com a sua (deles)
ignorância desse idioma imperial. O inglês era apenas para os “happy few”, que
se gabavam de o possuir, como relíquia fora do alcance dos outros, num país de
pacóvios, que viviam à custa de um francês mal amanhado, mas que ia permitindo
uma certa “actualização” muito reduzida – era, enfim, o que se podia arranjar.
O francês, seja como for, dominava e qualquer gato-pingado se julgava capaz de
ser tradutor (com os resultados que frequentemente se viam).
Hoje, as coisas mudaram: o
francês, literalmente, desapareceu do horizonte cultural e também dos outros
horizontes lusíadas, e o português está em vias de extinção. O português “não
rende”, não permite “fazer figura”. Falar português é, para os snobs de hoje, o
que era, para os de ontem, andar de botas cardadas: é rústico, é ridículo, não
se usa. Só para labregos. O inglês é que se tornou a nossa língua para todo o
serviço. Já não há firmas de limpeza, há, sim, “cleaningcompanies”. Ontem, por
exemplo, fui ao centro comercial de Oeiras, situado, não no “Parque de Oeiras”,
mas sim no “Oeiras Parque” (bem à inglesa). Logo no topo de tapete rolante de
acesso ao centro, topei com uma agência de viagens com o nome esplendidamente
britânico de Best Travel. Mas, antes
disso, ainda antes de me meter no tapete, dera já com um empregado que
empurrava os carrinhos para compras vazios, ostentando uma solar camisa amarela
com a seguinte inscrição nas costas: “Outsourcing paquete”.
Num percurso de não mais de
cinquenta metros, a caminho do cinema (quase totalmente tomado de assalto por
filmes falados em inglês), deparei com várias jóias, que dão testemunho de que
“a minha pátria é a língua inglesa”: “Zara Home”, “Love Sex”, “Shop On Line”, “Hot
Hot Promotions”, “Rituals – Home and Body Cosmetics”, “Silver Field”, Stone by
Stone”, “Português Café” (em vez de, tal como em português caseiro e saudável,
“Café Português”), “Sacoor Brothers – Woman and Kids” (ainda por cima, com um
erro: “woman” em vez de “women” – não tem grande importância, o Hemingway
também não sabia que o plural de “woman” era “women”...), “Spring in the City”,
“Colors of the Spring Are in the Air”, etc. etc. Como disse, tudo isto, num
percurso de 50 metros. Se desse a volta ao centro todo, esgotaria, por certo, o
glossário da língua de Shakespeare!
Já de regresso a casa, embora não
pudesse desviar muito os olhos para os lados, por causa da condução do carro,
ainda fui dando com uns testemunhos da mudança da língua, em Portugal: “We Can
Dance”, “Tenda Bar” e por aí fora...
Há dias, num noticiário qualquer
da televisão (uma televisão qualquer, tanto faz), tomei conhecimento de um
jovem cantor português (portuguesinho da Costa, que se lhe via no porte, na tez
e no falar), que se chamava, curiosamente, Richie Campbell! Estranho, não é?
Mas não tem grande importância: os nossos “pivots” da televisão e os nossos
políticos e “comentadores”, todos descendentes, na língua e não só, dos
romanos, têm muita vergonha de dizer “os media” (do latim) e preferem dizer,
com uma grande iluminação nos olhos, “os mídia”, à inglesa (os ingleses, é bem
sabido, inglesam tudo, porque, além do mais, não são latinos e não sabem latim:
perdoa-se-lhe a calinada. Agora, nós... Qualquer dia, leremos Beauchamp,
dizendo, não Bôcham, como deve ser, mas sim Bítcham, como dizem os ingleses,
totalmente daltónicos para línguas!)
Quando me encontrava em Londres,
como Conselheiro Cultural da nossa Embaixada, acontecia-me frequentemente
receber cartas de bolseiros ou outros portugueses acabados de chegar à loura
Albion...escritas em inglês (razoavelmente mau). Eu, em geral, acusava a
recepção dessas cartas, indicando, sibilinamente, que o virem em inglês para a Embaixada
de Portugal, oriundas de portugueses, teria ocorrido “por lapso”. Um dos
correspondentes, embaraçado, explicou-se: é que, estando a viver em Inglaterra
(há poucas semanas), o português “já lhe não vinha com facilidade”... É desta
massa que se fazem os melhores pacóvios.
A verdade é que este nosso
provincianismo – irremediável? – está a provocar este facto curioso: se a
língua nacional de Portugal é ainda o português, a língua “de facto” está cada
vez mais a ser o inglês. Falar inglês, ter grande dificuldade em encontrar o
termo português – é “chic”. “Management” é melhor do que “gestão”. CEO é sempre
preferível a “Administrador Executivo” ou, simplesmente, “Director”. E por aí
fora.
Há, no entanto, palavras que
permitem algum resgate do luso orgulho: palavras apenas insinuadas (com as
letras substituídas por pontinhos...), como, por exemplo, “F...”, que dão
igualmente para as duas línguas. Fuck!, ao menos nestas, safamo-nos de sermos
humilhados!”
Eugénio Lisboa
8 comentários:
Texto brilhante.
Sou professora de inglês, mas sempre amei a nossa língua e gosto de praticar, escrevendo no meu blogue. Sei que é fácil entrar-se numa de inglesar tudo o que nos vem à cabeça! O português é riquíssimo e praticamente todas a palavras têm tradução. Abro uma excepção para os termos informáticos. Aí prefiro usar downloadar a descarregar ou emailar a enviar por correio electrónico!!
E as coisas vão de tal maneira que, às vezes,quando, em certas aulas, por exemplo de ciências naturais, é preciso recorrer a termos em inglês, se vêem alguns meninos a sorrir porque, no entendimento deles, os professores normalmente pronunciam (muito mal) aquelas palavras. Eles que, quando falam ou escrevem na língua "mátria" deviam corar de vergonha, se alguém alguma vez lhes tivesse dito que tal comportamento humano já existiu...
Pessoalmente lembro-me de ter dito a uns desses meninos, já lá vai muito tempo, que Eça de Queirós escreveu algures o seguinte:
"Devemos falar orgulhosamente mal todas as línguas, com excepção da nossa".
E os meninos compreenderam.
Assim o compreendessem muitos dos nossos "apinocados" (e ridículos) políticos. Principalmente aqueles que nem português sabem. Nem português nem coisa nenhuma. Pelo menos que se note.
Cara Virgínia
Sobre a opção por downloadar, um brasileiro mandou-me cópia de um artigo usando o "scanner", e como os brasileiros são uns artistas em adaptações britânicas para brasileiro, dizia-me na mensagem:
- Cara, aí tem o artigo "escaneado".
Podia ter dito "escanerado" para estar mais próximo do original, mas o ouvido não deve ter gostado, daí o corte do "r".
Cordialmente
Já tinha lido no JL, mas voltei a ler com todo o prazer pela ironia e pela verdade que carrega. Muito bom. Também sou professora de inglês - ou fui, sei lá! - e recuso-me a usar o palavreado inglês para me "armar aos cucos"... Quanto aos "midia" ... é de fartar de rir. Já para não falar do triste "reigbi"...
Atenciosamente
«É desta massa que se fazem os melhores pacóvios». Está tudo dito, e muito bem. O texto é pertinente e o caso não é para menos. A colonização americana é quase asfixiante. Vejam-se os filmes que por aí andam, tudo americano, (quando, por exemplo, os franceses fazem excelentes filmes) e as músicas que as rádios nos dão e, claro, a multidão de títulos e expressões em inglês que andam por aí em todo o lado. É uma aculturação a que já nem ligamos, mas que devia merecer o nosso repúdio, porque é objetivamente uma desvalorização do português, e, portanto da nossa cultura, além de ser ridícula e pacóvia. Mas há pior. Acontece que até algumas universidades já titulam certos cursos em inglês, e certas escolas superiores já se denominam em inglês. E pior ainda, os avaliadores dos currículos dos investigadores e dos professores do ensino superior já não querem saber dos artigos que eles escrevem em português ou em francês, ou em alemão, por muito bons que sejam, mas só dos que são publicados em inglês, em revistas americanas de referência, mesmo que sejam fraquinhos, como também acontece. Ainda se compreende que, em virtude da concorrência internacional, e para ter alunos estrangeiros, alguns cursos de pós graduação estejam entrar por esta via. Mas para outros casos será puro parolismo. E quanto à produção científica, não se admite que não haja maneiras de avaliar e considerar também, com o peso que merecem, os artigos escritos noutras línguas. Se não formos obrigados a expressar os conceitos científicos ou filosóficos em português estamos a liquidar, a prazo, as possibilidades de uma língua, que é rica, antiga, com um grande património linguístico e literário e em extraordinária expansão. O parolismo devia pagar imposto.
João,
O inglês é considerado língua franca - como o Latim o foi em tempos - na falência do Esperanto, que não vingou e cairá no esquecimento. É importante que haja uma língua que todos conheçam bem, para lá da preservação de todas as línguas menos faladas. O minderico será importante, mas não serve para se comunicar globalmente.
O Inglês já não é pertença do país A, B ou C. É universal. Por isso se torna tão importante para os jovens aprenderem-no e sobretudo usarem-no nos seus trabalhos académicos. As traduções nunca são iguais ao original se for escrito em inglês. A Torre de Babel foi uma catástrofe, embora merecida.
Quanto à divulgação comercial de música e de filmes, sabemos que a receita é o que interessa. Hoje em dia fazem-se excelentes filmes em todo o mundo e através de cineclubes, da própria TV por cabo ou comprando DVDS, conseguem-se ver filmes do Irão, de Israel ou da China.
Cumprimentos
Muito bom,
Lembro que houve, ha uns anos, debates apaixonados neste mesmo blogue, sobre a aceitação acritica da utilização do Inglês como lingua académica nas universidades portuguesas...
O problema, como é obvio, não esta no Inglês. Ha uns anos atras outro tanto se poderia dizer acerca do Francês. Ha uns séculos atras, acerca do Latim, e assim sucessivamente.
O problema esta no provincianismo. E no que o provincianismo pressupõe, em termos de incompreensão total do que sejam a ciência e a cultura...
Boas
Discussão interessante e esclarecedora do senhor Eugénio Lisboa.
E de modéstia, limito-me infinitamente em dizer que: a Língua Portuguesa é excelência a outras, línguas! A quê de vos bem, sabem-na.
E, sem ofensa ou constrangimento de pormenores e mui respeitosamente refiro-me, quanto ao idioma inglês, abusivo de escada.
Da Língua Francesa a particularidade em autônoma. Apenas da função de fonética e do sentimento; queria a língua francesa, abraçar um efeito de completude e, que a língua portuguesa, representa da autonómia em domínio expressivo. A riqueza de vocábulos, da acção temporal, da concordência exemplar, enfim cujo recurso da confiabilidade do dito domínio expressivo da complexa e singular grammáctica, arca e impera pela liberdade da ordem alfabética, literária e poética, por cívica enquanto civilizacional. Representa a Língua Portuguesa a integridade formal em prol do cognitivo, o aperfeiçoamento da espécie humana enquanto conceito expressivo.
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