Em segundo lugar, que se contem, desses tais «muitos», quantos se conservaram sempre fiéis à sua própria classe e aos seus ideais de emancipação humana e não desertaram ingressando no campo contrário!
Este
problema é tão grave e constitui um drama tão pungente que escritores da
vanguarda chegam a advogar o afastamento dos proletários da ideia de cultura.
Se a cultura é utilizada pela classe burguesa como elemento de opressão e se o
proletário culto se transforma num burguês, renegando a sua classe, acabe-se
com a cultura!, dizem eles.
Será de
defender e seguir esta atitude? Sê-lo-ia se o desenvolvimento da cultura
levasse fatalmente à opressão, mas a cultura não significa de modo nenhum
opressão pois que, como se viu, «compreende o máximo desenvolvimento das
capacidades intelectuais, artísticas e materiais encerradas no homem».
O que deve
fazer-se é, não destruir a cultura, mas pelo contrario intensificá-la e
desenvolvê-la cada vez mais, acabando com o seu monopólio numa classe e
restituindo-lhe toda a pureza dos seus fins.
Deve
portanto promover-se a cultura de todos e isso é possível porque ela não é
inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoável e a cultura é
exactamente a condição indispensável desse aperfeiçoamento progressivo e
constante.
Compreendendo a cultura assim e não como um conjunto de coisas que estão escritas nos livros e que os estudantes têm que decorar não se sabe bem para quê, quais devem ser os seus objectivos e que formação mental deve procurar conseguir no homem?
Deve em
primeiro lugar dar a cada homem a consciência integral da sua própria
dignidade.
Em todos os homens existe a mesma parcela de dignidade, simplesmente nalguns está de tal modo adormecida que chegam a dar a impressão de seres inferiores, gerando os sentimentos de humilhação. A humilhação do homem perante o homem é imoral.
Eduquemos
e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos
a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus
deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dento do
mais belo e nobre conceito de liberdade - o reconhecimento a todos do direito
ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais,
artísticas e materiais.
Assim, a
cultura e liberdade identificam-se - sem cultura não pode haver liberdade, sem
liberdade não pode haver cultura. Deve ainda a cultura tender ao
desenvolvimento do espírito de solidariedade. Não apenas solidariedade de cada
um com os da sua família, da sua aldeia ou da sua pátria - solidariedade do
homem com todos os outros homens de todo o mundo.
Este
internacionalismo não significa de modo nenhum a destruição da pátria, antes
pelo contrário, implica a sua consolidação e o seu alargamento a todas as
nacionalidades - a formação da pátria humana. O coração do homem é grande e
nele cabe bem o amor da sua nacionalidade ao lado do amor de toda a humanidade.
As ideias
de internacionalismo têm caminhado muito e têm conquistado muito terreno. Os
próprios governos dos Estados promovem a criação de organismos superiores a
cada um dos Estados independentes - Sociedade das Nações, Federação Europeia.
São portanto internacionalistas, dum internacionalismo diferente é claro do aqui
exposto, pois enquanto este se baseia na fraternidade real dos povos, aquele
tem por objectivo a defesa de certos interesses que se não encontram já bem
assegurados, considerando-se cada um Estado isolado, dentro das suas
fronteiras.
Postos assim os objectivos morais essenciais da cultura, vejamos qual deve ser o agente da criação e desenvolvimento dessa cultura - Estado ou as instituições particulares?
Evidentemente
que no estado actual de organização social só o Estado tem condições para ser
esse agente. Como? Proporcionando a todos a aquisição da cultura nas suas
escolas. A escola deve ser portanto aberta a todos e por consequência gratuita
em todos os seus graus - primário, secundário e superior. Enquanto certos graus
de ensino, pelo seu custo, só puderem ser frequentados pelos ricos, a cultura
continuará a ser monopólio duma classe.
Mas não
basta que a Escola seja gratuita; para que ela seja na realidade acessível a
todos é preciso ainda que o Estado vá mais longe, procedendo à sustentação
material daqueles que a frequentam, para que se não vejam obrigados, por falta
de meios, a afastar-se dela empregando o seu tempo em ganhar o pão para si e
quantas vezes também para os seus.
Mas ainda
mesmo que assim fosse, era preciso proceder a uma renovação constante, pois o
professor, desde que seja funcionário público, sente uma tendência - lei do
menor esforço - para a cristalização nos métodos de ensino. É necessária essa
renovação nas pessoas e nos métodos; a classe dos professores não deve nunca
descansar sobre os resultados conseguidos na véspera.
Por
enquanto, como a Escola não é entre nós nada do que deveria ser, é preciso
fazer um grande esforço e uma grande campanha no sentido da radical modificação
do actual estado de coisas.
Enquanto a
Escola não seguir no seu ensino a orientação exposta, não será um instrumento
de liberdade e progresso mas sim um elemento impeditivo da felicidade,
liberdade e justiça sociais.
Por várias
razoes, a iniciativa desse movimento de transformação e renovação não sai do
Estado; às Universidades Populares incumbe portanto o dever de serem as suas
impulsionadoras activas.
A sua
acção é mais livre do que a da Escola Oficial visto não terem as peias que esta
tem e não terem a obrigação do cumprimento de certos programas previamente
fixados. A sua liberdade na escolha das matérias do seu ensino é completa e
podem ainda proporcionar a adultos que tem a sua vida de trabalho, e sem que a
interrompam, a aquisição de conhecimentos que não poderiam ir buscar, dadas as
condições da sua vida, à Escola Oficial.
As
Universidades Populares devem auxiliar todas as iniciativas particulares com os
mesmos objectivos e ir ao encontro de todas as aspirações culturais das massas
trabalhadoras, tentando sempre satisfazê-las.
O seu
ensino não deve cristalizar em certas fórmulas; se isso acontecer, tornar-se-ão
obstáculos ao progresso. Devem constituir, por assim dizer, a vanguarda do
ensino e a sua acção, sem contrariar a da Escola, deve ser um complemento dela.
A sua
utilidade e justificação da sua existência está nas possibilidades de
libertação espiritual que der às massas trabalhadoras.
Às
organizações sindicais cabe um papel enorme nesse trabalho de libertação,
promovendo intensamente a cultura dos seus membros.
A
emancipação futura da humanidade será o resultado da união de todos os esforços
individuais e colectivos orientados pelos mesmos ideais.”
2 comentários:
Muitas vezes as pessoas de esquerda iludem-se ao ponto de julgar que os bons estão todos no seu lado. Não é assim, o Senhor Professor Rui Baptista sendo uma pessoa de direita é uma pessoa boa.
A sua coragem, a entrega revelada a uma causa em que acredita, e a sua coerência ajuízam bem da sua formação moral e grande valor.
O Senhor Professor Rui Baptista é um homem de pensamento livre porque tem como objectivo a felicidade do ser humano e a sua intervenção é para que o futuro dos jovens seja melhor.
Vivemos um período em que é difícil acreditar nas pessoas que nos governam ou que pela televisão entram em nossas casas. Para mim é motivo de grande satisfação pessoal poder conversar com este Homem.
Obrigado Professor. Bem Haja.
Que fazer perante este seu comentário, Eng.º Ildefonso Dias? Agradecer e tudo fazer paracontinuar a merecer palavras tão generosas e amigas. Um abraço comovido,
Rui Baptista
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