domingo, 25 de novembro de 2012

O GRANDE RIO DO SUL

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho.

Naquele ano de 1961, acabado de contratar como 2.º assistente, o Prof. Carlos Teixeira, director do meu departamento, na Faculdade de Ciências de Lisboa, mandou-me acompanhar um seu colega francês, Prof. Daniel Laurentiaux, da Universidade de Reims, a realizar trabalho de campo na região de Mértola.

Tive, assim, oportunidade de percorrer em pormenor o Guadiana em alguns dos seus mais belos troços, hoje submersos, e isso encorajou-me a conhecê-lo de outros ângulos para além dos da geologia (na figura ao lado, o rio em Mértola, in tripadvisor.com).

Dizem que havia um pastor antre Tejo e Odiana, que era perdido de amor per ua moça Joana, escreveu, no século XVI, Bernardim Ribeiro, na Écloga de Jano e Franco.

Grande rio do sudoeste ibérico, de importância capital na estruturação do território peninsular, o Guadiana foi usado pelos romanos como divisória entre duas das grandes províncias administrativas do império, a Betica, a oriente, e a Lusitania, a poente, confrontadas ao longo do troço que hoje corre a jusante do Caia. Até ao século VIII, designado por Ana, os Árabes respeitaram-lhe o nome, antepondo-lhe o elemento composicional uadi, que significa rio, o mesmo que está na base das designações de alguns cursos de água no sul do país, como Odeleite, Odemira e que está igualmente em uso nos uedes do noroeste africano, os vales secos correspondentes aos rios temporários característicos das terras semiáridas do Magrebe.

Uadiana ou Odiana foi o nome deste importante curso de água, eixo do Garb al Andalus, expressão que, em árabe, quer dizer o ocidente da Hispânia, ou seja, grosso modo, o conjunto da Andaluzia, Alentejo e Algarve. Odiana sobreviveu à reconquista, no século XIII, e assim se manteve, por mais três centenas de anos, na linguagem dos portugueses. Antre Tejo e Odiana era o nome da grande comarca e da circunscrição administrativa meridionais, ao tempo em que este rio foi fronteira entre os reinos de Portugal e de Leão e Castela. Por seu lado, os castelhanos transformaram o uadi, radicado na região ao longo de cinco séculos de ocupação islâmica, em guadi, elemento que ainda hoje compõe o nome de muitos rios do sul de Espanha, como Guadalimar, Guadalupe, Guadojoz e, o mais conhecido de todos, o grande Guadalquivir.

Guadiana é, assim, um nome importado que se impôs em virtude da sua posição raiana e que substituiu o antigo Odiana, influência que não se verificou com os nomes Odeleite, Odiáxere e outros com a mesma raiz, correspondentes a rios mais afastados da influência castelhana.

Desde sempre, como qualquer grande rio, o Guadiana foi pólo de atracção das populações. Os mais antigos testemunhos datam do Paleolítico, representado por abundantes utensílios em pedra lascada jacentes nos seus terraços. Tal atracção percorreu toda a Pré-história e os tempos históricos até aos nossos dias, sendo de assinalar, entre outros, os vestígios da ocupação romana, deixados nas minas de pirite de S. Domingos, a presença islâmica, hoje bem conhecida em Mértola, os vários castelos e praças fortes edificados nas suas margens e cercanias, o porto mineraleiro do Pomarão e as muitas dezenas de açudes construídos no seu leito a fim de lhe represarem as águas e, com isso, mover as respectivas azenhas.

Vista aérea da barragem de Alqueva

Na continuidade da relação do Homem com a terra, temos hoje a barragem de Alqueva, obra imensa que representa, para muitos, o mais recente e talvez o mais grandioso e esperançoso abraço entre o Alentejo e o grande rio. Assim os inconfessáveis interesses de alguns não estraguem as esperanças desses muitos.

Galopim de Carvalho

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Homenagem ao belo texto do professor Galopim de Carvalho.







Lua Coimbrã



Caminhastes, ó gentil senhoura!
no alarde, arrebanha o ensaio,
na fonte que e, vestes a hora,
tam clara, a águas de maio.

Ao longe és, jardim ao poente!
Formosa, ponte a moldura,
cercara, a tarde em plangente,
de bela e infinda, alvura.

Oh' lua de amor a cidade
no mel, és vaga aragem,
em cândida do breve, a miro,

és leve, por passo a viagem
quão cheia, de mia saudade,
vigio, teu berço e suspiro.









Propileu



Lã pura, respiras ó senda,
lá a chama reverbera, dura
na paz da língua que é lenda,
qual ardor da palavra, jura.

Por tez da ilha oh' mavioso,
teu seio, sem profícuo feitiço,
cantai ó céu, ó céu, precioso
o português da vez, castiço.

Per história, da visão ciência
qual ouro fino a mó palato,
raiáreis, viso a procela,

com mágna jóia e agência,
lá, Atena vencera e, sela
na lusa bainha, o mouro tracto.

AINDA AS TERRAS RARAS

  Por. A. Galopim de Carvalho Em finais do século XVIII, quer para os químicos como para os mineralogistas, os óxidos da maioria dos metais ...